ÉRAMOS NOVE IRMÃOS.
Cristóval
SALVARAM-ME A VIDA
Nasci no dia 3 de Maio de 1919. Éramos nove irmãos.
Actualmente, só eu e a minha irmã estamos vivas.
Não cheguei a conhecer o meu pai. Eu e a minha irmã não somos filhas do matrimónio e esta (minha mãe?) nunca nos disse quem era o meu pai, sei, segundo fontes, que já morreu.
Cedo comecei a trabalhar. Como vivo na zona de fronteira, comecei cedo a ganhar o meu sustento através do contrabando.
Comecei a fazer contrabando de galinhas, de ovos e depois nas sardinhas.
Quando andávamos na rambóia das galinhas, tínhamos que passar o rio, para isso tínhamos que cortar uma árvore para passarmos.
Muitas vezes, fomos apanhados pelos carabineiros e éramos obrigados a deixar as galinhas atrás e fugir a sete pés.
Uma vez, quando tentava ir para Espanha, os carabineiros começaram aos tiros contra nós. Eu, para fugir, meti-me no rio e fiquei presa em dois cotos, lembro-me que levava uns soques novos e um foi pelo rio abaixo. Quando os carabineiros nos viram, pegaram-me pelos cabelos e salvaram-me a vida, levando-me para a berma do rio. Já estava a afogar-me. Entretanto, levaram-me para Monte Redondo e apresentaram-me ao cabo que os mandou entregar-me à guarda de Pousa Foles. Estes entregaram-me à minha mãe. Ouvi dizer que o carabineiro que me salvou ganhou um prémio.
Durante a minha mocidade, para além de trabalhar, namorava muito. Era muito bonita, tinha um cabelo extraordinário. Durante os bailes as minhas amigas zangavam-se comigo, porque os rapazes só queriam dançar comigo pois dançava muito bem. Um dia conheci o meu marido num baile e mais tarde casamos.
Entretanto foi para Lisboa trabalhar e eu fiquei grávida, tendo que trabalhar para me sustentar. O meu marido nunca mais voltou. Segundo me disseram, arranjou uma amante e eu tive de criar a nossa filha sozinha.
Passei muita fome, mas à minha filha não lhe faltou nada.
A minha mãe para me ajudar a matar a fome até moía os casulos para fazer a bica. No entanto, um meu vizinho que conhecia as minhas necessidades e fraquezas quis casar comigo e tomar conta de mim. Casámos e ele sempre me estimou muito, tal como à minha filha. Actualmente, a minha filha Palmira Já tem 63 anos e já tenho dois netos e um bisnetinho.
Eu tenho 82 anos, estou viúva, vivo sozinha. Porém, quase cega e com poucos anos para viver continuo com muita esperança e fé em Deus.
Elvira Domingues – Cristóval
Retalhos de Vidas
Edição: Câmara Municipal de Melgaço
Outubro 2002
Pág. 21-22