ERA UMA VEZ UMA IGREJA
Melgaço - Quinta do Poço de Santiago
SÃO FAGUNDO
A primeira notícia da igreja de S. Fagundo encontra-se em um documento do cartulário de Fiães outorgado em Junho de 1246, na arbitragem de um litígio entre o mosteiro de Fiães e a igreja de Chaviães, em que interveio como árbitro João Joanes pároco de S. Fagundo e procurador de Santa Maria da Porta juntamente com Rodrigo Mendes, padre de Chaviães.
Vem esta igreja mencionada nas inquirições de D. Afonso III, de 1258, a par com as de Santa Maria da Porta e Santa Maria do Campo, sem qualquer referência em pormenor.
Em 1320 foram os rendimentos avaliados em 30 libras, como os de Santa Maria do Campo, o que a situava em posição baixa ao lado das outras.
No Igrejário de D. Diogo de Sousa, princípios do século XVI, vem mencionada como benefício de livre atribuição de arcebispo e já sem cura, isto é, já não tinham cura de almas, ou melhor, já não era paróquia.
Qualquer leitor dado a estes estudos encontra nos livros antigos S. Facundo, mas eu prefiro a grafia evoluída S. Fagundo.
O falecido Dr. Augusto César Esteves achou referência à igreja de S. Fagundo até ao ano de 1619.
O mesmo criterioso investigador das antiguidades melgacenses diz que a Fonte da Vila se chamou em tempos antigos Fonte de S. Fagundo, o que nos indica ter ficado nas proximidades a sua igreja.
Mais ainda: segundo elementos por mim fornecidos, aceitou a mudança da invocação da referida igreja para Sant’Iago, de que achou referências no ano de 1733. A velha igreja paroquial, já sem cura de almas na entrada do século XVI, deve ter sido reduzida à condição de simples capela, como aconteceu com a antiga paroquial da Santa Comba de Felgueiras, primeiro anexa a Paderne e depois incorporada em Penso, e uma outra de S. Vicente, ali em Alvaredo contra o rio Minho.
O Concílio de Trento deu aos Prelados das dioceses faculdades para anexar ou extinguir as paróquias cuja subsistência era demasiado precária ou para fundar novas paróquias onde fossem precisas, e daí terá vindo a extinção da de S. Fagundo.
A mudança do título tem a sua explicação e não é caso único. Aconteceu também com outras, como por exemplo com a padroeira de Chaviães que era Santa Seguinha e passou para Santa Maria Madalena.
O fundamento da mudança de S. Fagundo para Sant’Iago é o seguinte:
Sabe o leitor que há vários santos com o mesmo nome, dois apóstolos são Sant’Iago, o maior e o menor. Mais conhecido por nós é o que se festeja em 25 de Julho, que em Compostela tem antiquíssimo culto, visitado por peregrinos das maiores categorias sociais e de terras distantes desde recuados tempos. É o Sant’Iago de Longe, como dizem os velhos.
Há um outro Sant’Iago, chamado Interciso, que a Liturgia recorda em 27 de Novembro, dia também dedicado a S. Fagundo. Como ambos os Santos são comemorados no mesmo dia, e S. Fagundo deixou de ser festejado na categoria de padroeiro da freguesia, porque ela tinha desaparecido, veio a sobrepor-se o culto, a Sant’Iago, Interciso.
Isto tem uma explicação e o leitor deve querer saber qual seja, por isso eu vou expô-la:
Nos princípios do século XII, o arcebispo de Braga, D. Maurício, conseguiu trazer de Roma para a sua catedral o corpo de Sant’Iago Interciso, mártir da Pérsia do tempo das perseguições aos cristãos.
No tempo do arcebispo D. Agostinho de Jesus realizou-se em Braga um sínodo, ou seja um concílio diocesano, em 1606, com início a 18 de Outubro. Entre outras actividades do sínodo, teve lugar em 27 desse mês a transladação das relíquias de Sant’Iago Interciso para melhor jazida. Este facto provocou o revigoramento do culto do referido Santo cujas relíquias até então permaneciam na sacristia da catedral desconhecidas do público.
O seu culto estendeu-se a toda a diocese sobrepondo-se ao de S. Fagundo que assim foi esquecido em Melgaço com a vinda da memória do novo Santo, novo no culto dos fiéis.
Sobrepondo-se, no mesmo dia, à comemoração de S. Fagundo, absorveu a denominação da sua igreja e com o seu nome ficaram conhecidas as antigas terras ou passais, de S. Fagundo, conhecidas ainda nos nossos dias por campos de Sant’Iago, ali nas proximidades da nova escola primária da vila.
O Dr. Augusto César Esteves, na obra já citada, escreveu: «A alguns passos dos fossos pertinho da fortaleza, no caminho aquingostado para os Chãos, a vila ainda hoje situa o Poço de S. Tiago. No local onde se fez, há meia dúzia de anos, uma casa de campo, erguia-se uma igreja pequena, chamada pelo povo capela de São Tiago.»
Quanto à meia dúzia de anos, lembro que o livro do Dr. Esteves tem a data de 1952.
Julgo ficarmos a saber com aproximação onde era a Igreja de S. Fagundo.
Não repare o leitor por eu escrever Sant’Iago. Em latim é Sanctus Iácob. Em correcta filologia Iacob dá em português Iago. Outros escrevem como eu, e eu como eles.
Obra Histórica
Padre Manuel António Bernardo Pintor
Edição do Rotary Club de Monção
2005
pp. 84-86