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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

O PATRIOTA

melgaçodomonteàribeira, 29.11.14

Melgaço - Carvalho

 

ANTÓNIO JACINTO DE ARAÚJO AZEVEDO

 

Foi o segundo administrador do morgadio do Campo da Feira de Fora e por muitas facetas se pode ver a sua vida.

Como cidadão e como político, como patriota e como militar se há-de falar aqui deste distinto melgacense.

Sendo alguém pelo seu nascimento, seus pares o ergueram à altura da gente da governança e foi então vereador mais velho e juiz pela ordenação. Depois funcionou por algum tempo como almotacé e qualquer destes cargos eleva muito acima da vulgaridade de quem os serve. De resto durante a vida outros cargos honoríficos desempenhou.

Como político, pertenceu à facção dos miguelistas e quer nas cadeiras camarárias quer na sua casa nunca deixou de mostrar as suas ideias tradicionais com toda a naturalidade.

Por as não esconder ou por se não amoldar aos princípios vintistas perseguido foi pelo general Luís do Rego e sua casa em várias ocasiões foi revistada de alto a baixo por liberais do concelho.

Como patriota, quando em 1801 a França e Espanha renovaram a aliança ofensiva contra Portugal por continuarmos mantendo relações amistosas com a Inglaterra e invadiram o país com diversos corpos de exército, o patriotismo deste português levou-o a agir contra os inimigos da pátria.

Disfarçado em cavador, atravessava o rio Minho em qualquer ponto do nosso concelho e lá pela Galiza ia observar os movimentos das tropas espanholas, os quais logo comunicava em partes secretas ao marquês de La Rossie.

Nas invasões francesas de 1807, 1808 e 1810 acorreu a todos os rebates e para defesa da Pátria forneceu do seu bolso balas e pólvora a quantos lhas pediram. Onde se encontravam, não havia medo. A sua palavra dissipava, como por encanto, os temores e os sustos.

Quando das mãos do Dr. João Caetano Gomes de Abreu Magalhães caiu a espada de militar, o nome deste ilustre melgacense foi votado para exercitar o posto de sargento-mor das ordenanças locais. Confirmada a eleição pela Casa de Bragança e tomada posse do cargo, nunca mais deixou de acamaradar com homens do seu pequeno exército. Daí lhe adveio, a ele acréscimo de consideração e aos tropas um convencimento de terem encontrado um bom amigo no seu superior.

Com precedência de escritura esponsalícia António Jacinto de Araújo Azevedo casou na paroquial igreja de Chaviães em 26 de Agosto de 1797 com sua co-irmã D. Jerónima Luísa de Abreu Araújo Magalhães, filha de D. Jerónima Luísa de Araújo e marido Sebastião Gomes de Magalhães, da Casa de Soengas.

Ao acto assistiram como testemunhas Carlos João e os parentes da Calçada e de S. Julião de Cima Jerónimo José Gomes de Magalhães e Bento Isidoro Gomes de Azevedo.

Da Casa e Quinta de Soengas fizeram os noivos o seu ninho de amores e aí se finaram, ele no dia 9 de Agosto de 1832, depois de ter feito testamento e ela em 12 de Fevereiro de 1841.

Por ele foi chamada à herança toda a filharada, mas se o terço dos seus bens livres ficou pertencendo à filha, os encapelados e os de morgado foram por direito de nascimento para o filho mais velho, António Caetano.

Do acervo de bens de tal família, anote-se, já não faziam parte as terras de pão e vinho, montado e casas da Quinta do Carvalho do Lobo onde os Azevedos nasceram e se criaram, pois tudo isto fora vendido por D. Teresa Joaquina e pelo António Jacinto mais a esposa a João António de Abreu Cunha Araújo Júnior e mulher D. Maria Francisca Moreira da Cunha Rego, da Casa do Rio do Porto pela soma de seiscentos mil reis.

 

O MEU LIVRO DAS GERAÇÕES MELGACENSES

Volume I

Edição da Nora do Autor

Melgaço

1989

pp.554-556

 

AS ARCARIAS DO TEMPLO

melgaçodomonteàribeira, 22.11.14

Porta lateral da Capela de Nossa Senhora da Orada

 

A CAPELA DA ORADA

 

Já ficou referência a este velho santuário ao falar de Melgaço nos reinados de D. Afonso Henriques e seu filho D. Sancho I.

Julgo oportuno falar dele em especial.

É velha ermida construída pelos monges de Fiães, possivelmente com o fim de prestar assistência religiosa aos cultivadores do herdamento que lhes outorgou D. Afonso Henriques em 24 de Outubro de 1173, que era tudo quanto lhe pertencia «desde a vinha de Melgaço até aos limites de Chaviães a fechar pelo Cótaro e até ao Minho».

Esta ermida foi construída face à velha estrada romana que vinha da orla marítima ao correr do rio Minho, passava junto da vila de Melgaço e seguia para a Galiza pelas proximidades da estrada actual, cortar a raia em S. Gregório.

Frente à ermida da Senhora da Orada havia uma arcaria coberta a que na linguagem vulgar se chama alpendre ou cabido e os eruditos conhecem por galilé, nártex ou átrio.

Da palavra atrio veio a designação de adro para o recinto contíguo aos templos.

A capela da Senhora da Orada é monumento nacional de bela construção românica. Foi restaurada há anos pela Direcção Geral dos Monumentos Nacionais que não quis acreditar na existência desse átrio demolido nos fins do século passado quando se abriu a estrada para S. Gregório, em que se cometeu o crime de derrubar a referida construção fronteira, o que se poderia ter evitado com mais uma curva a somar a tantas que na mesma estrada há.

Frei Agostinho de Santa Maria diz que na vila de Melgaço «vem uma estrada pública que vai para a Galiza e Castela, que passa junto ao átrio e casa da Senhora».

Pinho Leal também menciona a estrada pública que «passando pelo átrio do Santuário se dirige á Galiza».

José Augusto Vieira é mais explícito ao referir-se a «O templo, sob cujas arcarias passa a via pública…».

Não resta dúvida, pois, de que a capela tinha o seu alpendre e por dentro dele passava a velha estrada, que mais não era do que tantos caminhos que há pelas nossas aldeias, embora melhor conservado mercê do imposto de trabalho que recaía sobre o povo (antiga anúduva) para este e outros fins.

Pelas redondezas ainda há pedras desse alpendre.

A Senhora da Orada esteve na dependência do mosteiro de Fiães até à extinção das Ordens Religiosas em 1834.

À Senhora da Orada afluíam clamores de penitência de várias freguesias.

A tal respeito escreveu Frei Agostinho de Santa Maria: «A este Santuário, desde o dia da Ascensão do Senhor até à festa do Espírito Santo, vão em romarias as mais das freguesias da vila de Monção e seu termo, a oferecer o resíduo do círio pascal e acompanha a procissão ao menos uma pessoa de cada casa, com os seus párocos, e isto por voto que antigamente fizeram em tempo de grande peste, de que ficou preservada a mesma vila e as freguesias do seu termo as quais fizeram o referido voto, e também muitas freguesias do termo de Valadares, e todas as do termo de Melgaço vão em procissão à Senhora no mesmo tempo, umas por devoção e muitas por voto».

No primeiro quartel do nosso século (XX) ainda se realizavam os clamores das freguesias mais próximas da vila. Com várias intermitências vieram a terminar durante o segundo quartel deste século.

De todos esses antigos clamores, houve um que ultrapassou o meio século. Foi o de Riba de Mouro, freguesia do antigo concelho de Valadares e agora de Monção.

As freguesias de Melgaço realizavam os seus clamores na Quinta feira de Ascensão, dia santo de guarda e feriado municipal, e Riba de Mouro sempre teimou em ir à Senhora da Orada na Segunda Feira do Espírito Santo com o seu clamor independente, a que se associava muita gente da vila em gesto de simpatia.

No mesmo dia realiza-se em Rouças a festa de Santa Rita, cujo santuário se desenvolveu nos últimos tempos atraindo o povo da vila. Riba de Mouro, terra distante, começou em 1954 a fazer o clamor da Senhora da Orada no Santuário de Santo António de Val-de-Poldros, da mesma freguesia, continuando ainda a promovê-lo, embora em data diferente.

A peste a que se refere Frei Agostinho de Santa Maria deve ser qualquer das epidemias da segunda metade do século XVI.

Três grandes epidemias grassaram em Lisboa e se estenderam ao país inteiro: a de 1568-69 que deu origem à festa da Senhora da Saúde que ainda se realiza em Lisboa com carácter oficial, a de 1579 e a de 1598-99 que de novo se ateou no fim de 1599 e se prolongou até 1602.

De todas a maior foi a primeira e a menor a segunda.

Para se poder fazer uma pequena ideia do que foram essas epidemias, basta saber-se que na última foi montada em Lisboa a Casa de Saúde, ou seja um hospital especial, por onde passaram 20 227 pessoas entre 25 de Julho de 1598 e 8 de Setembro de 1599, das quais se curaram 13 861 e faleceram 6 366. Devemos atender ao que seria Lisboa há perto de 400 anos, sem dúvida muito menos do que agora, e ao facto de muita gente se negar a recolher à Casa de Saúde, para se ajuizar da grande calamidade.

A muitos e diversos santuários, como a Senhora da Peneda e outros, se ficaram a fazer os clamores, alguns dos quais ainda se conservam em tradição.

A Direcção Geral dos Monumentos Nacionais dedicou à Senhora da Orada o nº 19 do seu Boletim, obra menos consistente sob a crítica histórica, podendo ter aproveitado o muito saber do Dr. Augusto César Esteves que teria escrito com melhor acerto.

Que se fará quanto a Fiães e a Paderne?

 

Obra Histórica

Padre Manuel António Bernardo Pintor

Edição do Rotary Club de Monção

2005 

p.p. 156-159

 

UMA ALMA BEM MELGACENSE

melgaçodomonteàribeira, 15.11.14

Álvaro Domingues

Foto www.por.ulusiada.pt

 

ÁLVARO DOMINGUES E MELGAÇO

  

O pai foi contrabandista, ele contrabandeia ideias à luz do dia e dos livros, passando-as entre geografia, em que se formou, a arquitectura, a cujos alunos dá aulas, a semiologia, só para citar alguns dos seus territórios de eleição. Pela Rua da Estrada e entre a Vida no Campo, levou-nos a Melgaço, uma terra que, com as suas palavras, se nos mostra como não parece: cosmopolita.

 

Não fomos pela rua da estrada (nacional). O horário era apertado, Melgaço ainda é longe do Porto e, na EN13, seríamos forçados a um pára-arranca. Não por causa do trânsito, mas porque esta via, e outras por aí, atraem de tal forma a atenção do geógrafo Álvaro Domingues que seríamos quase de certeza obrigados a várias paragens por essa cidade em contínuo, cidade-montra onde tudo se vende, que ele conceptualizou no livro A Rua da Estrada. Escolhemos por isso a A28, início de conversa (quase) sem distracções, o mais próximo que há, na Terra, do tele-transporte. E, ainda assim, tínhamos a paisagem, a aproximação ao destino, a fazer-nos curvar a conversa entre o passado e o presente.

A Rua da Estrada tem já uns anos. Em 2012 Álvaro atirou-nos para os olhos Vida no Campo, outro murro no estômago em que digerimos as nossas convicções até às generalidades que nos saciam as conversas de café. Livro a abrir brechas nas habituais oposições conceptuais cidade/campo, rural/urbano. É próprio dele. É como se achasse que ainda estuda no conservador e católico Colégio D. Diogo de Sousa, em Braga, e nos visse a todos como os padres a quem dava cabo do juízo com a sua tendência para quebrar as regras estabelecidas. A diferença é que, em troca, não lhe aplicamos castigos. Lemos, gostamos ou não, e seguimos em frente.

 

Vamos a caminho de Melgaço, insistência nossa, a da Fugas, que por ele ficávamos pelo caminho (pela rua, está visto). A biografia está lá, entre vinhas de alvarinho e os rios Minho e Mouro onde adorava nadar, quando a escola, as vacas ou a mercearia da família não lhe ocupavam o tempo. Já não está lá é a “Guidinha”, camioneta que os levava depois para o ciclo em Monção, num movimento pendular hoje repetido por meninos da aldeia a caminho dos modernos centros escolares. E faltam muitas coisas mais – e pessoas. Melgaço é sítio de emigração, “foi dali que saiu o primeiro Expresso para Paris”, nota o geógrafo, nascido em 1959, que, como muitos conterrâneos, conheceu a capital francesa antes de ter vislumbrado Lisboa.

 

Vamos para o “cu do mundo”, palavras dele para dizer o que outros diriam de Melgaço. Mas Álvaro não tem dúvidas que, nesses bafientos anos 1960, havia mais mundo na mercearia do pai do que nas maiores cidades do país. A loja “era o Facebook da altura”, onde lhe chegavam notícias de França, do território francês da Nova Caledónia, do Canadá, da América e de outras paragens longínquas. Um contraste com o subdesenvolvimento reinante, que lhe gravou na memória a chegada da electricidade e o facto de ter começado a ver TV… em espanhol. Um contraste com as ideias de pitoresco, as discussões “agressivas” sobre as casas de emigrantes, e a questão do gosto, com que “chocou” ao conviver com a chamada cultura erudita dos seus professores e colegas universitários.

 

É por isso que ele nos há-de mostrar, no caminho para Parada do Monte – clara alusão a ponta de descanso de uma via romana –, uma casa na curva da estrada. Chalé que viu erguer-se, até ao estado de pronto e desabitado que agora ostenta; que em 1994 foi capa de uma obra, Maisons de Rêve au Portugal, de Roselyne Villa Nova, Carolina Leite e Isabel Raposo. Casa de sonho que, como milhares de outras por esse país fora, foi remetida para um limbo, longe das construções autorizadas pela erudição, os arquitectos, e sem lugar nos livros sobre arquitectura popular. Um livro onde a única classificação plausível, e difundida pelos média, remetia para a condição de emigrante dos seus donos, com uma carga negativa que nunca se vira usada, por exemplo, para falar dos pardieiros de onde aquelas pessoas haviam fugido.

 

Quem classifica, classifica-se, já dizia, resumidamente, Pierre Bourdier, a quem Domingues pede boleia para a conversa, nesta curva por onde, num minuto passam dois táxis. Não. Não é Lisboa. Apenas a ausência de transportes públicos, que, face ao envelhecimento dos que ficaram, os deixa dependentes destes carros verde e negros para qualquer deslocação. Nós, que já o fotografamos sob um sinal de perigo de aproximação de animais (uma vaca) e esperámos que o sol reencontrasse entre as nuvens um buraco para recortar melhor os campos que desenham a encosta do monte, temos a nossa viatura. E, agora que nada nos prende, partimos para o topo da serra, para ver uma casa que vomita um pedregulho em Castro Laboreiro, antiga sede de um concelho e que na polémica reforma em curso poderá ser unida a Lamas de Mouro.

 

A mulher castreja

 

O planalto de Lamas, porta de entrada mais a norte para o Parque Nacional da Peneda-Gerês (criado em 1971), é lugar imperdível. Álvaro Domingues não precisava de dizê-lo. Com cumeadas acessíveis para os mais afoitos nos passeios, é, graças ao rio Mouro, um sítio cheio de verde, de árvores densas e pastos, numa paisagem que, por aqui, de tanta pedra a esboroar-se nas encostas, parece por vezes lunar. Daqui poderíamos descer até à Senhora da Peneda, onde há um lago secreto em que ele gostava de nadar, mas a carne fala mais alto, e a promessa de pecar perante um prato de um bom naco de vitela barrosã empurra-nos para Castro Laboreiro por uma estrada que o geógrafo viu ser inaugurada, inícios de 1970 talvez, pelo então presidente Américo Thomaz.

 

Nevou por estes dias, lá em cima. Há espelhos de gelo a reflectir o dia luminoso nas fragas e, entre o casario escuro de Castro, uns fiapos de branco, incapazes de se deixarem derreter. Álvaro Domingues vê uma velha castreja, de polainas, e ri-se – lá vem ele outra vez – a lembrar um documentário, que arranca com estas imagens pitorescas, cheias de mulheres de negro, imagem do Portugal profundo (ainda que alto, como é o caso), que nos habituamos a procurar nestas viagens. Chamava-se “Além de nós: mudança na paisagem”, essa reportagem de Anabela de Saint – Maurice, na RTP que, a dado passo, nos mostra Duartina. Mulher regressada para abrir um restaurante na terra natal, após 30 anos de vida na Austrália, destoando em tão antipódica viagem do retrato esperado. Ela, como muitos. Daqui, os pedreiros que trocaram o trabalho nos muros dos socalcos do Douro pela arte da maisonerie de França e outros países tiveram grande sucesso, tendo conseguido, por via disso, dar à geração seguinte condições para irem para as universidades quando no resto do país muitos ainda se ficavam pela quarta classe. O pai de Álvaro, comerciante de dia e contrabandista de noite, dono de pesqueiras no rio Minho, que nos recebera tumultuoso, cheio, à chegada a Melgaço, pensou o mesmo. O miúdo haveria de estudar, que era inteligente e tirava boas notas. As mesmas que o haveriam de salvar de alguns castigos, pelas suas traquinices de adolescente, quando chegou ao liceu. Ele que há quase três décadas trocou as margens do Minho pelas do Douro – que se vê da casa onde vive e da Faculdade de Arquitectura, onde trabalha – fez-se no que é: geógrafo a contrabandear ideias e conceitos entre ciências, a ignorar as fronteiras entre elas e a desafiar os seus guardiões. À luz do dia, que hoje ninguém prende ninguém. Bom, mesmo naqueles outros tempos, o que o pai pagava aos guardas dava-lhe a ele paz, e a eles mais dinheiro que o salário mensal – tinha já recordado o filho Álvaro quando nos mostrara, no lado espanhol, a curva do rio onde tudo acontecia, e em que até lingotes de ouro eram transportados pela calada.

 

O texto anda assim, de trás para a frente e da frente para trás, como a conversa. Agora a olhar de canto para o castro que dá o nome à vila, a recordar já uma carne que soube pela vida, empurrada pelo alvarinho, o vinho da casa. Depois a reparar, já no adro da igreja do mosteiro de Paderne, nas duas palmeiras californianas que, definitivamente – e vamos lá ser preconceituosos –, não casam bem com o estilo românico do templo, com um belo portal do século XIII, mas nas quais Álvaro vislumbra uma estética a puxar para o gótico flamejante. E não saímos de Melgaço sem passar pelo Peso, terra em que o renascimento das termas e do seu parque de árvores frondosas não alastrou ainda aos velhos hotéis de outros tempos, que mantêm o mesmo ar de ruína com que Manoel de Oliveira os filmou em Viagem ao Princípio do Mundo, em 1997.

 

O princípio da nossa viagem é que já vai longe. Temos de ir embora, passar por Viana, que lá chegando haverá barriga para uma bola de Berlim do Zé Natário e, no caminho, sabemos que o nosso guia se perderá na rua da estrada. Dito e feito. Em Valença, fez-nos parar numa loja chinesa que chama atenção pela estátua de sereia na berma, granito fino da região, de mamas fartas, a que ele se agarra para a fotografia final.

 

Jornal Público

23/02/2013

Abel Coentrão

 

O ÚLTIMO SUSPIRO...

melgaçodomonteàribeira, 08.11.14

Cabeçalho do último número

 

AOS NOSSOS PRESADOS ASSIGNANTES

 

   A Espada do Norte, successora do Melgacense vai suspender a sua publicação. Com o presente número completa um anno de vida e, triste é dizel-o, esse curto lapso de tempo em que sempre pugnou pelos interesses d’este concelho, foi assignalado por contrariedades que lhe assoberbaram a vida e que agora determinam a sua suspensão.

   Para quem veja as coisas superficialmente, este facto seria um triste symtoma revellador da decadência intellectual e moral a que se chegou ou de que nunca saiu este concelho.

   Precisamos, pois, desvanecer essa má impressão que por muitos motivos se nos afigura injusta.

   A nossa terra tem elementos de sobra para sustentar um jornal que dê uma ideia dos seus adiantamentos e defenda, quando fôr mister, os seus legítimos interesses.

   Como se explica então a morte do Melgacense e seguidamente a da Espada do Norte?

   Vejamos.

   Quando alguns generosos rapazes, filhos d’aqui, que nas longínquas plagas da América luctam victoriosamente pela vida, tiveram a ideia alevantada de dotar a terra com um jornal que foi o Melgacense, escolheram para seu redactor um cavalheiro competentíssimo, distincto entre os mais distinctos da nossa terra.

   Militando activamente na política com paixão e sinceridade, afigurava-se a este cavalheiro que só a parcialidade política em que se alistara poderia fomentar as prosperidades do paiz. D’ahi um certo interesse ao defender a ideia acalentada com amor e filha da convicção politica de quem peleja com sinceridade.

   Esta atitude não satisfez a todos porque é da ordem do mundo haver as differenças de pensar. Começou então o Melgacense a viver vida attribulada. Passou a novo redactor, e este, com um desinteresse partidário que sobremaneira o honra entendeu que só a mudança de título faria desaparecer certas desintellegencias.

   Chrismou-se então em Espada do Norte. Mas, como tantas vezes acontece, d’onde se esperava a salvação resultou a morte.

   Um sympathico filho d’esta terra que nas terras do Pará segue com olhos d’amor os progressos da mãe-pátria e que entre os seus patrícios e amigos fazia propaganda do jornal de que elle fôra um dos mais enthusiastas iniciadores, não levou a bem a mudança de título porquê como elle dizia, para a colónia portugueza o título Melgacense representava uma carta de família n’aquellas remotas paragens.

   Sem o auxílio e boa vontade de João Pires Teixeira, que não é outro o sympathico patrício a quem fazemos referência, a Espada do Norte viveu um anno mas não pôde continuar.

   Alguém que dá razão às observações de João Pires Teixeira e que, como elle, sente por esta abençoada terra o mesmo carinhoso amor, vae refundir a Espada do Norte no Melgacense que será o seu successor.

   Passando a novo proprietário e nova redacção o Melgacense prosseguirá dos seus antecessores na vontade de ser útil ao concelho e, embora por um processo completamente diverso, nem um momento duvidaremos recommenda-lo aos nossos presados assignantes.

 

                                                                  Pereira d’Araujo

 

OS NOSSOS AGRADECIMENTOS MAIS SINCEROS

melgaçodomonteàribeira, 02.11.14

Melgaço - Largo da Cadeia Velha 

 

Em Novembro de 2007, começámos com o blogue « FOZ DO RIO TRANCOSO 42º 9' 15'' » ; em Março de 2013, por o servidor não nos dar as garantias necessárias para efectuarmos um trabalho pontual, mudámos de plataforma e criámos o blogue « MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA ».

A « FOZ DO RIO TRANCOSO 42º 9' 15'' » teve 70 000 visualizações e « MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA » ultrapassou as 30 000.

Atingimos as 100 000 visualizações !

 

A todos que nos acompanham, os nossos agradecimentos mais sinceros.

 

Melgaço sempre !

 

COROGRAFIA PORTUGUEZA - CASTRO LABOREIRO I

melgaçodomonteàribeira, 01.11.14

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COROGRAFIA PORTUGUEZA, E DESCRIPÇAM TOPOGRAFICA DO FAMOSO REYNO DE PORTUGAL

 

Da Villa de Castro Laboreyro,

 

Duas legoas & meia de Melgaço entre o Nascente, & meio dia está a Villa de Castro Laboreiro, a que vulgarmente chamam Castro. He terra montuosa, & frigidissima de neves, seus ordinários frutos saõ centeio, & pouco milho miudo, muitos gados de toda a casta, as mayores ovelhas Gallegas, & que daõ o melhor burel de todo o Portugal, & assim os melhores lacticínios produzidos dos ferteis pastos de hervagens, que aquelles montes tem no Veraõ, a caça de coelhos, lebres, perdize, javalìs, corças, & veaçaõ de lobos, raposas, martas, touroens, ginetas, & outros bichos he infinita, & em hum pequeno regato grande quantidade de trutas. Naõ tem outras arvores, senaõ poucos, & pequenos carvalhos, bastantes nabos, menos couves Gallegas, frias, & delgadas aguas. Tem os moradores grandes previlegios, ´q lhes concederaõ os nossos Reys em remuneraçaõ dos grandes serviços, que lhes fizeraõ nos tempos das guerras destes Reynos. Governase por Camara de dous Juizes ordinarios, que tambem servem nos Órfãos, dous Vereadores, & Procurador do Concelho, eleiçaõ triennal do povo, & pelouro, a ´q preside o Ouvidor de Barcellos, & dous Tabeliães, ´p servem em tudo. Tem em rocha viva hum inexpugnavel Castello que huns dizem ser obra dos Mouros; outros, que levantandose em Galliza hum Conde chamado Vitiza, Utiza, ou Guicia contra ElRey Dom Affonso o Magno terceiro em numero, mandou conquistallo por Hermenegildo, Conde das Cidades do Porto, & Tuy seu parente, & Mordomo, o qual o venceo, & lho trouxe prezo; pelo que ElRey lhe deu as terras do treydor, & entre ellas a Villa de Lima, aonde depois seu neto S. Rosendo fundou o Mosteiro de Cella-nova: & este monte Laboreiro, em que seu bisneto Dom Sancho Nunes de Barbosa, cunhado delRey Dom Affonso Henriques, fundou este Castello, que se assim foy, seria em opposiçaõ das guerras, que com o Reyno de Leaõ tivemos; mas pelos nomes de Castro, & Laboreiro, que derivados do Latim querem dizer, Castello trabalhoso, ou que esstá em terra trabalhosa, como esta o he para o trato humano, me parece ser do tempo dos Romanos; & que seja mais antiga que ElRey Dom Affonso Henriques naõ ha duvida, pois ele o conquistou com hun duro cerco, com se vé de huma doaçaõ do Couto de Paderne, que deixamos dito naquelle Mosteiro: por onde o atribuirse esta fabrica a ElRey Dom Diniz, seria mais reedificaçaõ, que edificio. Consta de huma Torre, que pouco antes que os paysanos o entregassem aos Gallegos, voou com o incendio, que hum rayo causou, dando no armazem da polvora, que sempre o Ceo ameaça as ultimas ruinas com sinaes antecedentes à nossa prevençaõ, & tem huma muralha tosca com duas portas, hua para o Poente, pela qual mal se póde ir a Cavallo, & outra para o Norte, por onde mal póde huma pessoa ir a pé; vinte homens bastaõ para o defenderem de grandes exercitos, mas he quasi incapaz de habitarse. Tiro de arcabuz para o Norte está a Villa em sitio plano, que terá sessenta visinhos, da qual he senhor o Duque de Bragança, que dá os officios; tem o Termo huma Freguesia, que he a seguinte.

 

 Santa Maria de Castro,

fermosa Igreja, foi Vigairaria annexa à Matriz de Ponte de Lima, passou a Abbadia dos Bispos de Tuy, quando o eraõ tambem destas terras, trocou-as por outras o Bispo Dom Joaõ Fernandes de Sotomayor com ElRey Dom Diniz no anno de 1308. & hoje he Commenda da Ordem de Christo, & Reitoria com quarenta mil reis, ao todo cento & vinte mil reis, & ordenado para Coadjutor, & para a Commenda duzentos & cincoenta mil reis, tudo data dos Duques: tem duzentos & vinte visinhos, de que se fórma huma Companhia muy alentada. Entre mais Ermidas que tem, há huma de Nossa Senhora de Anamaõ, Imagem milagrosa, que está em hum valle junto da raya, metida em huns grandes penhascos, onde foy achada no buraco, ´qa natureza obrou em hum monstruoso penedo; dizem a trouxeraõ por vezes há Igreja, mas que outras tantas se tornou, causa de alli lhe fazerem Ermida. Na chaã taõ dilatada, que terá cinco, ou seis legoas de circunferencia, nasce o pequeno rio, em que se criaõ as trutas, no qual há huma pequena ponte que chamaõ Pedrinha, fabrica de Mouros. Quando himos do Porto dos Asnos, ou Cavalleiros, passamos outro limitado ribeiro, pelo qual foy a pé o Santo Arcebispo Dom Frey Bertholameu dos Martyres a visitar aquella Igreja; tem virtude esta agua para curar a boca lixosa às crianças, & outras enfermidades: então disse que tarde tornaria alli outro Arcebispo; assim foy; porque suposto o intentou Dom Sebastiaõ de Matos & Noronha, naõ o conseguio, & só em nossos tempos o fez o Eminentíssimo Cardeal Dom Verissimo de Lancastro, nosso Inquisidor Real, quando era Arcebispo de Braga. Para prova da frieldade da terra baste, que o vinho se congela no Inverno de modo, que para a Missa he necessario aquetallo, do ´q se tivera noticia naõ se admirára o Aragonés Vitrian nas notas a Felippe de Comines, tom. I. capit. 42. de o cortarem com escoupro, & martello junto a Lieja no exercito de Carlos o Bravo Duque de Borgonha no anno de 1468. porque como Aragaõ he terra quente, parecialhe que todo o mundo assim devia ser.

 

  1. Antonio Carvalho da Costa

Na officina de VALENTIM DA COSTA DESLANDES

Impressor de Sua Magestade, & à sua custa impresso.

Com todas as licenças necessarias. Anno M. DCC. VI.

 

Retirado de: http://books.google.pt