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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

QUINTA DO REGUENGO

melgaçodomonteàribeira, 27.12.14

Quinta do Reguengo

 

AGOSTINHO SOARES DE CASTRO

 

Cavaleiro professo na Ordem de Cristo, F.C.R. e capitão de cavalos e coirassos foi o primeiro senhor da Casa e Quinta do Reguengo, na Juradia da Várzea, termo de Melgaço.

Por seu pai, Miguel de Castro Soares Azevedo, primeiro senhor da Casa da Granja, junto de Ponte Folia, na freguesia de Remoães e provedor da Santa Casa da Misericórdia da vila de Melgaço em 1629 descendia dos nobres Castros, alcaides-mores de Melgaço, desde que em tal cargo D. João I investiu Diogo Gonçalves de Castro.

Seu avô foi Tristão de Castro Azevedo, abade da freguesia de Rouças, provedor da Santa Casa local em 1591, ano em que deu a avultada esmola de quatro mil réis para a pintura de retábulo da igreja da confraria.

Título – Pe. Tristão de Castro, abade de Rouças.

Na Misericórdia em 1673-1674 e foi a esta confraria que ele comprou em 29 de Setembro de 1675 a Quinta do Reguengo por quinhentos e vinte mil réis e um foro de oito lampreias, que passava sobre o naceiro da Serpente da Pedrosa por dez mil réis. E foi nesta Quinta de Reguengo que ele levantou então o seu solar, que ainda hoje é admirado na sua traça primitiva, espaçosa, elegante, em forma de U, com galeria para o sul e escadas bem lançadas a ladeá-la.

À esquerda do observador ostenta-se o brasão de armas do fidalgo e à direita o de um dos últimos morgados.

A Quinta do Reguengo era uma grande e boa propriedade de terreno fértil, belamente situada na Juradia da Várzea e no termo de Melgaço.

Em tempos mais recuados teve seus privilégios.

Lemos no foral concedido por D. Manuel I a Melgaço em 1513:

« - Primeyramente tem a Coroa Real … - E na freguysia de Varzea tem ora o dito pero de crasto a quintãa da Varzea q he Reguenga. E asy as vinhas e herdades della que soyam seer dous casaaes reguegos. E quando se deer a lavradores nam ficam obrigada ao dito reguengo a prazer das partes por aquyllo que se cõcertarem sem ficar a dita quyntão posta e outra obrigaçam da paga do reguengo por seer fora dos reguegyeyros della».

Andava, pois, esta quinta na posse e usufruição dos alcaides-mores de Melgaço e foi deles, Fernando de Castro, mordomo de D. Catarina, mulher de D. João VI, duque de Bragança, que em primeiras núpcias casou com D. Maria de Azevedo e em segundas com D. Luísa de Lacerda, filha de Francisco Vaz Tello, alcaide-mor de Braga, que a vendeu em 24 de Março de 1606 a Inácio Velho de Araújo, um melgacense que na Índia negociou e em seu testamento feito em 20 de Outubro de 1624, quando a morte lhe batia à porta a casa, a deixou à Santa Casa da Misericórdia da vila de Melgaço, com a obrigação da confraria continuar a demanda por ele testador trazida com Jerónimo de Castro, filho de aqueles.

Ignoramos hoje os fundamentos desta importante questão judicial mas não andaremos longe da verdade se a presumirmos baseada na venda «da parte da dita quinta que está tida por de morgado», porque o Reguengo foi vendido em globo por um conto e cinquenta mil réis, obrigando-se os vendedores a haver de Sua Majestade «previsam na qual lhe de a dita licença pêra que a venda que fazem da dita parte que esta tida por de morgado fique firme e tenha seu real effeito… dentro em tempo de dous annos… e sendo caso que não ajam a dita provisam dentro do dito tempo e o dito senhor não aia por bem que a dita parte da dita quinta se venda neste cazo…» o comprador cobraria seu dinheiro recebendo parte das quintas do Garão e do Pessegueiro, sitas no termo da cidade de Elvas, que os vendedores tinham comprado a Vasco Fernandes César e mulher D. Ana de Meneses.

Inácio Velho de Araújo compraria a Quinta do Reguengo como Fernando de Castro e esposa D. Luísa de Lacerda a possuíam: foreira à sereníssima Casa de Bragança e ao mosteiro de Paderne e ainda «o foro de outo lampreias de randa cada hum anno sobre o naceiro que esta no rio Minho abaixo do sul (?) frentaria na freguesia e juradaria de barzia» porque a Ribeira era pertença do quarto da «quintam de barzia que pessuia per paios» o fidalgo Fernão de Castro. Deve ser “prazos” embora o que acima se leu conste da transacção feita aos 9 de Fevereiro de 1612 «na vila de Melgaço ao carvalho ao sol que é dentro desta vila».

De facto a quintão da Várzea pertencia à Casa de Bragança.

 

O MEU LIVRO DAS GERAÇÕES MELGACENSES

Volume I

Augusto César Esteves

Edição da Nora do Autor

Melgaço

1989

pp.221-224

 

O REI, A FEIRA E OS HOMIZIADOS EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 20.12.14

Serra

 

PRIVILÉGIOS DO COUTO DE MELGAÇO

 

A guerra por causa da sucessão do trono português foi de consequências nefastas para Melgaço. O facto de a fortaleza ter defendido as aspirações do rei de Castela ocasionou para muita gente uma falsa posição. Retomada a praça e expulsa a guarnição, os partidários do inimigo acharam por bem deixarem o nosso território.

No tempo de guerra cometem-se abusos e excessos. Aqueles que se acharam culpados entenderam sair da terra para fugir às inevitáveis represálias. A feira que se realizava em Melgaço desde o alvor da nossa independência decaiu. Com ela Melgaço tinha movimento e lucro, mas com a sua decadência sofreu a economia local.

Para obviar a este mal, D. João I concedeu, em 14 de Fevereiro de 1391, regalias aos feirantes, não podendo ser molestados por causa de grande parte de crimes que acaso recaíssem sobre eles. Isto tanto na feira como na ida e volta durante certo espaço de tempo.

Não era caso único mas praxe de outras feiras no país e no estrangeiro.

Outro documento que interessa conhecer foi outorgado por D. João I a Melgaço, estabelecendo aqui um couto com diversos privilégios.

 

Ei-lo:

 

João etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que olhando nós e considerando em como a nossa vila de Melgaço, que é na correição de Entre Douro e Minho, é muito despovoada e danificada, e em como está no extremo dos nossos reinos e dos de el-rei de Castela, porém com vontade e desejo de acrescentarmos em ela, e ser melhor povoada, e querendo nós fazer graça e mercê aos homiziados dos nossos reinos e entendendo-o por nosso serviço, temos por bem e coutamo-la e fazemos dela couto assim e pela guisa que o é a nossa vila de Chaves. E queremos e mandamos que daqui em diante todos os homiziados que ora são e daqui em diante forem, vão morar e povoar, se quiserem, ao dito couto de Melgaço, no qual hajam todos os privilégios e liberdades, perdões, que nós mandamos que lhe sejam dados, guardados, e cumpridos, bem e cumpridamente, assim e pela guisa que os nós mandamos guardar ao dito couto de Chaves, sem lhe sendo posto a isso outro nenhum embargo em nenhuma guisa, e maneira que seja. Outrossim porque a nós é dito que o couto e termo do dito lugar de Melgaço é tão pequeno que os dito homiziados não teriam terra em que lavrar nem terra para criarem seus gados, salvo muito gastamente, e em como o termo de Valadares parte junto com a vila do dito couto de Melgaço, o qual termo de Valadares é bom para criarem e lavrarem, porém cremos e mandamos que por os ditos homiziados haverem maior vontade de irem morar e povoar ao dito couto de Melgaço, que seguramente e sem nenhum temor possam os ditos homiziados que em o dito couto morarem e povoarem, lavrar e ter seus gados, apanhar seus frutos no dito termo de Valadares assim pela guisa que o fazem os homiziados que estão no dito couto de Chaves. E isto seguramente sem lhe ser feito outro nenhum desaguisado, contanto que eles tenham suas casas no dito couto ou vila de Melgaço. E porém mandamos a todos os corregedores, juízes e justiças, alcaides e meirinhos dos nossos reinos, e a outros quaisquer oficiais e pessoas a que disto o conhecimento pertencer, a que esta carta ou treslado dela em pública forma feita por autoridade de justiça for mostrada, que assim o cumpram e façam cumprir e guardar porquanto nossa mercê e vontade é de assim ser cumprido e guardado e privilegiado como dito é. E por esta carta mandamos aos juízes e alcaides da dita vila e couto de Melgaço que daqui em diante recebam em a dita vila os ditos homiziados e os deixem em ela morar e povoar, fazendo logo assentar o dia e o mês e era em que se apresentam e os nomes dos ditos homiziados e os malefícios por que são homiziados. E isto em um livro que para isto seja feito, o qual livro seja bem guardado para se saber por ele quanto tempo moram para serem perdoados. Donde outra coisa uns e os outros não façais. Dada em a nossa cidade de Lisboa, 25 dias do mês de setembro. El-rei o mandou por Fernando Afonso da Silveira, cavaleiro seu vassalo e do seu desembargo, não sendo aí o Doutor Rui Fernandes seu porteiro. Fernando Rodrigues escrivão em lugar de João Esteves a fiz. Ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1431 anos.

 

Este documento já nos aparece na contagem cristã que D. João I mandou adoptar em 1422 em vez da era romana, ou de César que já então ia em 1460.

 

 

Obra Histórica

Padre Manuel António Bernardo Pintor

Edição do Rotary Club de Monção

2005

pp. 137-139

 

O ZEZINHO GORRO DEIXOU-NOS

melgaçodomonteàribeira, 13.12.14

Orquestra "Os Ferreiras"

 

Foi-se o nosso conterrâneo e amigo Zezinho Gorro.

Filho e irmão de músicos, fez parte da BANDA DE MÚSICA DE MELGAÇO e da orquestra OS FERREIRAS, formações musicais sempre presentes nas numerosas manifestações festivas do concelho até finais dos anos 60 do século passado.

 

Com a nossa sincera afeição, Zezinho.

 

UM OLHAR ARRAIANO SOBRE CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 13.12.14

 

DIARIO DE LEÓN, 23/08/2010

 

 

Con viento fresco

José A. Balboa de Paz

 

Castro Laboreiro, que antaño fue concejo y hoy pertenece al de Melgaço, es uns cuña portuguesa que se adentra en tierras de Galicia. Aquí la frontera con España no la delimita el Miño sino una serie de sierras ásperas, de formas redondeadas, constituidas por bloques graníticos pelados en sus cumbres, en los que se han marcado con cruzes y números una serie de hitos o mojones, al menos desde el siglo XVI: la raya seca. Estos paisajes inhóspitos y aislados son, como dicen los castrexos,  «o fim do mundo»; en ellos nunca hubo pasos fronteirizos sino silentes caminos atravesados por contrabandistas, traficantes, bandoleros y, en época de persecución política, huidos, prófugos, exiliados. Aunque aisladas, estas tierras han sido paso de viejas culturas megalíticas, que han dejado su impronta en mámoas, sepulcros de corredor y ancestrales creencias religiosas luego cristianizadas, como la peña de Anáman, cuya ermita a la Señora de ese nombre es un lugar recoleto en medio de una naturaleza telúrica.

 

El río Laboreiro y sus afluentes han tajado en profundas gargantas estas sierras, que se abren a dos paisajes geomorfológicos y humanos diferentes y complementarios: las brandas y invernías. Las brandas o brañas son las zonas altas, duras y frías en invierno, pues con frecuencia están cubiertas de nieve, pero en el verano son tierras soleadas y de pastos abundantes. Las invernías son las tierras bajas, en lo hondón de los valles y en las solanas, protegidas del frío. Esta singularidad geográfica ha dado lugar a un nomadismo de valle a montaña que, en el Bierzo, nos es conocido también en la Somoza. Allí los habitantes de Aira da Pedra, a orillas del Burbia, pasavan los meses de invierno en el valle, mientras que en Campo del Agua, en lo alto, vivían desde Pascua hasta el otoño, con sus ganados y campos de cultivo. En Castro Laboreiro no era uno, como en la Somoza, sino todos los peublos los que praticaban este nomadismo, que se ha mantenido sin grandes cambios hasta hace unos veinte años.

 

La raya seca, la vieja frontera, ha desaparecido legalmente, incluso se han trazado nuevas carreteras que acercan Celanova y Bande a Castro Laboreiro, pero quedan muchos viejos malentendidos y distanciamientos mentales, que algunos españoles y portugueses buscan eliminar. Arraianos, una asociación nacida en la parte gallega, lleva años convocando a gallegos y portugueses a jornadas de convivencia, en las que se nombran como Arraiano Mayor, a los que se destacan por esta labor de unir ambos pueblos y divulgar la cultura de frontera. El año pasado le correspondió tal honor a Mendéz Ferrín, el prestigioso escritor gallego, natural de Celanova, una de cuyas obras lleva justamente el título de Arraianos. Este año, Ferrín al que acompañamos algunos amigos, pasó el testigo al padre Fontes, un cura de Montealegre portugués un tanto heterodoxo, que además de escribir mucho y bien sobre la cultura popular, es capaz de concitar que miles de personas asistan a la Festa das Bruxas, que con carácter anual organiza en su parroquia.

 

La asociación gallega publica una buena revista, Arraianos, cuyo último número fue presentado la semana pasada en Castro Laboreiro, en el trascurso de unas jornadas dedicadas a la historia local. Américo Rodrigues es el alma de estas jornadas que se vienen organizando desde hace años, con un cresciente interés. Invitado por él, asistí con unos amigos. Nos llamó la atención cómo un pequeño grupo de personas, animadas por Américo, han sido capaces de dinamizar una zona rica en recursos turísticos, pero dejada de las manos de las autoridades. Los congresos de historia han servido en este caso para reivindicar no sólo unas señas de identidad, las de la raya seca, sino unos recursos naturales, el paisaje, los restos arqueológicos, los puentes de piedra, el museo local. Hay varios hoteles y casas de turismo rural. Por las mañanas se ven a grupos de excursionistas que se dirigen a la montaña o al valle para practicar al senderismo. Es un buen ejemplo para algunas zonas de nuestra provincia.

 

Retirado de:

Caderno Arraiano

 

http://cadernoarraiano.blogspot.com

 

SOBRE O MOSTEIRO DE PADERNE

melgaçodomonteàribeira, 06.12.14

Paderne - Vista sobre o mosteiro 

 

MOSTEIRO DE SÃO SALVADOR DE PADERNE

 

Dizem os escritores de antiguidades que este mosteiro foi fundado por uma D. Paterna, viúva de certo conde de Tui chamado Hermenegildo, pais da abadessa D. Elvira que recebeu do nosso primeiro Rei a doação do couto de Paderne em recompensa de ter enviado socorro ao Monarca quando cercava o castelo de Laboreiro, minha terra natal. Diz-se que esta D. Paterna, depois da morte do marido, veio fixar residência nesta terra que era herdade sua e resolveu seguir a vida monástica juntamente com algumas filhas e companheiras. Com esse fim mandou edificar uma igreja que estava concluída cerca de 1130 e foi sagrada nesse ano pelo bispo de Tui, D. Paio, que presidiu também à profissão das freiras em 6 de Agosto, dia litúrgico do Divino Salvador a Quem a igreja foi dedicada. Esta D. Paterna morreu em 1140, sucedendo-lhe a referida D. Elvira, sua filha; e a localidade ficou a chamar-se Paderne, que quer dizer terra de Paterna, em memória da ilustre possuidora e fundadora do mosteiro.

Proponho-me demonstrar que anda errado o que se escreve constantemente a respeito das antiguidades de Paderne, porquanto o seu nome é mais antigo do que se diz e designava uma região mais extensa, vem de homem e não de uma mulher, e a abadessa D. Elvira a quem D. Afonso Henriques deu o couto não era filha de qualquer Hermenegildo.

 

Na segunda metade do século XI, já nos aparece um documento a designar Paderne como terra de nome feito. Em 1071, D. Urraca, filha de D. Fernando Magno, rei de Leão, e irmã de D. Afonso VI, sogro do nosso conde D. Henrique, fez larga doação à Sé de Tui para favorecer a sua restauração após as ruínas causadas pelas incursões dos inimigos da Fé. Nessa doação, inclui-se: «De Monasterio Sancti Pelagii de Paderni medietatem, quomodo est per gyrum cum Villa quae vocatur Prado, quomodo dividitur per médium alveum Minei, cum suis piscariis, & cum suis hominibus, & cum omnibus suis».

Vemos, pois, que já existia a terra de Paderne em 1071 com um mosteiro dedicado a Paio.

Pode haver quem julgue ser o Mosteiro de S. Salvador de Paderne o mesmo que o antigo S. Paio de Paderne, tendo havido transferência do mosteiro ou mudança do titular, mas tal não sucedeu. Eram dois mosteiros completamente distintos na mesma terra de Paderne, que coexistiram e a cujos territórios correspondem duas freguesias completamente independentes uma da outra através de todos os tempos.

Do mosteiro de S. Paio, que deve ser mais antigo, poucas notícias nos restam. Vimos que a infanta D. Urraca deu metade à Sé de Tui em 1071. Em 1118 D. Onega Fernandes fez à Sé de Tui «kartam donationis de quarta parte ecclesie Sancti Pelagii de Paterne», em reparação pelo sacrilégio do seu filho Paio Dias que não respeitou o lugar sagrado matando um homem na igreja de S. Tiago de Penso. Em 1125 D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, confirmou à Sé de Tui a antiga doação ou testamentum Regis Teodomiri em que se inclui «Ecclesiam Sancti Pelagii de Paterni», cedendo-lhe, naturalmente, a quarta parte restante.

Nestas duas escrituras chama-se a S. Paio Igreja em vez de Mosteiro, mas os entendidos sabem que estas denominações se equivalem muitas vezes.

Temos ainda notícias do mosteiro de S. Paio no ano de 1156. A diocese de Tui abrangia em Portugal o entre Minho e Lima. No sobredito ano o bispo D. Isidoro e os cónegos da sua Sé fizeram entre si partilha dos rendimentos eclesiásticos, e na meação dos cónegos ficou «Ultra Mineum in Valadares Monasterium S. Pelagii de Paterni cum omnibus Ecclesiis & pertinentiis suis».

Até quando S. Paio de Paderne foi mosteiro, não sei. É preciso conhecer-se bem a engrenagem antiga dos mosteiros para se saber quanto a sua vida dependia dos caprichos de seus herdeiros e de quantos deles se amparavam.

Perdura ainda a freguesia de S. Paio que oficialmente não tem outro nome. Muitos lhe chamam de Melgaço, em contraposição a Santa Maria da Porta da Vila de Melgaço, sendo assim nomeada também em documentos, mas o povo das redondezas ainda lhe chama S. Paio de Paderne. A sua igreja, distante da igreja da vila quase três quilómetros, dista menos de um da do Salvador de Paderne.

Convém lembrar que, embora as divisões civis e eclesiásticas se tenham acompanhado, nem sempre se têm correspondido.

Paderne estava na Terra de Valadares, concelho extinto há uns cem anos, que no eclesiástico fora um arcediago com assento na Sé de Tui. Dentro do julgado de Valadares, obedecendo a razões históricas que seria longo expor, formou-se o concelho de Melgaço com fortaleza construída, se não restaurada, por D. Afonso Henriques e foral outorgado pelo mesmo Rei. O perímetro atribuído a Melgaço, que não está demarcado no documento, mas deve ter seus fundamentos na étnica e tradição, abrangeu o território de S. Paio de Paderne e ainda do território de S. Salvador de Paderne o que estava fora dos limites consignados na carta de couto outorgada à abadessa D. Elvira em 1141. De S. Paio de Paderne desmembraram-se duas pequenas freguesias: uma é do Prado cujo germe nos aparece já na doação de D. Urraca em 1071, e a outra é Remoães. A igreja de S. Paio, que só vi uma vez em estudante e cuja traça ao tempo não fixei, era sui generis. Tinha duas naves, uma das quais mais alta e mais larga, separadas por arcarias longitudinais cada uma com seu altar-mor e sua parte principal de estilo românico com arquivoltas. Dizia-se no povo que a nave menor era a antiga paroquial de Prado.

Por acanhada e insuficiente para a vida da paróquia, foi reconstruída pelo falecido P.e Raimundo Prieto, seu último Abade colado já adentro da República, que inconscientemente praticou um crime de lesa-arte, mas teve o bom gosto de conservar um dos pórticos da frente e o melhor de seus altares de estilo renascença.

Que o nome de Paderne vem de um homem e não de uma mulher prova-se nas referências documentais já citadas. Grande parte dos toponímicos vem do nome em genitivo do antigo possuidor. Se o nome de Paderne viesse de uma D. Paterna, os documentos deveriam apresentar esse nome em feminino, que seria Paternae em escrita correcta ou Paterne em grafia menos erudita. Que observamos porém? Todas as citações de Paderne em documentos conhecidos dos séculos XI a XIII apresentam-nos a palavra terminada em i, portanto genitivo do masculino Paternus, o que nos indica ter sido esta região propriedade de qualquer D. Paterno cuja identificação não poderemos conseguir.

Analisemos ainda a tradição que nos diz ser a abadessa D. Elvira filha de D. Paterna viúva do conde de Tui D. Hermenegildo que alguns dizem ser também conde do Porto.

Quanto ao Porto, nos princípios do século XII, era conde de Portucale o nosso D. Henrique, marido de D. Teresa, e, quanto a Tui, também não encontro na História qualquer conde ou fidalgo preponderante com o nome de Hermenegildo. Se recuarmos, porém, dois séculos na História, vamos encontrar diversos condes com esse nome. Um é de facto conde de Tui e de Portucale, achegado à corte real, avô de S. Rosendo de Celanova.

Assistiu em 900 a um concílio em Oviedo juntamente com seu filho Árias, conde de Emínio, e ainda vivia em 914. Outro, neto deste, é D. Hermenegildo Gonçalves, casado com a célebre Mumadona de Guimarães, que faleceu cerca de 950. Um terceiro, contemporâneo deste último, é D. Hermenegildo Aloítis casado com D. Paterna, pais de D. Sisnando, bispo de Iria e S. Tiago de Compostela em cuja diocese fundaram ou pelo menos restauraram o mosteiro de Sobrado que dotaram em 952. Este mosteiro, primitivamente dedicado ao Divino Salvador, era dúplice, com alojamentos para monges de um e de outro sexo. Era estilo da época. Neste mosteiro serviram a Deus os dois fidalgos e seus filhos, o bispo D. Sisnando e o duque (?) D. Rodrigo Mendes casado com D. Elvira Aloítis que foi abadessa do mosteiro.

De também o mosteiro de Paderne ser dúplice nos seus princípios, ser dedicado ao divino Salvador e ter à sua frente em 1141 a abadessa D. Elvira, deveu surgir, em época posterior, a confusão de fazer esta dita abadessa filha de D. Hermenegildo e D. Paterna.

Que D. Elvira, abadessa de Paderne em 1141, não era filha de qualquer Hermenegildo, bem o demonstra o seu apelido patronímico expresso no documento régio que lhe chama Dona Ilvira Sarrazeni. Este apelido Sarrazeni indica-nos que o pai da abadessa Elvira se chamava Sarraceno ou Sarrazim, nome frequente naquele tempo.

 

Obra Histórica I

Padre Manuel António Bernardo Pintor

Edição do Rotary Club de Monção

2005

pp. 27-31