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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

O ANTIGAMENTE

melgaçodomonteàribeira, 28.12.13

 

Procissão em Melgaço - foto da revista da CMM

 

 

O ANTIGAMENTE

 

   A vida das pessoas, individual ou colectivamente reunidas em nações, sempre esteve sujeita a altos e baixos. Países houve, ao longo da história, que atingiram o apogeu e sofreram decadência ao ponto de se extinguirem.

   O nosso Portugal, tanto ou mais que outros, experimentou esses solavancos ao longo da sua existência. A actual geração mais velha, e é a maioria, dizem os cronistas, tomou conhecimento desses altos e baixos do nosso país, já na infância na escola primária. Ora, se é uma sequência na existência das criaturas e das instituições, porque reclamar? Vamos trabalhar!

   Na minha infância, anos trinta do século passado, tomei conhecimento da grandeza do império ao mesmo tempo que ouvia dos mais velhos as agruras que passaram logo após a abolição da monarquia e muito mais durante a primeira república, quando, contavam, havia greves todos os dias, atentados à bomba nas cidades, uma tremenda carestia que era cantada nas modinhas populares… Naquela fase como na actual, o motivo das crises sempre se deveu à desonestidade, vaidade ou ignorância dos que eram guindados a administrar o país, por indicação ou por esperteza. Inventaram o termo democracia com a consequente eleição popular dos administradores, mas deu na mesma: só se elegem os espertalhões com extraordinária capacidade de mentir.

   Houve um 28 de Maio que pôs termo aquele excesso de liberdade transformada em anarquia. O povo suportou com resignação as dificuldades que lhe foram impostas e o país se organizou e prosperou como nação. Cada cidadão se virou como pôde procurando melhorar sua existência e alguns progrediram. Aqueles que não conseguiram ou não souberam superar a miséria, aceitaram a situação em troca da bonança em que se vivia.

   A recuperação dos países sempre foi mais fácil após um conflito armado ou cataclismo que após as más administrações. Depois das guerras, os povos se enchiam de patriotismo e trabalhavam sem se incriminarem mutuamente. Já nas crises governativas vive-se procurando culpados instigando-se uns aos outros sem pensar em procurar um modo de viver honestamente de seu labor. Em Melgaço, naqueles anos trinta, a vida corria mansa, pois cada pessoa se situou na sua condição. Havia os ricos, sim, senhores, até milionários, os remediados, os pobres e os mendigos. Havia liberdade de pensamento e até de expressá-lo, desde que não ofendesse ou pusesse em perigo o governo. Eram conhecidos os descontentes com o Estado Novo. Intelectuais que nunca foram perseguidos, pois apenas manifestavam ideias, jamais representaram perigo ao Estado, ao contrário dos ditos comunistas com intenções bélicas, propagandistas dum estado de vida que acabou malogrado, e estes eram cruelmente reprimidos. Quando da pseudo eleição onde o candidato da oposição foi o general Norton de Matos, em Melgaço circularam prospectos da oposição encabeçada pelo Dr. Augusto César Esteves, funcionário estatal, que diziam: “Nós, os democratas somos mais e melhores”. Os ditos democratas não sofreram qualquer represália.

   Mas voltando às categorias sociais: nos anos quarenta, devido ao conflito mundial, quando não se conseguia emigrar, a população de Melgaço aumentou muito e os miseráveis em maior número. Não havia trabalho para muitos e então, a mendicidade, que sempre existiu, transformou-se em profissão. Em contraste gritante havia a população que sobrevivia em escandalosa abastança em função do contrabando que corria farto e solto, e das termas do Peso superlotadas de ricos aquistas; e os miseráveis sem eira nem beira e os idosos que recorriam à mendicância. Diariamente na vila havia uma chusma de pedintes que vinham de todas as aldeias e até de fora do concelho empanando o bucolismo e o sossego dos moradores. Era uma romaria de pedintes batendo à porta das casas pedindo: “uma esmolinha pelo amor de Deus.” Os moradores sempre tinham separadas algumas moedas de um e dois tostões (10 e 20 centavos de escudo), mas não dava para tantos; então esgotada a verba vinha a resposta: “Deus o favoreça.” Os mendigos profissionais, alguns, malandros que não precisavam, reclamavam quando não eram atendidos: “ainda o hei-de chuçar na cova.”

   O número quase superava o de moradores da vila, daí que o presidente da Câmara, Dr. João Durães, baixou uma determinação: só era permitido pedir esmola às sextas-feiras e os mendigos cadastrados para terminar com os pedintes vigaristas. Terminada a guerra, a emigração para França foi em catadupas e de lá passou a ir para Portugal o produto do trabalho. A mendicância decresceu e quando da implantação do socialismo, acabou. A nação passou a viver gostosa fase de opulência que inevitavelmente está dando lugar a nova fase de vacas magras. Mas vai passar! É só ter paciência e aguardar a próxima fase de abundância, trabalhando, naturalmente, e na próxima geração. Amém.

 

 

   Rio, Julho de 2012

 

                                                                                                                                                                                   M. Igrejas

 

Publicado em: A Voz de Melgaço

 

UMA ASSOCIAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA

melgaçodomonteàribeira, 21.12.13

 

Orquestra dos Bombeiros Voluntários de Melgaço

 

 

ASSOCIAÇÃO ARTÍSTICA MELGACENSE

 

 

Lê-se no Correio de Melgaço: « No passado domingo, 19/10/1913, reuniram-se vários elementos das classes trabalhadoras desta Vila, resolvendo entre si lançar as bases de uma sociedade musical, dramática, instrutiva e beneficente, com sede nesta Vila, que se denominará Associação Artística Melgacense. Nessa reunião foi nomeada uma comissão, a qual ficou com poderes para agregar a si pessoas que julgue necessárias para levar avante a organização da nova sociedade. Hoje (26/10/1913) deve ter lugar nova reunião em que a comissão apresentará os seus trabalhos, podendo comparecer todos os indivíduos que desejem inscrever-se como sócios fundadores. Oxalá as classes trabalhadoras de Melgaço possam ver em breve realizadas as suas aspirações. Da nossa parte temos de louvar a bela ideia de dotar a nossa terra com uma Associação onde os artistas (sapateiros, alfaiates, serralheiros, barbeiros, etc.) possam agrupar-se, defender os seus interesses e regalias, tendo em vista “um por todos, e todos por um” ».

 

No Correio de Melgaço, nº 82, de 11/1/1914, lê-se: « promovido por uma comissão de sócios, realizou-se, no dia 6, na sede desta sociedade, à Rua Teófilo Braga, um baile dedicado às famílias dos sócios, o qual decorreu na melhor ordem, dançando-se animadamente até às duas da madrugada. Nos intervalos foram recitados alguns monólogos e organizaram-se diversas diversões, danças populares, que conservam a assistência em constante hilaridade. As salas achavam-se lindamente ornamentadas com heras, fetos e flores, produzindo agradável efeito. Parabéns aos promotores ».

 

Na Orada, Santa Maria da Porta, faleceu, a 1/3/1952, o padre Manuel José Domingues, segundo alguns o fundador da Associação Artística Melgacense « pela qual muito se bateu, e que outros não saberiam aguentar ». (Notícias de Melgaço, nº 1016, de 9/3/1952).

 

 

Dicionário Enciclopédico de Melgaço II

Joaquim A. Rocha

Edição do autor

2010

pp. 34,35

  

PESQUEIRAS DO RIO MINHO

melgaçodomonteàribeira, 14.12.13

 

 

Ao dedicarmos este trabalho às pesqueiras do rio Minho, fomos sobretudo motivados pela divulgação de um valioso acervo de construções populares existentes na margem esquerda do curso transfronteiriço e ainda utilizadas para se armarem artes de pesca. Em tal objectivo compreendia-se, em primeiro lugar, o estudo da valia histórica deste Património, abordagem centrada essencialmente na análise da evolução do respectivo regime de propriedade e exploração. Começámos por recorrer aos trabalhos de alguns investigadores da história das comunidades ribeirinhas da margem esquerda, em que se salientam o P.e Bernardo Pintor e o Dr. César Esteves. Às suas pesquisas ficamos a dever o conhecimento das primeiras referências a pesqueiras em documentos medievais sobre doações, datando as mais antigas do séc. XI. Cedo nos demos conta de que a propriedade das pesqueiras, de início, foi essencialmente monástica e, por consequência, recorremos aos Arquivos em que se encontra depositado o espólio documental proveniente dos mosteiros de Longos Vales, Paderne e Fiães. Não fomos exaustivos nesta fase do nosso trabalho. Temos consciência de que muito ficou por pesquisar, particularmente no que respeita aos séculos XIII e XIV. Do mesmo modo, o domínio das pesqueiras por outros senhorios, como o da Sereníssima Casa do Infantado, não foi objecto da nossa análise julgando embora ser uma área de investigação a não descurar em futuros trabalhos sobre o tema. Optámos, assim, por proceder a uma amostragem escolhendo três fases principais da evolução histórica na titularidade da posse das pesqueiras: a do início da concentração senhorial, a da desamortização liberal e a da co-propriedade em regime de herdeiros. Tratando-se de um trabalho visando a divulgação, procurámos, balizados pelo fundo mais geral da evolução da sociedade portuguesa, descrever, previamente, a conjuntura política que preexistiu às mudanças. Apesar disso, julgamos que a nossa abordagem à história da propriedade das pesqueiras poderá também vir a interessar investigadores universitários para futuros desenvolvimentos. A Ribeira Minho carece de estudos de síntese como de carácter analítico sobre a sua memória colectiva!

 

As pesqueiras do rio Minho

 

Antero Leite

 

COREMA – Associação de Defesa do Património

 

Caminha

 

1999

 

Edição com apoio financeiro da

ADRIMINHO e PROGRAMA LEADER II

 

Comparticipação financeira da

 

Câmara Municipal de Monção

Câmara Municipal de Melgaço

 

A LENDA DO FREI TECLA

melgaçodomonteàribeira, 07.12.13

 

Ruínas do convento de Fiães

 

 

UMA LENDA EM “O SÉCULO”

 

 

   Passa O Século por ser um grande jornal orientador da opinião pública e precisamente por a afirmação estar baseada na verdade, não pode nem deve dar guarida nas suas colunas a invencionices destituídas do mais pequeno fundo de veracidade, de mais a mais quando pelo assunto escolhido só podem concorrer pelo descrédito das terras, da religião de Cristo ou de uma família honesta e respeitável. Neste caso está uma das lendas publicadas no seu último Concurso – a lenda do Frei Tecla, que acabam de mostrar-me. Visto merecer correctivo quem tão levianamente a escreveu, já não deixo esta mesa de trabalho sem lhe manifestar, leitores, a minha repulsa. Ora se o Convento da Senhora da Conceição, começado a levantar pelos frades capuchos nos subúrbios da vila e na segunda metade do século XVIII, nunca passou de uma casa pobre e dos pobres, pois inacabada estava a sua própria igreja aquando da extinção dos frades; se durante as invasões francesas nenhuma pessoa de tal gente pisou terras de Melgaço ou o nosso povo fugiu de suas casas – visto está faltar veracidade na encenação teatral do Tecla frade ambicioso, ladrão e assassino. Embora fronteiriço à nossa vila de Caminha se levante o monte galego de Santa Tecla, o Tecla de Melgaço nem foi galego nem foi frade. Foi português e chamou-se António Bernardo Gomes da Cunha. Nasceu na vila, e era filho de Isabel Ventura de Sousa e de António Bernardo Gomes, um dos tabliães do público, judicial e notas, a cujo ofício prestou fiança em Janeiro de 1783.

   Ora em meados desse ano o referido seu filho, António Bernardo, foi nomeado sacristão da Santa Casa local e assim se conservou aí até 1792, ano em que despediu do cargo por « se mudar para o Couto de Fiães com ocupação de professor régio ». Quanto tempo ensinou meninos, não sei; mas no vetusto convento de Santa Maria de Fiães se processaram em 1798 uns pequenos autos para seus pais lhe fazerem o património e dele consta este requerimento

 

« Rev.mo Sr. Vigário Geral

 

   Diz o reverendo António Bernardo Gomes da Cunha, paroquiano deste couto de Santa Maria de Fiães que ele suplicante se acha com licença para exercer as suas ordens, no qual exercício quer continuar; como também quer lhe conceda licença para confessar homens; por nele concorrerem os requisitos necessários – Pede a V. R.ma M R Sr. Vigário Geral se digne conceder-lhe licença para uma e outra coisa.

 

E. R. M. »

 

   Como também se data de Fiães este despacho a deferir: « Concedemos licença ao suplicante para dizer missa e confessar homens, por tempo, digo, enquanto não mandarmos o contrário. Dada em Fiães hoje, 17 de Agosto de 1801 ».

 

Frei João de Sá

                                                           Provisor

 

Ora em 1802 os mesários da Misericórdia local fizeram seu confrade o P.e António Bernardo, mas no concelho outro vestígio dele não se encontra senão em 1810, ano em que aparece a paroquiar a freguesia de Santa Tecla de Basto, a uns dois quilómetros da sede do concelho de Celorico de Basto e, como homem de boas contas, a pagar certa dívida ao capitão mor da vila e termo de Melgaço, feito herdeiro de António Lourenço dos Reis, argentário de Golães e tio da mulher do fidalgo.

   Ora o Tecla visado na tal lenda de O Século está aqui e à vista de todos. E como este clérigo foi um dos padres liberais que em 1837 principiou por comprar a Quinta de Cavaleiros aos frades bernardos de Fiães, e acabou por adquirir nos subúrbios da vila o edifício do Convento dos Capuchos e sua cerca; como foi padre que poucos meses depois saiu de Santa Tecla de Basto e foi mandado pastorear São Paio, a cujo múnus a morte o arrancou a 14 de Fevereiro de 1857, vá dos terceiros franciscanos e seus apaniguados o apanharem morto e o insultarem fazendo……. frade galego, ambicioso, ladrão e assassino – eles que, em vida do padre, nunca lograram êxito nos descabidos manejos de expansão da sua igreja à custa do arrematado ao Estado.

   O seu funeral com a assistência de mais de 33 clérigos de missa e de tudo quanto na terra havia de representável deve bastar ao articulista de O Século para não voltar a babujar ou a enxovalhar a memória deste melgacense, pois de todos bem merece respeito e consideração quem tão honrado foi pelos conterrâneos ao deixar a vida terrena; quem el-rei D. João VI por esta forma distinguiu num alvará de 2 de Outubro de 1818: « que na Santa Igreja Catedral do Porto arme Cavaleiro a António Bernardo Gomes da Cunha, Abade de Santa Tecla de Basto, a quem Mando lançar o Hábito da dita Ordem » e a quem D. Maria II assim tratou numa carta de 22 de Março de 1852:

   « Faço saber que tendo atenção às qualidades e virtudes do abade de São Paio de Melgaço, António Bernardo Gomes da Cunha, Cavaleiro da Ordem de Cristo, e aos bons serviços por ele prestados à Igreja e ao Estado, hei por bem, em remuneração de todos eles, fazer-lhe mercê de o nomear Comendador da mesma Ordem. »

   E fiquemos por aqui, que já basta para lição educativa.

 

Publicado em Notícias de Melgaço de 25/6/1961

 

Obras Completas

Augusto César Esteves

Volume I  tomo 2

Edição Câmara Municipal de Melgaço

2002

pp. 649-651