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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

AS ARCARIAS DO TEMPLO

melgaçodomonteàribeira, 22.11.14

Porta lateral da Capela de Nossa Senhora da Orada

 

A CAPELA DA ORADA

 

Já ficou referência a este velho santuário ao falar de Melgaço nos reinados de D. Afonso Henriques e seu filho D. Sancho I.

Julgo oportuno falar dele em especial.

É velha ermida construída pelos monges de Fiães, possivelmente com o fim de prestar assistência religiosa aos cultivadores do herdamento que lhes outorgou D. Afonso Henriques em 24 de Outubro de 1173, que era tudo quanto lhe pertencia «desde a vinha de Melgaço até aos limites de Chaviães a fechar pelo Cótaro e até ao Minho».

Esta ermida foi construída face à velha estrada romana que vinha da orla marítima ao correr do rio Minho, passava junto da vila de Melgaço e seguia para a Galiza pelas proximidades da estrada actual, cortar a raia em S. Gregório.

Frente à ermida da Senhora da Orada havia uma arcaria coberta a que na linguagem vulgar se chama alpendre ou cabido e os eruditos conhecem por galilé, nártex ou átrio.

Da palavra atrio veio a designação de adro para o recinto contíguo aos templos.

A capela da Senhora da Orada é monumento nacional de bela construção românica. Foi restaurada há anos pela Direcção Geral dos Monumentos Nacionais que não quis acreditar na existência desse átrio demolido nos fins do século passado quando se abriu a estrada para S. Gregório, em que se cometeu o crime de derrubar a referida construção fronteira, o que se poderia ter evitado com mais uma curva a somar a tantas que na mesma estrada há.

Frei Agostinho de Santa Maria diz que na vila de Melgaço «vem uma estrada pública que vai para a Galiza e Castela, que passa junto ao átrio e casa da Senhora».

Pinho Leal também menciona a estrada pública que «passando pelo átrio do Santuário se dirige á Galiza».

José Augusto Vieira é mais explícito ao referir-se a «O templo, sob cujas arcarias passa a via pública…».

Não resta dúvida, pois, de que a capela tinha o seu alpendre e por dentro dele passava a velha estrada, que mais não era do que tantos caminhos que há pelas nossas aldeias, embora melhor conservado mercê do imposto de trabalho que recaía sobre o povo (antiga anúduva) para este e outros fins.

Pelas redondezas ainda há pedras desse alpendre.

A Senhora da Orada esteve na dependência do mosteiro de Fiães até à extinção das Ordens Religiosas em 1834.

À Senhora da Orada afluíam clamores de penitência de várias freguesias.

A tal respeito escreveu Frei Agostinho de Santa Maria: «A este Santuário, desde o dia da Ascensão do Senhor até à festa do Espírito Santo, vão em romarias as mais das freguesias da vila de Monção e seu termo, a oferecer o resíduo do círio pascal e acompanha a procissão ao menos uma pessoa de cada casa, com os seus párocos, e isto por voto que antigamente fizeram em tempo de grande peste, de que ficou preservada a mesma vila e as freguesias do seu termo as quais fizeram o referido voto, e também muitas freguesias do termo de Valadares, e todas as do termo de Melgaço vão em procissão à Senhora no mesmo tempo, umas por devoção e muitas por voto».

No primeiro quartel do nosso século (XX) ainda se realizavam os clamores das freguesias mais próximas da vila. Com várias intermitências vieram a terminar durante o segundo quartel deste século.

De todos esses antigos clamores, houve um que ultrapassou o meio século. Foi o de Riba de Mouro, freguesia do antigo concelho de Valadares e agora de Monção.

As freguesias de Melgaço realizavam os seus clamores na Quinta feira de Ascensão, dia santo de guarda e feriado municipal, e Riba de Mouro sempre teimou em ir à Senhora da Orada na Segunda Feira do Espírito Santo com o seu clamor independente, a que se associava muita gente da vila em gesto de simpatia.

No mesmo dia realiza-se em Rouças a festa de Santa Rita, cujo santuário se desenvolveu nos últimos tempos atraindo o povo da vila. Riba de Mouro, terra distante, começou em 1954 a fazer o clamor da Senhora da Orada no Santuário de Santo António de Val-de-Poldros, da mesma freguesia, continuando ainda a promovê-lo, embora em data diferente.

A peste a que se refere Frei Agostinho de Santa Maria deve ser qualquer das epidemias da segunda metade do século XVI.

Três grandes epidemias grassaram em Lisboa e se estenderam ao país inteiro: a de 1568-69 que deu origem à festa da Senhora da Saúde que ainda se realiza em Lisboa com carácter oficial, a de 1579 e a de 1598-99 que de novo se ateou no fim de 1599 e se prolongou até 1602.

De todas a maior foi a primeira e a menor a segunda.

Para se poder fazer uma pequena ideia do que foram essas epidemias, basta saber-se que na última foi montada em Lisboa a Casa de Saúde, ou seja um hospital especial, por onde passaram 20 227 pessoas entre 25 de Julho de 1598 e 8 de Setembro de 1599, das quais se curaram 13 861 e faleceram 6 366. Devemos atender ao que seria Lisboa há perto de 400 anos, sem dúvida muito menos do que agora, e ao facto de muita gente se negar a recolher à Casa de Saúde, para se ajuizar da grande calamidade.

A muitos e diversos santuários, como a Senhora da Peneda e outros, se ficaram a fazer os clamores, alguns dos quais ainda se conservam em tradição.

A Direcção Geral dos Monumentos Nacionais dedicou à Senhora da Orada o nº 19 do seu Boletim, obra menos consistente sob a crítica histórica, podendo ter aproveitado o muito saber do Dr. Augusto César Esteves que teria escrito com melhor acerto.

Que se fará quanto a Fiães e a Paderne?

 

Obra Histórica

Padre Manuel António Bernardo Pintor

Edição do Rotary Club de Monção

2005 

p.p. 156-159