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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

PRESUNTOS DE MELGAÇO NO SÉCULO XV

melgaçodomonteàribeira, 06.08.13

 

Chamusca do porco

 

 

EM TORNO DO TERMO MARRÃ

 

                                                                             Por José Marques*

 

 

    Tem havido algumas posições discordantes em torno do sentido a dar ao termo marrã, quando surge na documentação medieval, a propósito do pagamento de rendas ou outros débitos, pagamentos, ou em geral, feitos a prazo certo, podendo-se mesmo ouvir, com alguma frequência, que o termo em questão é sinónimo de leitão/leitoa ou, se estiver no plural, de leitões ou porcos pequenos, bem como dos respectivos femininos.

    O dicionário da Porto Editora regista três significados do termo marrã: – «bácora que já deixou de mamar; toucinho fresco»; e também o de provincianismo para significar «corcunda».

    Para o caso em discussão, interessam apenas os dois primeiros, mas é preciso adequá-los convenientemente aos textos em que se integram.

    Temos defendido e ensinado que, quando se trata de pagamentos de rendas ou foros, o termo marrã tem de se interpretar no sentido de «carne de porco» – conceito que, à frente, será mais especificado – e não no de leitões ou porcos pequenos. Repetimos que, embora admitindo a possibilidade de o termo marrã(s), temos ensinado que nos pagamentos de foros e rendas, não se deve tomar como sinónimo de porco vivo – a não ser que isso esteja claramente expresso, como acontece em diversos forais medievos, que empregam a palavra porco – pois, no caso em estudo, do que na realidade se trata é simplesmente de carne de porco fumada, correspondendo ao que vulgarmente se designa pelo termo presunto.

 

(…) É, sem dúvida, neste sentido que se devem entender as três marrãs ou presuntos que, segundo o foral concedido a Melgaço, em 3 de Novembro de 1513, D. Manuel e os sucessores deviam receber por casais reguengos dispersos pelas freguesias de Rouças e de Chaviães.

     No Alto Minho, então como hoje, não se conservava a carne «no sal», mas sim curada e fumada. A comprovar o que acabamos de afirmar, basta aduzir o contrato de arrendamento das rendas do Mosteiro de Fiães, relativas ao ano económico iniciado no S. João de 1483 e a terminar na véspera da mesma festa do ano seguinte (1484), feito em 9 de Abril de 1483, pelo comendatário, D. Frei Justo Baldino, bispo de Ceuta, ao abade de Rouças, Álvaro Gonçalves, e ao padre Fernando Domingues, ambos moradores na vila de Melgaço, pelas quais deveriam pagar vinte e um mil reais brancos da moeda corrente «e mais huua duzea de maraans secas e curadas e dezoito lampreias secas». Marrãs secas e curadas são o mesmo que os presuntos, que, depois de estarem nove ou dez dias inteiramente cobertos de sal, dele foram «levantadas» ou retiradas, ficando, de seguida, expostas ao fumo, até secarem. A propósito, note-se que a qualidade final do produto dependia e depende de vários factores: tipo de alimentação dos porcos, processo de salga, tempo de exposição ao fumo e qualidade da lenha queimada durante a fumagem.

    Perante a argumentação atrás exposta, nos casos de pagamentos de tributo régios ou outros, não é possível continuar a considerar o termo marrã exclusivamente e de forma unívoca, como sinónimo de porco pequeno ou leitão; antes pelo contrário, pelo menos para a zona Norte, deveremos tomar esse termo como sinónimo de carne de porco, e, mais concretamente como presunto; e, só quando a documentação o disser de forma explícita, é que deverá ser tomado como sinónimo de leitão ou de porco crescido. Recorde-se que o foral manuelino de Monção distingue perfeitamente «leitões» de «toucinhos» e «marrãs». (…)

 

 

Porto, 17–6–96

 

*Professor Doutor Cónego José Marques

 (Not. Edit.)

 

Retirado de: REVISTA DA FACULDADE DE LETRAS

                    II Série

                    Vol. XIII   

                    Porto

                    1996

 

 

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