AUTO DA LADINA III
Forno comunitário
(Enteado – prosseguindo)
Não me enganas, assassina,
vais pagá-las de uma vez;
anda cá, alma malina,
seu monstro de malvadez!
(Narrador – com um sorriso de satisfação)
E seu gargalo apertou,
com fúria de tresloucado;
seus dentes de cão ferrou,
naquele corpo danado!
(Ladina – enraivecida)
Larga-me, filho de cão.
Entrega-me à autoridade.
(Narrador – aparentando tristeza)
E rota, ferida, no chão,
metia dó à piedade!
( algum tempo depois…)
Eis a nobre autoridade,
imponente e barrigana!
(1º guarda – com cara de mau)
Anda, vamos para a cidade,
pincha para a carripana.
(Ladina – com olhar choroso)
S’or guarda, não me prenda,
o meu homem não matei;
eu juro por Santa Alzenda,
eu respeito muito a lei!
(Narrador – conivente)
O guarda não quis ouvir,
e para a prisão a levou.
Pelo caminho, ela pensou:
«Não o poderei sacudir?»
Melhor o fez do que o pensou,
pois ao incauto guarda seduz!
(Ladina – primeiro, tira-lhe o barrete; depois, entrega-lho)
Sr. Guarda, o seu capuz
que da cabeça voou!
(1º guarda – mostrando compaixão)
Obrigado, minha santa,
tudo isto me entristece;
quanta pena tenho, quanta!
Libertar-te… me apetece.
(Neste momento a Ladina abraça o guarda; o narrador, cúmplice, pisca um olho à plateia e diz:)
E ela, já confiante,
seu corpo gordo rodeia;
sorridente, triunfante,
seu bruto olhar incendeia.
O guarda não pode mais
e a bota mete ao travão.
(1º guarda – abraçando fortemente a fêmea)
Mulher dos meus ideais,
mulher do meu coração!
(Narrador – tentando imitar a cena)
E ali, na carripana,
possuir quer, a amada;
porém, a hábil cigana,
lança-lhe a sua jogada!
(Ladina – desprendendo-se bruscamente)
O meu corpo será teu,
a liberdade será minha;
não sejas porco sandeu,
na minha proposta alinha.
(Narrador – sentencioso)
O guarda, desesperado,
não sabe como reagir:
quer o corpo desejado,
mas a lei não quer trair!
É tão grande a tentação,
que a lei ao diabo manda;
reage com a paixão…
é o coração quem comanda!
(O guarda atira-se à mulher. Ouve-se a respiração dos dois. Mais tarde, o narrador prossegue):
Satisfeito, o seu desejo,
diz à pressa, com um ganido:
(1º guarda – segurando ainda as calças)
Pensas tu que tenho pejo
Em romper c’o prometido?
(Narrador – apontando para o que se está a passar)
Mas a ladina, prevenida,
dá-lhe um tal safanão,
que o deita logo ao chão
e foge – quase despida!
(Aqui, actuar de acordo com a cena)
O guarda corre, aflito,
à procura da pistola.
(1º guarda – muito atrapalhado)
Aonde está? (já estou frito),
aonde está… a mariola?!
(Narrador – com os braços cruzados)
Nesta grande confusão,
não encontra mais o norte;
cabelo em desalinho, calças na mão,
já diz mal da sua sorte.
Para o quartel, triste, volta,
jurando, um dia, se vingar;
é tão grande , a sua revolta,
que junto da imagem vai rezar.
«Por minha mãe santa, juro,
que não mais vou descansar,
enquanto não apanhar,
esse asqueroso monturo».