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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

PASSEI MUITA FOME E MISÉRIA...

melgaçodomonteàribeira, 15.07.15

Minho desde a estrada de Fiães

 

SAPATOS DE FOLHAS DE FIGUEIRA


Nasci a 29 de Outubro de 1921. Quando vim ao mundo, tinha já 4 irmãos, sou, portanto, a mais nova.
A minha mãe era padeira e peixeira, o meu pai nunca quis saber de nós, foi para o Brasil.
Para ajudar a minha mãe fomos trabalhar todos para ganhar o nosso sustento.
Atravessei muitas vezes o rio para ir buscar coisas a Espanha e, posteriormente, vender em Portugal. Muitas vezes fugi aos carabineiros e à guarda portuguesa que não permitiam o contrabando.
Os meus sapatos eram folhas de figueira, passei muita fome e miséria.
Nunca fui à escola, nunca tive condições, tínhamos que cuidar do gado, granjear as terras, trabalhávamos de sol a sol.
No entanto, também havia momentos de lazer. Depois de um longo dia de trabalho, íamos aos bailaricos para dançarmos, conversarmos e namorarmos.
Lembro-me de um dia em que estava preparada para ir a um baile, tendo dois rapazes à minha espera e a minha mãe viu-os e já não me deixou sair fechando-me em casa. Chorei a noite toda.
Um dia, num baile, conheci um rapaz muito bonito e simpático, começamos a namorar. Mais tarde, como nos dávamos muito bem, casamos.
Ele entretanto foi para a tropa e eu fiquei a viver com a minha mãe. Nesta altura já estava grávida. Tive uma linda menina.
Passado algum tempo a avó do meu marido adoeceu e, como a minha sogra era feirante e nunca estava em casa, fui eu tomar conta dela. Estive lá três anos. Durante este período de tempo o meu marido adoeceu e esteve a tratar-se no Caramulo.
Entretanto, o meu marido ficou bem e depois de muito trabalharmos conseguimos comprar casa.
A minha filha casou e está a viver em Afife. O meu marido faleceu, o que me deixou muito triste.
A minha única consolação é o meu genro, minha filha e neta.


Júlia de Lurdes Fernandes – Casais – Cristóval


Retalhos de Vidas


Edição: Câmara Municipal de Melgaço


Outubro 2002


Pág. 16