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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

GUERRILHA EM MELGAÇO NO SÉCULO XIX - I

melgaçodomonteàribeira, 23.09.15

51 c2 - cast lab.jpgterras castrejas

 

      PORQUE A LENDA DO TOMAZ DAS QUINGOSTAS ESTÁ FEITA…

 

 

«P. que no anno de mil e oitocentos e vinte e seis o A. Francisco José Pereira, e sua molher, ainda viva, Ana Maria d’Araujo, temendo-se das Guerrilhas que naquella Época ameaçavam esta Villa, aonde chegarão a entrar por vezes, derão a guardar ao Reverendo Manoel José Esteves, do logar da Sella, do concelho de Valadares, toda a mobília e trastes preciosos, que possuião.

  1. que tendo o ditto Padre Manoel José Esteves, os dittos trastes e mobília do A. em sua caza Thomaz Joaquim Codeço, filho da R. assuciado com huns facinorosos ladrons e destemidos, de propósito e cazo pençado se forão na noute de 17 para 18 do mez de Fevereiro do anno de 1827 a caza do ditto Padre Manoel José Esteves, e sem que este podesse resistir a tanta força Armada lhe roubou o ditto Thomaz toda a mobília e trastes constantes da Relação junta, que requerem se leia as Testemunhas; e para que o mesmo Thomaz não acabasse de roubar o mais que ali existia pertencente aos AA. teve o mencionado Padre de dar ao mesmo Thomaz em moeda corrente a quantia de 34$080 reis que o A. dezembolçou para endemenizar o Padre.
  2. que além disso em 12 de Maio de 1828 veio o dicto Thomaz a casa do A. e o constrangeo a que lhe deçe da sua Loja as fazendas e dinheiro constante da mesma Relação; tornando-lhe a pedir em 25 de Fevereiro de 1836 cinco côvados de Baeta que o A. teve de Comprar, e lha remeteo pelo mesmo portador que a veio pedir e buscar; emportando tudo na quantia de 280$100 reis preço em que os AA. o estimão, ou por aquillo que se liquidarem respeito a mobília e trastes».

 

Não apurei a causalidade, mas o Tomaz das Quingostas foi preso para as cadeias da Relação do Porto e essa prisão só podia ter sido efectuada depois de 1828.

Saído «das cadeias do Porto em 1832 pela entrada do Senhor D. Pedro naquela cidade» e, na verdade todos os historiadores daquele período da luta fratricida confirmam terem as forças desembarcadas em Pampelido, à sua chegada ao Porto, aberto as prisões e soltado os presos, indultando-os assim, veio o Tomaz para São Paio, sem aguardar para a escápula a caricata aventura de Carlos Napier.

Sua mãe tinha no lugar de Baratas uma casinha onde fôra feito, dizia-se, o património do primo do seu filho, o P.e Manuel António Pereira Codesso, morador no lugar do Cruzeiro, mas comprada pelo seu marido era ainda solteiro.

O Tomaz, ao chegar à terra, fôra-se logo com machadas e verrumas, cravos e martelos à referida casa e, à valentona, lhe cravará as portas, ficando até, alegou o padre, dentro fechadas umas suas sobrinhas.

Com este acto de violência parece ter atemorisado muita gente e especialmente aquele clérigo, pois sempre ele se disse receoso de perder a vida às mãos do parente.

Perde-se-lhe a pista no resto daquele ano, mas não repugna a suposição de ter gasto esses meses na formação de uma guerrilha ou a reorganisar a malta de facinorosos e atrevidos ladrões, acusada como já existente nos tempos anteriores à prisão.

Perto das Baratas vivia o Cirurgião de Real, Manuel José de Caldas, casado e com filhos, a prestar os seus serviços por aquelas redondezas em troca das avenças dos fregueses, quase todas em milho, e por isso havia bom passadio no seu lar.

Ora em Janeiro de 1834 o Tomaz das Quingostas exigiu do cirurgião quarenta e sete alqueires e meio de milho e em Julho do ano seguinte mais cincoenta alqueires e tres quartos.

Pouco dias antes desta última data a Prefeitura do Minho iniciara a caça ao Homem, oficiando aos sub-inspectores de Melgaço e Monção para lhe ser feita guerra de morte, com «a suspeita que sejão um fermento de guerrilha notrindo rellaçõens com os faciosos do reino vizinho» e no princípio do último trimestre deste mesmo ano secundara a caça o Governo Civil de Viana, mas confessando, abertamente, haverem-se «tornado infructíferas todas as medidas adoptadas para este fim, pelo auxílio que os mesmos Povos dão a este chefe, fazendo-se por isso tão cúmplices como os referidos Salteadores…»

Tomaz das Quingostas nem assim transferiu o seu quartel general para outra região, mas os acontecimentos políticos desenrolados no país e, sobretudo no distrito, dele distraíram as atenções dos diversos dirigentes da nação, durante o ano de 1836.

Á vontade, portanto, o Tomaz continuou a campear em Melgaço e em 7 de Maio de 1836 fez ao cirurgião Caldas a nova exigência de setenta e dois alqueires de milho e, como tantos não havia em casa, levou-lhe o rol das avenças e foi cobrar a maior parte do cereal à casa dos próprios fregueses.

O Tomaz das Quingostas foi então perseguido pela tropa e, desconfiando do cirurgião, considerando-o único espia dos seus actos, recebeu em agosto como indemnização: um cavalo, levado das Baratas pelo seu companheiro bem conhecido pela alcunha «O Casal de Sante» e em outubro um touro, tangido desde ali pelo João Ferreiro, de Baratas.

 

(continua)