Os Vaz, nados e criados em áspera serra, em má hora, foram mandados para o seminário de Braga.
Findo o curso sacerdotal, para que bem cedo mostraram não terem nascido, conseguiram anichar-se no Paço Episcopal e por lá ficaram largos anos.
Eram três irmãos, parecidos, fisicamente; moral e intelectualmente, iguais. Neste último aspecto, um pouco, muito pouco, acima do zero, como seus actos vieram a esclarecer e aqui se demonstra.
O Senhor Arcebispo de então, pessoa notabilíssima era de avançadíssima idade.
Como sempre acontece em semelhantes circunstâncias, acreditava nas falsas blandícias dos manos.
Pelo menos, um deles ficava, em todos os momentos, de plantão a Sua Excelência Reverendíssima… não viesse acontecer qualquer mal…
Com sua audácia, que era aos montes, foram conseguindo os melhores e mais pingues lugares. Isto causava verdadeira estupefacção a todos que bem os conheciam…
O bondoso purpurado, velhinho, faleceu.
Seu ilustre sucessor, sabendo do que se passava – era notório -, como se lhe impunha, modificou as coisas, que é como quem diz, principiou a fazer justiça. Breve, esses homens, arrancando a máscara, se mostraram tal qual são.
Rebentou a guerra indecorosa que lhe moveram. É do conhecimento geral.
Desalojados do Paço, fixaram a Sede da Sociedade «Vaz», por eles constituída, no Largo da Senhora-a-Branca da cidade de Braga. Feridos na barriga, por lá se quedaram a fazer das suas…
Um dos primeiros sensacionais destemperos foi a «tomada» do quinzenário A Voz de Melgaço fundado por um sincero católico, o respeitabilíssimo e respeitado médico Dr. Júlio Esteves, que os associara.
O médico não tardou em conhecer o íntimo desses homens, fugindo, alarmado, de semelhante companhia. Para isso, não hesitou em deixar-lhes o periódico, apesar dos notáveis prejuízos económicos resultantes.
Seguidamente, em tristíssimo e desconexo escrito, cometido pelo mais audacioso dos Vaz, foi o Dr. Esteves injuriado.
Isto passou-se em 1950.
Tão descabida e ingratona atitude deu causa a processo crime contra o autor da nojeira do escrito.
Tive que ser advogado do ofendido, como tudo expliquei no meu livro Denúncia Caluniosa, a págs. 66 e seguintes.
O exercício dessa minha actividade profissional deu causa a ter nascido nos esterquilínios, que são os corações dessa gente, autêntico ódio contra mim.
O último dos meus livros a referida Denuncia Caluniosa, foi publicado em 1957. Nele se mostra a intervenção dessa gente na roncorosa campanha contra mim e a sua qualidade.
Tanto assim que, querido condiscípulo meu, famoso advogado da cidade do Porto, depois da sua leitura, produziu o seguinte comentário. «os padres ficaram merdificados».
Não obstante, continuaram a bolsar ódio, a evacuar o seu veneno, contra várias e respeitáveis pessoas nos seus descontrolados escritos publicados na sua folha, que, para eterna vergonha do concelho, se intitula Voz de Melgaço.
São inúmeras as pessoas grave e injustamente agredidas, a partir do seu próprio superior hierárquico, para o que violaram julgamento solene de obediência prestado.
Efectivamente, têm difamado honestíssimas senhoras casadas, para atingir seus maridos; caluniado funcionários públicos e sacerdotes respeitáveis, persistente, canalha, indecorosamente.
E a sua malvadez é tão cega, tão empedernido seu coração – se o têm -, que chegaram à extrema ignomínia e ímpar baixeza de injuriar e difamar exemplares pessoas falecidas para ferir seus filhos, maridos ou outros familiares.
Dessa baixeza, que nunca se pode perdoar, fui vítima, como se verá.
Antes de mim, além de outras pessoas, já tinha sucedido isso ao Dr. Augusto Esteves. Para o magoar, consentiram a publicação no seu pasquim de escrito de paranóico, em que se procurava ofender a memória de sua Esposa e Filhinha, as Senhoras Dona Esmeralda Esteves e menina Belarmina Cândida Esteves, esta falecida em 1936 com 20 anos de idade! Eram Senhoras estimadas por toda a gente, dadas as suas raras qualidades e virtudes. Os seus funerais foram grandes manifestações de pesar de todos os habitantes do concelho, mormente o da filha, por ser pouco mais do que criança quando foi ceifada pela morte.
Essa nojenta canalhice – feita num jornal de padres!!! - deu causa a uma extensa carta daquele Dr. Esteves, publicada no Notícias de Melgaço de 1 de Outubro de 1961.
É muito longa, ocupando a maior parte do jornal, pelo que a não podemos publicar aqui toda, o que se lamenta. Vamos transcrever alguns esclarecedores passos. É endereçada ao Padre Júlio Hilarião Vaz. Principia assim:
«Embora eu ande, há muito, com a vista doente e já me custe a enxergar a miséria moral, que sem os mais pequenos reparos do respectivo arcipreste (1) por aqui se estadeia à vista de todo um concelho, não me tem escapado o bocadinho de peçonha que a sua sotaina, ó padre, nunca soube esconder na Voz.»
Ainda:
(…) já que a dignidade do sacerdócio se aviltou a ponto de nenhum sentir vergonha na cara ao permitirem o insulto soez a uma senhora e a uma menina virtuosas que Deus me levou para o Além, donde se não volta e que nesta terra onde toda a gente se conhece e sabe quanto valem vivos e mortos, os insultadores respeitosamente cumprimentaram e sinceramente louvaram suas virtudes, não é justo ó Padre Hilarião, que eu surja nesta tribuna com um tagante?»
Relativamente àquele Júlio fala:
«No seu vingativo coração.»
Depois, referindo-se ao jornal:
«… onde se não vêem páginas de moral, mas onde algo sobra, porque sobra a manifestação de ódios vesgos e há a mais louvores tributados a uma trindade vulgar (os irmãos) sem qualquer recomendação especial a distinguir.»
E:
«Essa folha assim tão à mercê das simpatias ou antipatias pessoais do sei director organizada, só nos pode levar e conduzir à falta de confiança na acção dos bispos e à descrença na religião de Cristo.»
Também, referindo-se ao autor do escrito em apreciação:
«È um farrapo sujo e como tal o tenho eu. Os meus irmãos em Cristo, Padre Júlio Hilarião e seus tristíssimos irmãos, são já outra coisa; desde que tanto se rebaixaram procederem como procederam, aquele escrevendo e todos consentindo, pouco melhores podem ser, se é que não são piores por não terem um curso literário e serem ministros de um Deus todo perdões.»
Basta de transcrições. As feitas são eloquentes.
Findo os vários processos contra mim, incluindo o de abuso de liberdade de imprensa, resultante dos meus referidos livros, de que fui absolvido por distintos e íntegros Juízes, que nesse tempo também havia, voltou a paz. Era tempo, dado que tinha decorrido pouco menos de uma década de constantes lutas.
Os meus inimigos, perfeitamente esmagados, silenciaram.
Apenas o Senhor Júlio da Voz quis refilar. Logo o obrigamos a silenciar.
Aqueles a quem era possível, procuraram bater em retirada. Pediram transferência para longes terras, onde não chegassem os ecos da sua vergonhosa intervenção na mera campanha contra mim, em que alinharam, como se viu.
Isso sucedeu com Mário Marques Maduro, tesoureiro da Fazenda Pública; José Cunha, secretário de finanças e Carlos Luís da Rocha, notário.
O último apesar de ser de cá natural e aqui pensar fazer a sua vida, acompanhou os outros comparsas.
Ao saber da determinação desses indivíduos, procurei dar a notícia em jornais. Impossível, pois a implacável censura nunca o consentiu.
Em 18 de Agosto de 1957, no Notícias nº 1 252, publiquei um artigo patrioteiro, intitulado «Já fogem! Já fogem!» (2). Toda a gente alcançou a intenção… menos os da censura. Foram anjinhos…
Tudo principiara para mim por ódio, sem causo, de um incrível agente do Ministério Público interino, como disse nas minhas publicações. Fora nomeado para esse melindroso cargo depois de ter saído de casa de saúde. É verdadeiramente inconcebível que a pessoa assim fosse dado lugar de tanto melindre e responsabilidade. Era, segundo ele afirmava, sobrinho de um bispo… Maus os tempos então decorrentes!... Ainda os processos contra mim corriam termos quando tal delegado foi transferido para Lisboa, ocupar cargo ainda mais alto dentro da Magistratura do Ministério Público!!!
Coisas… que então podiam suceder!...
O «órgão» dos Padres Vaz deu a notícia, com rasgado panegírico do «ilustríssimo Magistrado»…
Não chegou, porém, e apesar de tudo, a aquecer o novo lugar.
Foram obrigados a mandá-lo para Serpa metamorfoseado em conservador do R. Civil.
Acerca dele o jornal República, de 30 de Janeiro de 1965, apágina 13, publicou esta notícia:
«Estranha atitude de um Conservador do Registo Civil. Serpa: De quando em vez, as terras da província, com as suas intensas relações consanguíneas, os seus feudos e festivais coloridos, são sacudidos na sua simetria bíblica, pela agitação que certos casos provocam. É o caso, por exemplo, provocado pelo Conservador do Registo Civil desta vila, Dr. Octávio Medeiros, que, há dias, quando passava por um dos corredores do edifício onde presta serviço, agrediu a soco um infeliz cego, que foi salvo da prepotência do agressor graças à oportuna intervenção de pessoas que acorreram aos seus gritos. Outras atitudes «ventripotentes» e insólitas são atribuídas ao ilustre Conservador do Registo Civil, congeminados de conflitos verbais nem sempre próprios da ética dos bons costumes, da posição do cargo e, até, da educação recebida e de necessária prática.»
Não sabemos onde este homem pára, se não faleceu já, como chegou a constar. Se tal sucedeu, que Deus lhe perdoe, se for possível.
Nos meus anteriores livros, outros prometi escrever.
Em virtude dos absorventes serviços oficiais e também de advocacia, a que sempre me dediquei entusiasticamente, fez-se-me impossível cumprir. Acabo de ser aposentado. Também, infelizmente, por imposição médica, não posso advogar. Esta profissão, apesar de, em boa medida, estar na base dos maus bocados que tive que passar, deixou-me grande saudade.
Dois males: idade e doença, fizeram com que fique com todo o tempo ao meu dispôr.
É de notar que sempre consegui alguns momentos para escrever para a República. Fui colaborador deste grande e famoso jornal desde os meus bons e saudosos tempos de estudante. Até à morte do meu querido amigo Carvalhão Duarte, seu ilustre Director e sempre que ele mo solicitava, nunca deixei de enviar a minha modesta colaboração. Esta era publicada sempre que o activo lápis censório a não cortava.
A nefasta censura era de particular severidade para com a República, diga-se a talho de foice.
Por Carvalhão Duarte senti sempre a mais subida consideração, dada a firmeza dos seus ideais, ser dotado de forte personalidade e possuidor de raro e inquebrantável espírito de lutador.
Também colaborei no Notícias de Melgaço. As chicotadas que neste periódico desferi a esses ditos padres tornavam-se-lhes mais dolorosas, visto ser lido, no seu meio por toda a gente.
O objecto do presente livro, que espero seja o primeiro de série a publicar, desde que a precária saúde mo permita, é a reunião de alguns daqueles meus escritos. Dado o plano estabelecido, cabe aqui um pequeno número deles. A amostra que segue bastará para se apreciar o carácter dessa gente, a sua frivolidade, megalomania e rapacidade.
São tais homens – ó Céus! – ministros de Cristo, todo perdão, amor e bondade! Perante isto, temos que recitar estes maravilhosos versos do genial Guerra Junqueiro:
«Nem sei dizer qual é mais sacrossanto exemplo,
Se o Cristo quando chama a si os pequeninos,
Se, quando incendiado em ímpetos divinos,
Expulsa e azorraga os vendilhões do templo.»
(1) O arcipreste era o Padre Carlos Vaz, irmão do Júlio, pouco depois substituído no cargo.
(2) Termina assim: os que se batem ardorosamente e sem desânimo por causas justas, esmagam, agora ou logo, inimigos muito mais numerosos e os põem em debandada. As causas justas estão sempre destinadas ao êxito, desde que se saiba lutar por elas.
PADRES INCRÍVEIS
Autor: José Joaquim de Abreu
Edição: do autor?
Composição: Centro Gráfico
Vila Nova de Famalicão
1976