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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

ACHEGA À HISTÓRIA DE PADERNE

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

ESTELA SEPULCRAL ARCAICA DO ALTO-MINHO

 

    Junto da Igreja de Paderne, aldeia do concelho de Melgaço, existia há annos uma notavel pedra lusitano-romana, com uma inscripção e figuras esculturadas, a qual fazia parte do lagedo granitico do adro, e estava pois sendo constantemente profanada e maltratada por quem lhe passava em cima. Por diligencias do meu amigo o Dr. Antonio José de Pinho Júnior, advogado em Monção, e moço illustrado a quem os estudos de archeologia e ethnografia locaes merecem particulares estima, a pedra occupa hoje logar de honra no Museu Ethnologico Português: SECÇÃO LAPIDAR – MINHO.

    Tem de altura 1m,61; de espessura 0m,16; de largura 0m,50. É pois uma estela. Com quanto lhe falte já a extremidade superior, póde esta lapide considerar-se dividida na superfície anterior em quatro segmentos.

    O segmento superior, que, como digo, está incompleto, parece que representa um busto acephalo; duas mãos sustentam adiante do peito, em alto relevo, um objecto indeterminavel, mas muito provavelmente vaso.

    O segundo segmento é constituído por um nicho, encurvado em cima. Nelle se vêem, em baixo-relevo, duas toscas figuras, com feições desiguaes, de pé, sem nada na cabeça, – uma, a da direita, apparentemente do sexo masculino, vestida de roupagem mais curta (simples tunica); a outra, a da esquerda, apparentemente do sexo feminino, vestida de roupagem que chega até quasi aos pés (tunica muliebris); cada uma das figuras tem na mão direita um objecto indecifravel e dá a esquerda á outra figura.

    O terceiro segmento, separado do antecedente por um bordo, contém uma inscripção, que foi gravada no campo depois de um pouco rebaixado, como o terceiro.

    O resto do quarto segmento era destinado a fixar o monumento no solo.

    Os lados da estela são irregulares, e estão em parte quebrados; pelas costas a lapide foi levemente desbastada. A extremidade inferior acha-se tambem falha.

    A tribu romanizada a que pertencia o monumento era, com muita probabilidade, aquella que tinha o seu oppidum num monte que fica a dois passos da igreja parochial de Paderne, e que ainda hoje se chama A Cividade, do latim civitatem; ahi encontrei uma casa redonda, do typo já conhecido noutros castros de Entre-Douro-e-Minho, e varios objectos de pedra (esculpturas) e restos ceramicos, tudo de origem pre-romana. O nome d’esta tribu começava acaso pela enygmatica syllaba Comp – que se le tres vezes na inscripção.

 

Retirado de: O ARCHEOLOGO PORTUGUÊS

 

                     pp. 275-281

 

                     por:

 

                     J. Leite de Vasconcelos

 

http://www.archive.org

 

CASTRO LABOREIRO, POVOAMENTO E ORGANIZAÇÃO DE UM TERRITÓRIO SERRANO

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

Alexandra Cerveira Pinto Sousa Lima, nasceu no Porto em Fevereiro de 1963. Inicia a sua actividade arqueológica em Mértola e no PARM (Moncorvo), tendo terminado o curso de História, Variante de Arqueologia, em 1985, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Em 1994 finaliza o Mestrado em Arqueologia na mesma Faculdade, com a defesa de uma Dissertação versando o tema da organização do povoamento em Castro Laboreiro. Foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian. É desde 1992 colaboradora do Parque Nacional da Peneda-Gerês. O trabalho de investigação que desenvolve centra-se na análise do povoamento, ocupação do espaço e aproveitamento de recursos ao longo dor períodos Medieval e Moderno na área montanhosa do Noroeste português.

 

CASTRO LABOREIRO: POVOAMENTO E ORGANIZAÇÃO DE UM TERRITÓRIO SERRANO

 

Autor: Alexandra Cerveira Pinto Sousa Lima

 

Edição: Instituto da Conservação da Natureza

 

             Parque Nacional da Peneda-Gerês

 

             Câmara Municipal de Melgaço

 

Cadernos Juríz Xurés

 

1996

 

UMA HISTÓRIA MELGACENSE

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

“LEITURA”

 

 

    Não, não pensem que vou falar de livros! O título sugere-o, eu sei. Trata-se, tão somente, de uma escultura do nosso conterrâneo Acácio Caetano Dias que acaba de ganhar o 1º prémio da Quinzena Cultural Bancária (10ª edição), iniciativa do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas. O Júri «constituído pelo pintor António Carmo, pelo arquitecto João Santa Rita e pelo pintor A.M. Pinto Carvalho, tendo em conta os regulamentos publicados e os trabalhos apresentados aos respectivos concursos, decidiu:

    b) – No concurso de Escultura, atribuir apenas o primeiro prémio à peça de escultura “Leitura” de Acácio Caetano Dias»…

    Não tive ainda a oportunidade de ver a escultura, nem de falar com o seu criador, mas espero consegui-lo em breve. Disso falarei oportunamente. A peça está exposta no Palácio Foz, em Lisboa, juntamente com outros trabalhos premiados.

    Um conterrâneo com o talento do Acácio é um orgulho para todos os  melgacenses. Ele é um artista nato, um homem que não tendo frequentado Escolas Superiores de Arte é émulo daqueles que tiveram essa possibilidade; é um autodidacta, pois as suas habilitações literárias (1º ciclo) nunca o impediram, nem impedem, de brilhar em várias exposições: Escola de Belas Artes, Hotel Altis, Palácio Foz, Festa da Cultura (Melgaço).

    Acácio nasceu em Prado em 1935. Seu pai, o popular Amadeu «Rato», tinha a profissão de latoeiro. A sua oficina situava-se perto da barbearia e taberna-restaurante do Carlota (quem não conheceu?). Juntamente com a sua oficina coexistia uma outra, de sapateiro, cujo mestre era o Henrique «Abelhão» (isto em 1958, mais ou menos). Nessa altura já o Acácio se encontrava possivelmente em Lisboa, pois em 1959 entra para o Banco Nacional Ultramarino como apontador.

    Os dois, Amadeu e Henrique, formavam um duo impagável no que diz respeito a «malandrices». Não havia cliente que não saísse sorridente com a graça de ambos, mesmo os mais sisudos.

    No Carnaval, o pai do Acácio fazia normalmente parelha com o Sr. António «Trauliteiro» (apesar da alcunha o Sr. António era um homem pacífico, brincalhão, o alvo cavaleiro – S. Jorge – que na vizinha vila de Monção, aquando da procissão do Corpus-Christi matava a Coca, ou Santa Coca, o terrível dragão que afugentava o povo amedrontado).

    Ainda me lembro de ver o «Trauliteiro» dentro de um carrinho de bebé, vestido a rigor e com chupeta na boca, chorando lágrimas comoventes, a ser empurrado pela velha ama (Amadeu «Rato»), pesarosa e convincente. Davam a volta à Avenida, percorriam as ruas da Vila, iam até à Calçada e Loja Nova e depois recolhiam, pois o líquido precioso esperava-os ansiosamente!

    Acerca do pai do Acácio conta-se uma história divertidíssima: o seu irmão, Edmundo «Rato», também latoeiro, um dia recebe na sua oficina um camponês que lhe pede para pôr um fundo a uma lata que consigo trazia, daquelas que se usavam para o sulfato ou a cal. O cliente perguntou quando é que poderia ir buscar a obra e a resposta, carregada de sofisma, não se fez esperar:

    — «Sr. Fulano, não precisa vir buscá-la. Na próxima semana tenho de ir visitar uma pessoa sua vizinha e assim aproveito para lha levar».

    O homem ficou radiante, pois deste modo evitaria perder tempo, tempo esse que necessitava para o amanho das suas terras.

    — «Obrigado Sr. Edmundo. Vai provar uma pinga que lá tenho que é só para os verdadeiros amigos».

    O convite do agricultor veio aguçar ainda mais o apetite devorador do latoeiro. Depois do cliente ir embora apressou-se a falar com o Sr. António «Cerinha», seu vizinho de oficina, e seu irmão Amadeu, acerca de tal convite. Todos eles passaram a língua pelos lábios ressequidos, fecharam os olhos e tiveram a visão do deserto, isto é, começaram a ver o líquido (em lugar da água o vinho do lavrador) a cair de baixas nuvens espessas. As malgas, todas elas do tamanho de alguidares, começaram a encher-se do divino néctar e seus olhos brilharam de sofreguidão e ânsia. O Sr. Amadeu sentenciou:

    — «O vinho só não chega. Terá de ser acompanhado de presunto e broa!»

    A lata parecia nova. Marcaram o dia e a hora e puseram-se a caminho. Dois quilómetros a pé não é brincadeira nenhuma, mesmo naquele tempo. Chegaram extenuados. O aldeão andava a sachar as suas leiras, perto de casa, e quando os viu gritou-lhes com ar bonacheirão:

    — «Ainda bem que vêm a esta hora porque também estou com sede».

    Todos aplaudiram o gracejo e como quem não quer a coisa lá se foram aproximando da adega. Malgas na mão, olhar fixo no presunto que baloiçava ali bem perto, começaram, um por um, a receber da pipa a tão esperada pinga. Depois de já terem despejado três ou quatro malgas, um deles disse ao anfitrião:

    — «Sr. Fulano, um naco de pão não lhe ia mal agora!»

    Isto apanhou o homem de surpresa. Aguardava que eles se despedissem a fim de recomeçar os seus trabalhos. O tempo passava, a torneira sem descanso e agora o pão! Chamou a patroa e pediu-lhe que trouxesse broa para a gente da Vila.

    — «Rico pão, sim senhor!», comentou um dos glutões.

    Outro, aproveitando a deixa, arrisca:

    — «Pão pede algo, talvez presunto!»

    O pobre lavrador estava entre a espada e a  parede, acossado com raposa e lobo. Se recusasse passava por somítico; se aderisse à sugestão ficava sem presunto. Pegou na faca, olhou pela última vez para o presunto que tanto trabalho e cuidados lhe dera e diz-lhe, como falando para um filho que parte para longe:

    — «O teu dia chegou – é o destino!»

    Do desgraçado, duas horas mais tarde, restava apenas um grande osso feio e bruto. Da broa nem um côdea restou! A pipa ficou exausta! Saíram da adega, cambaleando, rindo descaradamente! O cavador, entre pragas, foi-lhes dizendo:

    — Três para uma lata! É obra!

    Que me perdoem aqueles que conhecem a história ao vê-la tão mal narrada. Contei-a como ma contaram, apenas lhe acrescentei um pequenino ponto!

    Saudações amigas a todos os melgacenses.

 

Joaquim A. Rocha

 

Publicado em: A VOZ  DE MELGAÇO  

 

CARNEIROS EM TRANSUMÂNCIA – EMIGRANTES CLANDESTINOS

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves, nascido em 13 de Setembro de 1957 em Ferreiros – Paderne – Melgaço.

Aluno errante, frequentou vários estabelecimentos de ensino, sendo actualmente estudante de Filosofia.

Militante activo do Partido Socialista desde 1974.

Foi aluno e professor na vizinha vila de Monção. Sempre à procura de novos conhecimentos e experiências, acabou por ser professor cooperante em Cabinda na R. P. Angola onde escreveu este livro, portanto na ocasião, ele também era um emigrante.

No regresso visitou diversos países entre eles a Nigéria, a Líbia, a Bulgária e a França.

Foi fundador e é actual Presidente do Grupo Desportivo e do Rancho Folclórico de Paderne – Melgaço. No que sente muita honra.

Este livro é dedicado aos emigrantes, e à entrada de Portugal na C. E. E. só possível pela existência do 25 de Abril. Para que a C. E. E. resulte numa Europa Unida, e num mundo mais livre e melhor.

E vem provar mais uma vez que os emigrantes, sozinhos, num esforço abnegado, entraram primeiro no mercado comum do que o próprio país, que os viu nascer. Mudando com o seu esforço titânico a História de Portugal principalmente nas regiões do interior, que teimavam há séculos em ser zonas de miséria e despersonalização.

Realizando assim a grandiosa epopeia que foi a emigração clandestina.

 

O autor:

 

Ricardo Gonçalves

«Carrola»

 

CARNEIROS EM TRANSUMÂNCIA

EMIGRANTES CLANDESTINOS

 

Autor: Ricardo Gonçalves

 

Capa: Rui Perdigão

 

Edição: Perspectivas e Realidades

Lisboa

 

EDIÇÃO PATROCINADA PELA

 

ASSOCIAÇÃO CULTURAL INÊS NEGRA

 

MELGAÇO, NATAL DE 1983

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

O PRESÉPIO AUTARCA DE MELGAÇO EM 1983 

 

  

A Câmara Municipal,

teve uma ideia feliz,

pois armou este Natal

um presépio colossal

nas trazeiras da Matriz.

 

Coisa assim, nunca se viu,

tão bonito e tão real,

pois com gosto reuniu

e assim distribuiu

figuras ao natural.

 

A Teresa é Nossa Senhora,

o Solheiro é S. José,

e quem nasce nessa hora

e entre as palhinhas chora,

Alberto de Sousa, o Bé.

 

A dar calor ao menino

com seu carinhoso alento

com amor e com carinho,

o Luís faz de boisinho

e o Tóninho de jumento.

 

O Jorge, o Moura e o Gi,

três Reis Magos, quem diria,

montados nos três camelos

da Junta de Freguesia.

 

Ventura, Carvalho e Zeca

são os pastores, pobrezinhos

que levam como carneiros

os do lixo e os cantoneiros,

e mais outros, coitadinhos.

 

O Presépio ainda tem

figuras evocativas,

mas a gente sabe bem

que são na Câmara também

apenas, decorativas…

 

Natal de 1983

 

FAIJ

 

TRADIÇÕES CASTREJAS

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

OS OBRADÁRIOS OU ACENDIMENTOS

 

DE CASTRO LABOREIRO

 

  

   Pe. Aníbal Rodrigues

 

   Castro Laboreiro, situado a nordeste do Alto Minho, a uma altitude de 932 metros, distante de Melgaço a 26 quilómetros, inserida no Parque Nacional Peneda-Gerês, é no dizer de alguns etnólogos e historiadores uma espécie de Andorra Portuguesa. Climatericamente incluído no litoral português, é um laço de união entre os valores amenos, bucólicos e verdejantes do Minho e os planaltos despidos e agrestes das terras frias transmontanas. Mercê do seu ancestral isolamento, conservou sempre puras as suas primitivas etnias, sem cruzamentos de outros clãns. A sua vida comunitária desenvolveu-se no decorrer dos tempos coerente com as suas velhas raízes de sangue celta.

   Os documentos que possui são feitos de pedra, anteriores à nossa independência pátria, com a provecta idade de 4.000 e 5.000 anos. Cada pedacinho destes monumentos do passado é uma preciosa relíquia da sua história, que um dia esperamos, se Deus o permitir, expor em livro para todas as pessoas a poderem apreciar. Será um lindo sonho, muito difícil de tornar realidade? Disto ninguém duvidará. A quatro e cinco mil anos de distância, a maior parte dos elementos, que nos poderiam ajudar foram lentamente destruídos pela mão do tempo, permanecendo apenas os monumentos do megalítico ocidental como símbolos e indicativos das civilizações que, há já quarenta e cinquenta séculos respectivamente, tiveram lugar nesta histórica região. Para a maior parte dos ignorantes todos estes grandiosos monumentos pertenceram, segundo o seu critério, aos Mouros que em 710, após a batalha e vitória de Târique, invadiram e conquistaram a Península Ibérica. A passagem dos Sarracenos por Castro Laboreiro é quase imperceptível, devido aos diminutos vestígios deixados. Não se pode dizer o mesmo da civilização romana que nestas elevadas paragens vincou a sua longa estada.

   As numerosas vias romanas com lajedos em bom estado de conservação; as lindas pontes romanas e românicas que ligam as bucólicas margens dos rios e ribeiros; a romanização dos núcleos castrejos, em grande quantidade, que a freguesia possui, dão-nos uma verdadeira imagem da influência e grandeza do Império Romano neste isolado cantinho. Mas a que propósito vem esta introdução, aos obradários, amentas ou acendimentos de Castro Laboreiro? É que é devido às suas origens dolméticas e castrejas que a vida comunitária desta região conservou até aos nossos dias o espírito de união e bairrismo cujo carácter e maneira de ser se manifesta em toda a sua actividade humana. No aspecto social ainda hoje todo o povo castrejo continua a utilizar o mesmo moinho público do lugar para moer o centeio e o milho; o mesmo forno onde coze o pão; as eiras onde debulha o centeio; e a reparar em conjunto os caminhos da povoação.

   Nos baptizados, casamentos e funerais a comunidade castreja comparticipa nas alegrias e nas tristezas de todas as famílias que as constituem. Nos actos e manifestações religiosas não foge ao mesmo espírito de comunidade. Quando algum dos seus membros adoece, toda a população o visita e lhe presta cristãmente o seu auxílio, oferecendo-lhe, além do conforto moral, auxílio financeiro, se é pobre; e ofertando objectos  de estima ou próprios para alimentação das pessoas que não tem saúde. Na ocasião do falecimento desta comunidade um representante de cada família toma parte nos cumprimentos e manifestações  de pesar, desde o velar do cadáver quando se encontra em câmara ardente, até às orações pela alma do mesmo, terminando sempre com a aspersão de água benta sobre os restos mortais da pessoa falecida. No Domingo seguinte ao funeral, o seu agregado familiar comparece na Missa. Logo que esta termina, acende uma vela e assiste à amenta, obradário ou acendimento até ao fim deste, acompanhando com as suas orações os responsos que o Presidente da Assembleia paroquial recita em latim ou português, pela alma do finado, conforme o estatuído no Direito Canónico, na legislação diocesana ou sinodal da Igreja Católica. Mas não é apenas o Presidente da Assembleia Cristã que recita religiosamente aqueles responsos.  Toda a Comunidade paroquial presente toma parte integrante nos responsos e orações juntamente com o Sacerdote. Dá-se assim uma comunhão grande e íntima de vida comunitária e religiosa e, neste acto litúrgico desaparecem os ricos e os pobres, os letrados e ignorantes, os bem colocados na vida e os deserdados da fortuna. A ordem, a procedência são iguais para todos, sejam as pessoas médicos, advogados, engenheiros  ou de qualquer outra profissão. Todos se irmanam aqui no mesmo espírito cristão, e na qualidade de filhos de Deus. São pois as amentas, obradários ou acendimentos uma bela escola da vivência cristã que vale a pena ver.

   As velas acesas são o símbolo da fé que orienta a vida dos cristãos. E é por este motivo que em todos os actos litúrgicos aparecem sempre velas acesas. Já na pré-história dos povos celtas de há quarenta e cinquenta séculos aparecem litogravuras representando o sol com um círculo e muitos raios que dele partem e se difundem pelo mundo.

   Estes desenhos manifestam-nos a sua crença, também…

   O que os fiéis de toda a Igreja Católica fazem apenas no dia dois de Novembro, a comunidade cristã de Castro Laboreiro realiza-o com mais frequência na sua Matriz, nos seus acendimentos, amentas ou obradários, Tanto estas manifestações de piedade pelos irmãos falecidos, como a procissão de defuntos e reza anual, que nesta paróquia têm lugar todos os Domingos do ano, constituem actos litúrgicos que estão dentro do espírito e constituição da própria Igreja de Cristo.

 

Castro Laboreiro, 5-XI-1979

 

CONTRABANDO, A FROTA EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

A FROTA



   Frota era o termo como se vulgarizou o contrabando. Foi uma invenção do Ná. Em 1940 a guerra mundial estava no auge germânico. A Melgaço chegavam as notícias através dos poucos rádios existentes, dos jornais e principalmente das revistas de propaganda enviadas pelas Embaixadas dos países envolvidos no conflito. Essas revistas eram maravilhosas em aspecto gráfico, coloridas, quase só com fotografias mostrando o progresso dos exércitos dos países em questão. Quem distribuía as revistas inglesas (em língua portuguesa, umas e outras) era o António Reis e o Alfredo Pereira (Pandulho); e as alemãs o Hilário. Este, além de distribuir as revistas expunha nas suas vitrines cartazes e fotografias do cenário da guerra, exibindo o sucesso nazista.

   Nos primeiros anos de guerra, em Melgaço, havia bastantes simpatizantes dos alemães.

   Então, falava-se muito no movimento das frotas marítimas, dos grandes navios, especialmente as frotas (comboios) que atravessavam o Atlântico com suprimentos americanos para os aliados. Os submarinos alemães botavam a pique parte dessas frotas.

   O contrabando em Melgaço era a única actividade do povo; acontecia, vez por outra, para mostrar serviço ou porque não lhes davam a ‘bola’ que esperavam, os guardas-fiscais prendiam as mercadorias. ‘Bola’ era a propina para fecharem os olhos. E este termo derivava da bola de carne com veneno que alguém incomodado dava, secretamente, aos cães vadios ou dos vizinhos para se calarem (morrerem).

   Quando, então, a guarda-fiscal pegava as mercadorias diziam: a Frota de fulano foi a pique. O termo se vulgarizou e passou a designar contrabando em todo o Alto-Minho e pessoas ficaram famosas e ricas como Frotistas.

 

Rio, 31 de Maio de 1996

 

Correspondência entre Manuel e Ilídio

 

LINA FILHA DE PÃ

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

     Joaquim Agostinho da Rocha nasceu em Cevide, Cristóval, Melgaço, a 12/6/44. Até aos seis anos de idade, viveu no lugar onde nascera; dos seis aos vinte anos residiu na vila da Melgaço, terra de sua mãe e seus avós maternos.

Em Janeiro de 1965, ingressou no serviço militar onde permaneceu até aos finais de 1967, tendo comprido quase dois anos nas matas da Guiné-Bissau. No regresso de África ficou a morar em Lisboa. Trabalhou como empregado de escritório, bancário, contabilista, bibliotecário, professor do ensino secundário…

     Ao longo da vida foi estudando: primeiro tirou o Curso Comercial; depois o Curso de Contabilidade (técnico de contas); mais tarde fez algumas disciplinas do Liceu e o Propedêutico, a fim de ingressar na Faculdade de Letras de Lisboa, completando aí o 2º ano de Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses). Devido a incompatibilidades de horário, terminou esse Curso na Universidade Autónoma de Lisboa – Luís de Camões.

     Em 2001 regressou ao seu Minho, fixando a sua residência na cidade de Braga.

     Dedica-se à investigação na área da História Local e Regional, e à criação literária.

 

MELGAÇO, 16 DE NOVEMBRO DE 1913

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

AFASTANDO AS «PEDRAS»  DO CAMINHO

 

 

   A ofensiva do Partido Democrático prosseguia. Raimundo Meira aproveitava qualquer ocasião para eliminar a oposição existente e colocar à frente do município pessoas da sua confiança. Em 16 de Novembro de 1913 retira a confiança ao Administrador do concelho de Melgaço. Este apresenta a demissão passados 10 dias.

 

   Exmo. Sr.

 

   Tendo Vexa significado em seu oficio nº 445 de 16 do corrente, que não lhe mereciam inteira confiança as minhas informações oficiais, acerca das obras da pesqueira a que o mesmo oficio se refere, e isto por não serem elas conformes com outras informações particulares, que sem fundamento de verdade foram dadas a Vexa, acerca do mesmo assunto; e não tendo querido Vexa aceitar a justificação do meu procedimento exposto no meu oficio nº 144 de 20 do corrente, tanto que o tal oficio me foi devolvido por ordem de Vexa, como consta do ofício emanado d’esse Governo Civil sob o nº 461, assinado pelo oficial-chefe da 2ª repartição, no qual se diz que fui “incorrecto e inconveniente” para com Vexa, julgo do meu dever, por não poder continuar a merecer a Vexa, a necessária confiança no desempenho das minhas funções a meu cargo, pedir a minha demissão, depositando nas mãos de Vexa, o lugar de Administrador deste Concelho.

 

   Saúde e Fraternidade

 

   Administração do Concelho de Melgaço

 

   O Administrador do Concelho

 

   António Augusto Simão

 

Retirado de:

 

Cartas Portuguesas - A Primeira Republica por Correspondência

 

http://cartasportuguesas.blogspot.com/2005_02_01_archive.htlm

 

«A RUA DA ESTRADA» E «VIDA DO CAMPO»

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

A Rua da Estrada emerge sobre os escombros da dupla perda da «cidade» e do «campo». Da cidade, ficou a representação comum de uma sociedade plural e intensa num território densamente construído e com limites definidos, um «interior» confinado, rodeado pelos espaços ditos naturais, da floresta ou da agricultura. Do lado de fora, guarda-se a imagem de um espaço rural, habitado por visões do mundo fechadas sobre si e sobre poderosas identidades. Nada mais falso. As transformações dos campos são tão radicais como as transformações das cidades. Hoje, a urbanização progride a um ritmo avassalador e já não está exclusivamente dependente da aglomeração e da proximidade física. As infraestruturas percorrem territórios imensos que tornam possível um sem número de padrões de localização, construções e formas de organização social. O urbano é um «exterior» desconfiado e instável, por contraposição à imagem da cidade amuralhada.

A Rua da Estrada é a imagem perfeita desta metamorfose. Mais do que lugar, ela emerge como resultado da relação, do movimento. O fluxo intenso que a percorre é o seu melhor trunfo e a sua própria justificação. Sem fluxo não há troca nem relação, génese primordial da velha cidade. Dizia alguém explicando as manobras de sedução que praticava para tornar o seu negócio visível para quem vai na estrada: O problema é fazê-lo parar.

 

Álvaro Domingues (Melgaço, 1959), geógrafo, formou-se na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1981. É professor da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.

 

A RUA DA ESTRADA

 

 Autor: Álvaro Domingues

 

 Edição: Equações de Arquitectura

 

Dafne Editora

 

 Patrocínio: ESTRADAS DE PORTUGAL, SA

 

 Porto, 2009

 

Vida do Campo – Um livro feito de retratos de um país composto de mudança.

A brincar costuma dizer: «Fui primeiro a Paris do que a Lisboa». Poderia ser sobranceria, ou até sinal de um certo cosmopolitismo bacoco. Mas não. É  apenas a sua forma de desmistificar algumas ideias feitas, enraizadas na sociedade nas últimas décadas, fruto da propaganda do Estado Novo e das idealizações turísticas do século XXI. Melgaço, onde nasceu em 1959, «nunca foi, nem é, esse mundo remoto e desligado da terra como muitas vezes é pintado». Dessa terra, no limite norte de Portugal, lembra, partiu o primeiro autocarro semanal para Paris. E nos seus tempos de criança era tão frequente falar-se da «próxima vaca que ia parir», como da «atualidade da Nova Caledónia», onde morava um conterrâneo.

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Ler mais em:

 

 Texto publicado no JL 1081, de 7 de Março de 2012

 

 Retirado de:

 

 A VOLTA DO PARAFUSO

 

 voltaparafuso.blogspot.pt