LADINA V
O plano de fuga tomou forma, logo que se apercebeu, que menos uma grade na janela e uns quilos no corpo, tinham a forma da liberdade.
As raras visitas, com grandes cunhas nos funcionários judiciais e pouco agrado de carcereiros, terminavam sempre em choradeira.
— Coitadinha, eles matam-te de fome.
— Sr. José, a coitadinha está tão magrinha …
— Sr. José, vele por ela que pode ficar tísica.
Um dia chegou o resultado de um sussurro na orelha da visita amiga e foi pelo decote que desceu a serra, qual pomba em liberdade no seu pensamento.
A autópsia era demorada, mas já o não deveria ser o resultado, o julgamento e o veredicto final:
— Culpada - dedo em riste e olhar flamejante, saído por entre aqueles panos negros.
Ninguém a reconheceu ao amanhecer, aquele esqueleto dançante, metido entre roupas de gigante. Quantos quilos lhe valeram a liberdade …
A amiga também não faltou com a ajuda, e duas horas de mula, um ribeiro a transbordar, quedas e silvas, sabor de se sentir livre. O caldo de farinha e couves, entre linguajar diferente, era um verdadeiro manjar, mas com o corpo habituado a pouco ou nada ingerir, acentuou-se. Demais sabendo-se um peso para aqueles amigos, pobres dos mais pobres, mas que tanto tinham feito por ela.
Chegar á cidade e falar a sua língua era o seu desejo, que semanas depois viu comprido, depois de muito penar por montes e vales que a justiça não a esquecera.
Surpresas lhe estavam reservadas. Seu porte altivo tinha regressado e o seu peito a ser cobiçado. A cidade, em tudo uma desilusão. Era uma vilazinha, um pouco maior que a sua. Os tostões acabavam-se, e havia que acautelar o futuro. Depressa se apercebeu que sem dinheiro voltava á velha saga e se não caía nas mãos deste, era nas daquele.
De senhor a azeiteiro, de polícia a ladrão, não havia olhos que a não tivessem cobiçado. E antes cair diante da careca gordo, forrado a notas, do que farda ou vadio. Mas despercebida não passava e as autoridades actuaram.
(continua)