O CASTELO DE MELGAÇO NO TEMPO – SÉC XII
O CASTELO MEDIEVAL
O primeiro documento a referir a povoação de Melgaço, integrante da Terra de Valadares, na tenência de Soeiro Aires, é a sua carta de foral, que lhe foi passada por Afonso I de Portugal (1143-1185) em 1183, garantindo aos seus habitantes, por solicitação dos próprios, privilégios semelhantes aos que gozavam os do feudo galego de Ribadavia.
Guerra, Luís Figueiredo da (1926) informa que D. Pedro Pires, prior do mosteiro agostiniano de Longos Vales em Monção, irmão do arcebispo da Arquidiocese de Braga, D. Maurício Pires, por ordem de D. Afonso Henriques, fundou em 1190 (sic; outros autores referem a data de 1170) a torre de menagem de Melgaço e a sua cidadela.
Como recompensa, o seu filho e sucessor, Sancho I de Portugal (1184-1211) em visita a Melgaço em 1191 (sic), recompensou-o com o couto do seu mosteiro.
Em nossos dias, Brochado de Almeida endossa essa informação, com base na carta de couto concedida pelo soberano ao Mosteiro de Longos Vales, mas que a moderna crítica, apesar de algumas incertezas, tende a colocar no ano de 1199. Nela se refere que o rei coutava o dito mosteiro de “S. João de Longavares juntamente com o herdeiro D. Afonso II e os restantes filhos e filhas em remição dos seus pecados e pello amor de Deus, pella torre que Dom Pêro Periz, prior do dito mosteiro com seus frades nos fés em Melgaço” (Doc. D. Sancho I, doc. 334), (Almeida, 2002:49-50).
A partir de então, a vila fronteiriça progrediu com rapidez, de tal forma que o primitivo castelo estaria concluído já no início do século XIII, dividindo-se os autores entre os anos de 1205 e 1212, ano em que, juntamente com outras praças vizinhas, fez frente à invasão das forças do reino de Leão (1211-1212) no contexto da disputa entre Afonso II de Portugal (1211-1223) e suas irmãs. Este soberano confirmou o foral de Melgaço em 1219. Contribuíram para esta campanha construtiva, além dos próprios habitantes e do apoio real, os recursos dos Mosteiros de Longos Vales e do Mosteiro de Fiães. Acerca do abade deste último, um dito popular à época afirmava: “Nestes reinos ninguém, depois do rei, era mais rico que o D. Abade de Fiães”. (Almeida, 2002:19)
A primeira referência à existência de um sistema defensivo envolvente em Melgaço encontra-se num documento de 13 de Abril de 1205, no qual “o arcediago da Terra de Valadares, D. Garcia Nunes, juntamente com André Garcia faziam um acordo com o abade de Fiães relativo à posse da igreja que se edificava junto à porta da mesma vila”. Dessa leitura se depreende que a cerca já estava em construção, nomeadamente o troço a leste, voltado às actuais praça da República e rua Hermenegildo Solheiro, já contando com uma porta. Iniciada à época de D. Sancho I, os seus trabalhos foram quase concomitantes com o levantamento da torre de menagem, logo após a conclusão dos cubelos.
A invasão leonesa (1211-1212) deixou danificados o castelo e a parte da muralha que se encontrava já feita (Pintor, 1975).
Sob o reinado de Sancho II de Portugal (1223-1248), a partir de 1245 iniciou-se uma segunda etapa de fortificação da vila, que corresponde ao pano sul. Neste ano, um documento regista o acordo entre o abade João de Fiães, os juízes João Pires de Caveiras e Miguel Fernandes e o concelho de Melgaço por cujos termos o abade se comprometia a construir 18 barças (cerca de33 metros) do muro e a reparar esse troço sempre que ele caísse, a expensas dos frades, obedecendo ao modelo que fosse escolhido pelo concelho; o abade tinha ainda a obrigação de erguer uma torre, possivelmente no castelo. Em contrapartida, tinha a obrigação de indicar um cavaleiro fidalgo, natural do reino e de boa reputação, para ser investido como alcaide.
Afonso III de Portugal (1248-1279) ao conceder à vila, em 1258, um terceiro foral, determinou que o alcaide fosse de nomeação régia e que não poderia ser negada a entrada ao nobre encarregado da governação da Terra de Valadares, disposições que não agradaram à população uma vez que essas disposições vinham alterar uma deliberação de Afonso Henriques. Diante dos protestos, o soberano revogou o foral novo e restaurou o de D. Afonso Henriques com ligeiras modificações de carácter económico. Ao ordenar a conclusão da obra da cerca à custa de erário régio, tem lugar a terceira e última etapa construtiva da defesa da vila, e que corresponde a todo o pano oriental e setentrional. Esses trabalhos estariam concluídos já no reinado de Dinis I de Portugal (1279-1325). Aqui se rasga a chamada “Porta de Baixo”, e se encontra uma inscrição epigráfica, em caracteres unciais, com data de 1301 (1263 da era cristã) onde se registam as entidades do responsável pelos trabalhos, o alcaide Martinho Gonçalves, e o seu construtor, o Mestre de Pedraria Fernando. Desde1261 aautoridade militar do castelo passara para o alcaide, e a manutenção e a guarda do mesmo para a responsabilidade dos homens-bons do burgo. Sob o reinado de D. Dinis, os moradores de São Salvador de Sabadim, no julgado de Valdevez, informaram aos inquiridores que haviam ido em anúduva a Melgaço. Registe-se que, à época, iam em anúduva a Melgaço ainda as povoações de São Tiago de Penso, Santa Comba de Felgueiras, São João de Sá, Santa Eulália de Sá, São Pedro de Mou, Riba de Mouro, Come de Rodami, São Julião de Badim, São Martinho de Alvaredo e o Mosteiro de São Salvador de Paderne, todas do julgado de Valadares.
Em 1361 o trânsito entre Portugal e a Galiza deveria ser feito, obrigatoriamente, por Melgaço, dado revelador da sua importância, à época.
Fernando I de Portugal (1367-1383) também contribuiu para a defesa de Melgaço, como registado na crónica de Fernão Lopes “(…) e isso mandouhos de muros e torre e cavas darredor”. Este fosso não era conhecido até à intervenção arqueológica levada a cabo na praça da República em nossos dias.
Segundo Brochado de Almeida, “tudo aponta para que, completo o circuito defensivo do burgo de Melgaço, este fosse provido de uma barbacã (…) construída junto da muralha, sobre os rochedos previamente aplanados para se poder fazer um caminho que levasse até às portas de acesso ao castelo e à vila (…). Tecnicamente pode-se defender que em Melgaço havia duas barbacãs: a do castelo e a da vila. A mais antiga é contemporânea da construção do castelo, mas a inclusão do burgo no plano defensivo do lugar havia de inutilizar uma parte do seu traçado e a alterar o seu circuito inicial”. A segunda, que contornava a cerca da vila, já se encontrava muito danificada na época de Duarte de Armas e actualmente apenas subsiste um troço a norte.
A alcaidaria-mor de Melgaço, durante a primeira dinastia esteve em mãos dos Gomes de Abreu, pois Lourenço Gomes de Abreu, embaixador de Afonso IV de Portugal (1325-1357) no reino de Aragão, foi alcaide-mor de Melgaço e de Laboreiro e o seu filho, Vasco Gomes de Abreu, ao tempo de Pedro I de Portugal (1357-1367) obteve também a alcaidaria de Lapela tendo, no reinado de D. Fernando I concluído as obras defensivas da foz do rio Gadanha.
No contexto da crise (1383-1385), a vila e seu castelo seguiram a tendência do norte do país, mantendo o partido de Beatriz de Portugal. Em Março de 1388 reedificou-se uma torre, abrindo duas janelas no último piso convertido em habitação, e reforçou-se o seu sistema defensivo. Em Julho do mesmo ano foi assediada por forças portuguesas sob o comando de João I de Portugal (1385-1433), tendo o seu governador, o alcaide castelhano Álvaro Pais de Sotto Mayor, auxiliado por Diogo Preto Eximeno, se defendido denodadamente por 52 dias, ao fim dos quais veio a cair. O soberano, agastado com a tenaz resistência da praça, não lhe concedeu as honras da guerra. Gil Bordão, criado particular do soberano, e que tomou parte nos assaltos, recordou em seu testamento os excessos cometidos à época e, para se penitenciar, legou os seus bens à malataria (lazareto) que fundara na vila de Monção, de onde era natural. Nesta operação uma das primeiras medidas que o soberano tomou foi mandar atulhar o fosso que circundava exteriormente a alguns metros da barbacã a vila e o castelo, pelo menos do lado nascente. Após a conquista, o soberano entregou a sua alcaidaria a João Rodrigues de Sá, o “Sá das Galés”, seu camareiro-mor. Posteriormente Diogo Gonçalves de Castro obteve de D. João I os governos de Melgaço e de Laboreiro, que continuou nos Castros, de Fornelos.
Em 1391, devido à localização da vila no extremo norte do reino, despovoada e bastante arruinadas as suas defesas, o soberano concedeu-lhe regalias aos feirantes.
No reinado de Afonso V de Portugal (1438-1481) o alcaide-mor de Melgaço e de Laboreiro, Martinho de Castro, sob queixa de agravar os moradores daqueles lugares foi chamado à Corte, e não mais voltou a exercer esses cargos. (O autor refere a data de 1449 para este episódio embora a propósito do Castelo de Laboreiro, o refira como tendo ocorrido em 1441). Em 1460 o soberano doou os castelos de Melgaço e Laboreiro ao marquês de Vila Viçosa, filho do duque de Bragança.
Sob o reinado de João II de Portugal (1481-1495) foi erguida uma couraça, estrutura com a função de garantir a aproximação segura a um ponto de abastecimento de água. Destacada da barbacã, era rematada por uma torre semicircular, com porta a sul, para defender a entrada leste da vila e resguardar um poço importante para o abastecimento da praça. Duarte de Armas, que a representa na sua obra, descreve-a como “Couraça nova” sem que tenha sido possível documentar a anterior. Ela sofreu modificações no século XVII, conforme identificado nas modernas escavações arqueológicas.
Em 1492 Melgaço era um dos cinco únicos lugares da fronteira portuguesa facultados para ingresso dos judeus expulsos de Espanha (sefarditas).
No século XVI foi construído um novo remate na torre, com matacães e ameias como pode ser apreciado na representação de Duarte de Armas.
Sob o reinado de Manuel I de Portugal (1495-1521), as alcaidarias de Melgaço e Castro Laboreiro estavam a cargo de Lopes Gomes de Abreu que, por ordem régia, fez bastantes obras nas fortificações desta região (1500). Neste período as defesas da vila e seu castelo encontram-se figuradas por Duarte de Armas (“Livro das Fortalezas”, c. 1509).
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