AUTO DA LADINA II
Em Pomares
AUTO DA LADINA
(Narrador – com entrada triunfal)
Vou-vos contar uma história
que acho muito engraçada:
a de uma mulher sem glória,
a de uma pobre coitada!
Passou-se tudo em Melgaço,
concelho do Alto Minho;
fonte do rico bagaço,
alforge do verde vinho.
Foi nos anos de quarenta,
era do grão Jesus Cristo;
mas se o fora em noventa
não alterava nada isto!
Chamavam-lhe a Ladina,
vivia lá p’ras montanhas;
aonde sua alma malina
forjava coisas estranhas.
Casou com um velho rico
para ganhar gorda tença;
- coitado do Angelico:
assinou sua sentença!
Compra veneno pró labrego,
e no comer lho vai pondo;
e seu plano dispondo…
como hábil estratego!
Mas p’ra sua fortuna herdar
precisam de ter herdeiro;
assim, lesta, vai comprar
a filhita do moleiro!
Esse pobre desgraçado,
homem de pouca ciência,
vendeu a alma ao diabo,
sem disso ter consciência.
Conceiçãozita lhe vende,
em troca de mau dinheiro;
mas, antes, dizer entende:
(Moleiro – com um olhar feroz)
Ouve: não conheces o moleiro!
(Ladina – convincente)
Podes ficar descansado.
Já não sou uma menina!
Eu só conheço o diabo,
ou não me chame Ladina.
(Narrador – movendo-se com agilidade)
Foi para casa apressada,
e a dose do veneno dobrou;
e quase sem dar por nada,
no inferno o velho entrou!
No dia seguinte ao da morte,
aos quatro ventos gritou,
que era mulher de sorte,
que grande fortuna herdou!
E apresentou a criança
ao enteado int’resseiro.
(Enteado – triste e ridículo)
Lá se vai a minha herança,
sou apenas meio herdeiro!
(Narrador – olhando os espectadores nos olhos)
Mas um vizinho matreiro
que a felina espreitou,
disse:
(Vizinho – apontando para a criança)
- a criança é do moleiro,
com dinheiro ela a comprou!
(Narrador – sempre virado para o público)
O enteado ouvindo isto,
enfurecido – gritou:
(Enteado – com os olhos fora das órbitas)
Por nosso Jesus Cristo,
se à justiça não vou!
(Narrador – com um salto malandreco)
A Ladina, descoberta,
tentou criar confusão;
e logo – com voz incerta,
falou-lhe ao coração:
(Ladina – toda ternura)
Meu filho, não acredites
no que esse homem te diz;
só te peço que medites:
quem mais a teu padre quis?
Eu fui uma boa esposa,
e serei uma boa mãe;
achas que sou aleivosa?
Mataria eu… teu pai?
(Enteado – com ar desconfiado)
Não o sei, por Satanás!
Quem te fez essa criança?
O meu pai era incapaz…
só a tinha p’ra mijança!
( depois... - apontando)
Naquele caixão de riga,
está um homem sem voz;
não te encheu essa barriga,
nem podia com uma noz!
Como é possível ter filhos,
sem ‘star nove meses prenha?
Não sei por que subtis trilhos
levas água à tua azenha!
Enganaste bem meu pai,
não me enganarás a mim.
(Ladina – desesperada)
Ai, ó meu povo – ai, ai,
livrai-me do Benjamim!