CASTRO NUM FILME GALEGO
Lugar de Teso
VIAGEM AO PRINCÍPIO DO MUNDO: CASTRO LABOREIRO
Sabela Fernández
Conta a hidrografia a todos aqueles que gostam de ler mapas com veias azuis, que as águas do rio Laboreiro venham desembocar no rio Lima, o Lethes grego ou o Leteu: o famoso rio do olvido que denominárom os romanos. Parafraseando livremente Ernesto Vázquez Souza, acho que qualquer viagem como galegos e galegas deveria conduzir-nos sempre aí, a atrevermo-nos a cruzar o rio do esquecimento e situarmo-nos sempre “à outra beira do Leteu”.
Trespassar a raia da desmemória estabelecida e cruzar para a outra beira do Leteu para procurarmos a nossa história e a nossa língua, esquecida deliberadamente por alguns, é o que a Gentalha do Pichel e as suas comissons venham fazendo desde há anos na quarta, quinta e sexta-feira, também. Mas como a língua também trabalha em domingo, umha expediçom picheleira em outubro vermelho, foi vista no Google maps das serras da Peneda e Laboreiro, atravessando o túnel do tempo e cruzando, se nom o Leteu, sim o seu afluente pequeno, o Laboreiro. Objectivo: remontar a épocas nom fronteiriças entre Entrimo e Castro Laboreiro quando a Galiza chegava até ao Mondego e o castelo de Sam Rosendo ainda nom entendia de Estados e marcos.
Além de tempos pretéritos medievais, o planalto de Castro Laboreiro esconde, só para aqueles que o queiram achar, um dos conjuntos megalíticos mais importantes da Europa, um Carnac galaico com mais de 110 mamoas e dólmenes: nom é um acaso, pois, que o cineasta Manuel de Oliveira intitulasse o seu filme realizado quase íntegro nos lugarejos de Castro Laboreiro e protagonizado por Marcelo Mastroianni: “Viagem ao princípio do mundo”.
E quanto a nós, no que diz respeito à nossa iniciática viagem pola história e pola antropologia de Castro Laboreiro, impossível já falar das suas aldeias, sem mais. Os excecionais povoamentos serranos de Castro – as brandas e as inverneiras – levam implícita umha distinçom semântica que é de obrigado cumprimento assinalar. Que a gente de Castro tivesse um sistema de moradia alternada ao longo do ano é algo que as palavras “branda” e “inverneira”, com as suas raízes lexicais, nos podem explicar, para assim entendermos, de vez, o carácter sazonal e rotatório que estas aldeias tinham para os seus moradores. As brandas, localizadas nos enclaves mais altos da montanha, eram aldeias frescas de verão (bram) e serviam para colheitar cereais e ter o gado a pastar em ricos lameiros. Em contraste, as inverneiras estavam para se refugiar no inverno nas zonas baixas do vale. Estes assentamentos de baixura e altura que semeiam a serra como megalitos modernos, constituem umha espécie de necrópole que algum dia um arqueólogo do futuro estudará: a maioria som hoje em dia aldeias fantasmas, outrora testemunhas privilegiadas do singular fenómeno da “muda”, das batidas aos fugidos e dos contrabandos de mercadorias após a nossa Guerra incivil.
Umha guerra que levou, entre outros, o deputado galeguista Afonso Rios disfarçado de esmoleiro Sinhor Afránio a fugir precisamente por estas montanhas e ocultar-se na inverneira da Ameijoeira, que ele confundiu como galega por nom perceber diferença de sotaque galego nos camponeses dali. Menos mal que nessa guerra ratoeira a alguns ainda lhes ficou um bocadinho Portugal. Mas isso já é outro filme, e nesta terra chega com o realizador finlandês Aki Kaurismaki, habitante transumante da inverneira do Bico.
Toda esta viagem ao início do nosso mundo galaico e galego temperado com bacalhau com broa e uivada por lobos e latidos duns cans únicos em toda Ibéria nom teria tido graça se nom tivesse sido explicada por Américo Rodrigues, o nosso particular Leonardo da Crasto, homem do renascimento, entusiasta divulgador da história, da arqueologia, dos cans da raça laboreiro e, com certeza, homem galego da Gallaecia; engraçadamente, o primeiro da sua turma de português quando estudante estava na escola em Braga.
Retirado de:
A Revista
Suplemento do Novas da Galiza
Nº 51 Novembro de 2012