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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

O GUARDA BRINCALHÃO

melgaçodomonteàribeira, 26.04.14

 

Antigo posto da extinta Guarda Fiscal, São Gregório

 

 

Junto à fronteira havia um posto da Guarda Fiscal. Um dos soldados, considerado o mais brincalhão dos brincalhões, um certo dia chegou a casa cabisbaixo. A esposa, habituada a vê-lo sempre alegre, pergunta-lhe: «Querido marido, por que estás assim?» «Ó mulher, então não sabes? A filha de sicrano vai casar no domingo e não nos convidaram para a boda!» «Ó homem, não te importunes por causa disso; não nos falta comida em casa.» «Isso é verdade, mas a festa… nós vamos!» Gizou um plano de mestre, a mulher entrou no jogo, e ei-los no domingo a caminho de casa dos pais da noiva, onde decorria o banquete. À cerimónia religiosa não estavam interessados em assistir. As horas passam. O cortejo nupcial finalmente chega. O casal estava atentíssimo. Aguarda que os convidados se sentem à farta mesa e comecem a devorar a vitela, os cabritos, o bom presunto, o arroz de lampreia, etc. O guarda vira-se para a mulher e diz-lhe: «Chegou a hora. Não falhes. Foste sempre uma óptima actriz.» A esposa, encorajada por aquele piropo, avança resolutamente. Entra pelo casamento dentro aos gritos de «quem me acode; o meu marido quer matar-me, salvem-me por amor de Deus.» Aqueles dentes pararam de mastigar. As mulheres rodearam a senhora, prometendo defendê-la com a própria vida, se necessário fosse. A falsa vítima rejubilava. O plano estava a funcionar. Sentou-se à beira delas e dali a pouco já estava a encher a barriguinha. Subitamente surge o malandrete aos berros, cabelos desgrenhados… «Onde está essa maldita? Eu mato-a!» Os homens aproximam-se dele, pedem-lhe para se acalmar, era um dia importante para aquela família, ele que se sentasse, comesse e bebesse até toupar. Adorou ouvir essas palavras. Era música angelical para o seu estômago vazio. Acalmou, deu um jeito ao cabelo, sentou-se à beira dos comilões e ei-lo a regalar-se com todos aqueles manjares. Dali a pouco já ria, contava anedotas picantes, e tudo acabou no melhor dos mundos. À noite, quando chegam a casa, diz à cara-metade: «Fomos ou não fomos à boda? E sem dar prenda!» A mulher, bem bebida, exclama: «Tu és um génio, meu amor!»

 

Dicionário Enciclopédico de Melgaço II

Joaquim A. Rocha

Edição do autor

2010

Pp. 22, 23

 

MIÑO OU MINHO, O NOSSO RIO

melgaçodomonteàribeira, 12.04.14

 

Rio Minho em Melgaço

 

 

RIO MIÑO OU MINHO

 

 

O Rio Miño ou Minho era conhecido na antiguidade pelos nomes de Minius ou Baenis e seria, segundo Estrabão o maior rio da Lusitânia (Estrabão, filósofo e geólogo grego, que teria vivido no tempo de Cristo, autor da Geographia, enciclopédia de saber geográfico, cujo livro III é dedicado à Ibéria), embora hoje se considere que o rio Baenis seria mais provavelmente o Rio Neiva que desagua no Oceano Atlântico 8 Kms a Sul de Viana do Castelo.

As águas do Rio Miño ou Minho teriam características medicinais e Francisco da Fonseca Henriques, nascido em Mirandela em 1665 e médico de D. João V no seu Aquilégio Medicinal, livro em que se dá notícia das agoas de caldas, de fontes, rios, poços, lagoas e cisternas do Reyno de Portugal, escreveu acerca delas: são as suas agoas boas para matar as lombrigas e para preservar de que se gerem; e para beberem os galicados: por haver nas ribeiras quãtidade de vermelhaõ, em que há parte de azougue…, sendo galicado alguém atacado pela sífilis ou doença venérea, vermelhão, sulfato de mercúrio pulverizado ou cinabre de cor vermelha, e azougue, mercúrio.

Zacuto (astrónomo, matemático e historiador, nascido em 1450 e que serviu D. João II) disse: as agoas do Minho saõ boas para dourar os cabellos e para tingir a lã, e todo o género de panos.

O Rio Minho ou Miño passa nas áreas mais chuvosas do Norte de Espanha: Maciço Galaico, e entre os Montes de Leon e a Cordilheira Cantábrica. Na Meseta de Lugo flui a uma altitude entre 450 e 650 metros.

É interrompido pelas Barragens de Belesar, Os Peares, Velle, Castrelo e Frieira.

São célebres, a montante de Valença, as suas quedas ou rápidos denominadas localmente de Ranhas.

Segundo alguns autores o Rio Miño ou Minho nasce a Norte de Lugo, Espanha, na Serra de Meira, mais precisamente em Pedregal de Irimia, Concelho de Meira, a uma altitude de 695 metros.

Para outros a sua nascente estaria na Laguna de Fonmiña, Concelho de A Pastoriza onde estas águas se aliariam, em movimentações mais ou menos subterrâneas, às da junção do Rio Meira com o Rio Longo.

Os Concelhos de Meira e de A Pastoriza reclamam ambos a sua paternidade e, para acalmar os ânimos num esforço conciliatório louvável diz-se agora, eufemísticamente, que o Rio Miño ou Minho tem a sua Nascente Natural ou Fonte Primária no Concelho de Meira, e a sua Nascente Histórica no de A Pastoriza.

Neste Rio, bem recheado de lendas e figuras mitológicas, que os Romanos consideravam embruxado (julgando mesmo que por detrás da sua Foz se esconderia no nevoeiro o Fim da Terra, Finis Terra), abundavam hechicheras, feiticeiras ou magas habitantes do rio, xarcos, seres escondidos em poços e hombres pez, homens peixe, que tanto podiam viver no rio como fora dele.

Entre Arbo, Espanha, povoação que se situa frente à de Peso (Melgaço), Portugal, um pouco a jusante do ponto em que o Rio Minho ou Miño inicia o seu percurso internacional, avisava-se a quem por ali transitasse deveria levar uma pedra na boca para não falar, senão as magas e as feiticeiras criar-lhe-iam problemas, método que, aliás, com o sem mangas, hechiceras, hombres pez ou qualquer outro ser sobrenatural, é o mais utilizado em todas as ditaduras para criador de consensos.

 

 

Retirado de: Rios Ibéricos Internacionais

                      

                     www.riosibericos.com

 

A CAPELA DEMOLIDA

melgaçodomonteàribeira, 05.04.14

 

 

A CAPELA DE SANTO ANTÓNIO

 

SITA NO CAMPO DA FEIRA DE DENTRO

 

FUNDAÇÃO

 

 

   A capela de Santo António, sita no Campo da Feira de Dentro, é obra da Confraria da Misericórdia e foi o seu provedor Pêro de Castro, o alcaide-mor de Melgaço, para sempre caído na infausta batalha de Alcácer Kibir, quem ali fez abrir os caboucos, como se infere do seguinte assento por outros deixado no Livro dos Provedores:

   «O Licenciado Gil Gonçalves Leitão juiz de fora que foi nesta vila e provedor que foi nesta casa fez acabar a ermida de Santo António de paredes que havia muitos anos que estava começada por ordem de Pêro de Castro, alcaide-mor desta vila».

   Como se alcança também desta memória escrita no ano de 1597, este juiz de fora, inacabada deixou a ermida quando da terra foi transferido por nela ter cessado as suas funções oficiais.

   Foi a mesa presidida pelo Licenciado António de Távora, outro provedor e outro juiz de fora, quem acabou as obras da ermida e nela fez cantar a primeira missa em 27 de Março de 1600, como desenvolvidamente se escreveu em Melgaço e as Invasões Francesas.

 

OS ALMOCREVES E A CONFRARIA DO SANTO

 

   Os mercadores de Melgaço eram então abastecidos de fazendas e de outras várias mercadorias pelas praças de Braga e de Guimarães dum modo mais saliente e neste negócio de traz e leva empregavam-se algumas dezenas de almocreves.

   Profissão como qualquer outra, esta marcava na terra pela rópia de uns tantos e pelo número elevado de servidores.

   Ora por obrigações hoje desconhecidas, mas contraídas anteriormente a esta data, os almocreves, como corpo moral, tinham-se comprometido com a Câmara não só a tomar parte nas festas religiosas em que os vereadores intervinham, como a do Corpo de Deus, a do Anjo e outras, mas também a representar nas respectivas procissões um jogo ou pantomina, conhecida então por fazer os diabretes ou fazer o diabo.

   Até hoje nenhum documento apareceu a desvendar a sua organização na terra; mas como em Vila Real de Trás os Montes sobre a mesma classe dos almocreves pesava igual obrigação de fazerem os diabretes, a pantomina devia aqui cifrar-se no mesmo: - umas tantas figuras, vestidas exoticamente, mas com simbolismo religioso a exaltar qualquer passo da religião; no fundo, uma fábrica de perenes gargalhadas e de constantes dichotes escarninhos do povo.

   Seja, porém, como foi; esta exibição pelas ruas da vila devia ser molesta à laboriosa classe dos burriqueiros de São Martinho, porquanto eles preferiram muitas vezes pagar multas mais ou menos pesadas a comparecer nas procissões, onde de contínuo eram alvo de gracejos e de chufas do povo.

   Ora o licenciado António de Távora, juiz de fora, e como tal presidente da Câmara, sendo provedor da Santa Casa aproveitou a animosidade dos almocreves em fazer os diabretes e conseguir comutar-lhes esse jogo numa confraria do glorioso Santo, instituída na referida capela, com a obrigação de duas missas rezadas cada mês.

 

DEMOLIÇÃO DA CAPELA

 

   O arrefecimento da devoção a este santo taumaturgo veio com o rodar dos tempos e a consequência do facto foi o desinteresse de todos pela capela. Em 1773 ameaçava ruína e por isso «dentro dela se anda rectificando e se lhe faz um grande acrescentamento» disse o P.e Manuel da Ribeira, abade da vila.

   No ano confrarístico de 1842-1843 gastou a Misericórdia mais de duas dezenas de escudos na compre de barrotes para o telhado desta capelinha e conserto do mesmo.

   Nos princípios de 1854 estava «em partes completamente arruinada e até próxima a ir a terra».

   No ano de 1867 foi assinada pela Câmara a sua demolição.

   Ora com o demolimento da capelinha de Santo António nasceram a regularidade, as proporções e a tal ou qual harmonia da nossa sala de visitas, antigo Largo do Comércio e actual Praça da República.

 

Obras Completas

Augusto César Esteves

Volume I  tomo 2

Edição Câmara Municipal de Melgaço

2002

pp. 454, 455, 463, 466