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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

GUERRILHA EM MELGAÇO NO SÉCULO XIX - II

melgaçodomonteàribeira, 26.09.15

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azenha

 

(continuação)

 

Dias antes perseguido outra vez pela tropa, fôra ele encontrado no caminho de São Bento do Cando, em 11 de Julho. Apanhada a guerrilha de surpresa, pode ela, contudo, escapar-se das garras da força pública, mas deixou ficar no sítio vários objectos e um cavalo, que a tropa apreendeu.

Este insucesso foi também imputado ao cirurgião e, para salvar a vida, remiu-o pagando uma segunda indemnização: 99$800 reis.

Mas como a tal luta de morte não acabara ainda, nos primeiros dias de fevereiro do ano seguinte o Comandante da 4ª Divisão Militar, com o conhecimento e aplausos do Governo de Sua Magestade a Rainha, anunciou às autoridades locais que, brevemente, uma força militar sob o comando do Major de Caçadores 4, José de Figueiredo Frazão «vai occupar esse Concelho, o de Monsão e Valladares, com o importante fim de conseguirem o extermínio ou dispersão da Quadrilha de salteadores que tantos males tem causado aos seus infelizes habitantes, e de que é chefe o malvado Cangostas.»

Poucos dias volvidos sobre este aviso, Paderne foi ocupada por trinta baionetas da Ordem, de propósito mandadas por autoridades superiores para efectuarem o extermínio da fera humana.

Por este mesmo tempo, no monte de Montrigo, na própria freguesia de São Paio, casualmente vieram à fala Tomaz Codeço e Manuel de Caldas e dessa conversa saiu o empréstimo de cinco libras de ouro, feito por aquele para este governar a sua vida.

Em março de 1838 «com muita violência e ameaças de vida» foram-lhe ainda exigidos mais sessenta alqueires de milho.

Não contente com este canastro, segundo parece sempre aberto para fornecer de brôa os guerrilheiros, em 26 de agosto recebeu o Tomaz das Quingostas cento e cinco mil reis por um cavalo, que lhe levara o Izidoro, alferes de voluntários e, em 17 de Outubro, uma clavina, entregue pelo Caldas na sua própria casa ao buscador Caetano Manuel Meleiro, da Granja.

Como sempre o Caldas de Real foi o bode expiatório; por aquele cavalo apreendido pelo alferes de voluntários tinha-lhe sido pedida avultada indemnização de 207$800 reis e para tanto lhe não pagar «se valeu de alguns amigos que o compuzeram pella quantia de sento e sinco mil rs e huma clavina de vallor de sinco mil rs.»

Roubado, perseguido, procurado de dia e de noite, o cirurgião Caldas resolveu sair de São Paio e refugiou-se na vila, porque o Tomaz era «Homem destemido, ladrão e matador, que roubaba de dia e de noite e quando se lhe não desse ou fezesse o que elle queria logo entimava a penna de vida e assim o executava» e «depois de indultado se fez mais temível cometendo mortes e vários roubos como foi na romaria da Sr.ª da Peneda em 7 de setembro de 1838, Riba de Mouro, andando em todo o monte temível, muito armado e com a cometiva da sua quadrilha que a todos ameação e todos temiam pellas suas dezordens.»

Mas se tudo isto se articulou no tribunal, nos mesmos autos se escreveu, que entre Tomaz Codeço e o Cirurgião tinha havido toda a familiaridade e bom entendimento e, por vezes, dos dinheiros do Tomaz se valeu o Caldas nas suas aflições e ainda hoje se pode ler num papel esta passagem:

 

«P, que o A, antes de fallecer o filho da Re Tomaz Joaquim Codeço foi por elle demandado e afinal fizerão por intervenção de Pessoas na prezença das quaes já mais o A, podia recear máos tratamentos e ahte nesse tempo o filho da Re andava andava com a guia que lhe passou o Conde das Antas e tanto respeitava a Ley que para haver o que o A, Manuel José de Caldas lhe devia, o chamou à Justiça e o fez citar para as acçõens competentes.»

 

E antes do Tomaz das Quingostas chamar ao juízo conciliatório o cirurgião Caldas, diligências se fizeram para tirar a corda da garganta deste devedor, como ressalta desta carta:

 

   «Quingostas 19 de Abril de 1838

                Il.mo Sñr. Juis

 

Dezejo a sua saude geralmente a tudo o quanto lhe pertence a ?? he ofreço no seu serbiço &

                Il.mo Sñr

 

No dia de onte findou o nosso contrato com o serujião i por isso Rogo a V S.ª o favor de me não pedir mais por semelhante patife; por isso antes quero que V S.ª fique com elle de o tal maroto; para quem entende bai isto. Fico pronto para tudo o quanto lhe prestar

   Sou seu v

                           Thomaz Joaquim Codeço

  1. S. os trinta mil reis que recebi ficão a comta da obrigação que tenho delle.»

 

E esta carta entende-se, ligando-a com a tentativa de conciliação feita na Casa e Quinta da Cerdeira em 9 de Junho de 1838 perante o cidadão Joaquim Thomaz Correia Feijó, juiz da paz e órfãos no círculo das freguesias de São Paio, Vila e anexas, diligência a que não compareceu Manuel José de Caldas.

A morte levou Tomaz das Quingostas sem lhe dar tempo para fechar as contas com os fornecedores da sua casa, nem com os credores e como seu pai, José Codeço, já tinha falecido, herdou-lhe os bens a mãe, a quem todos eles foram pedir a liquidação dos débitos.

Aceite a herança a título de inventário, foi no tribunal que se ajustaram as contas, tendo os jurados reduzido ao justo valor várias das verbas pedidas.

Pequena quantia foi reclamada pelo crédor Dom Pedro Vasques de Puga, da Casa e Quinta da Moreira, na Galiza e apenas 63$940 reis foi a soma exigida por António Luís Pereira, negociante, do lugar dos Moinhos, da freguesia de Paderne, proveniente de vários fornecimentos feitos ao Tomaz das Quingostas, tais como maços de cigarros, caixas de fósforos, queijo, bacalhau, 15 kilos de açúcar, verbas de dinheiro emprestado, como 1$440 e 2$400 reis, um tinteiro e areeiro de louça, um par de luvas de troçal de sêda preta e outro de seda azul, chumbo de caça, uma importância de fogo paga ao fogueteiro de Santa Cristina, 14$000 reis, a maior verba lida nesta conta.

 

(continua)