Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

SOBRE O MOSTEIRO DE FIÃES II

melgaçodomonteàribeira, 24.10.15

69 b2 - most fiães.jpg

os carvalhos de Fiães

 

 

Embora reduzido a 2 monges, o seu património, apesar de todas as vicissitudes, parece não ter sido posto em causa: o couto, que coincide com a área da actual freguesia, e todo o seu património fundiário é desarticulado e integrado no novo esquema social e administrativo implantado no país pelo liberalismo, no caso particular, integrado no concelho de Melgaço.

Em termos organizativos, embora não haja muita documentação, na sua época áurea por certo não deferiria muito dos seus congéneres: um abade, monges, de origem nobre, alguns letrados e sacerdotes, outros não, de túnica branca e escapulário negro com capuz, ditos monges do coro e que vivem em clausura.

Conversos, irmãos leigos ou laicos, de origem campesina ou burguesa, iletrados na esmagadora maioria e que se dedicavam às tarefas económicas, dentro e fora do mosteiro, nas granjas; eram a mão-de-obra, que vestia um hábito um pouco mais escuro e que vivia dentro do mosteiro, mas afastados dos monges.

Nas imediações da Abadia residia a Família: homens e mulheres que se encomendavam ao mosteiro por razões piedosas ou económicas e que em troca da alimentação, roupa e dormida renunciavam ao direito de propriedade, juravam obediência absoluta ao abade e trabalhavam para o mosteiro. O mosteiro também cuidava dos doentes e dos pobres que a ele se dirigiam em aflição e recebia visitantes em instalações próprias.

O abade era o administrador da comunidade cuidando dos bens, controlando as granjas, velando pela conservação dos edifícios e, dentro do couto, era também a fonte donde emanava o poder terreno.

No âmbito do mosteiro era ajudado pelos monges aos quais estavam atribuídos cargos como os de prior, sacristão, tesoureiro, mestres de noviços e de conversos, enfermeiro, escriba, cantor ou porteiro. Eram encarregados de tarefas tão diversas como as do ensino, ofícios litúrgicos, música, manutenção das alfaias litúrgicas, obras, escrita, contabilidade, cuidados médicos, alimentação, da qual estava excluída a carne, acolhimento a viajantes e das relações da clausura com o exterior, etc.

A granja cisterciense era o centro de exploração económica do domínio monástico. Ali trabalhavam e viviam conversos dirigidos pelo mestre da granja e supervisionados semanalmente pelo monge a que era atribuída essa responsabilidade. As granjas eram constituídas por um conjunto de edifícios económicos, caso de celeiros, estábulos, teares, fornos, moinhos etc., conforme o tipo de exploração e outros domésticos como sejam cozinhas, refeitórios, dormitórios e capela tudo disposto à volta de um pátio.

A vida diária dos monges alternava entre a oração (Opus Dei) no coro, quatro horas diárias mais as missas, com leituras espirituais nos claustros (Lectio Divina) e o trabalho manual (Opus Manuum) nas hortas, no scriptorium ou outras dependências do mosteiro, no conjunto, cerca de seis horas no Verão mais o tempo destinado ao descanso.

O silêncio a que eram obrigados só era interrompido pelo canto no coro, na sala capitular, onde se liam as regras, se tomavam as decisões importantes e se fazia a confissão pública de culpa, e quando o prior distribuía as tarefas diárias no locutório, tarefas e urgências eram resolvidas através de uma sinalética própria.

Dentro do couto, terra imune por excelência em que o rei abdicava das sua prerrogativas jurisdicionais e dos direitos materiais a favor do donatário, as suas responsabilidades iam no sentido de organizar o sistema de relações com os seus súbditos e dependentes e articulá-lo com o poder real e as instituições circundantes.

O abade designava os magistrados existentes na Casa da Audiência do mosteiro, como o juiz, procurador, meirinho e porteiro. Os 12 homens-bons que compunham a assembleia deliberativa do couto eram nomeados pelo juiz, pelo procurador e pelo abade, sendo que após as reformas, no séc. XVII, passou a haver representantes de Alcobaça nessa assembleia; em 1671 havia uma coima de 500 réis por cada falta às reuniões. Magistrados e vereadores, encarregues da administração do couto, eram também designados. Entre outras funções contam-se a milícia, aferidores, recebedores e vendedores. Portanto, uma estrutura similar aos concelhos, cuja diferença reside na origem do poder que, nos concelhos, é de cariz popular e no couto é delegado, neste caso pelo abade.

Do antigo convento subsiste a igreja de planta longitudinal, composta por três naves e quatro tramos, cabeceira tripartida com três capelas quadrangulares, a capela-mor tem dois tramos e as laterais um só, abóbada de berço quebrado e altar de talha dourada (séc. XVIII); no absídiolo esquerdo está um retábulo de gosto maneirista (séc. XVII). Existem ainda alguns capitéis geminados provenientes do mosteiro. A capela da cabeceira do lado do evangelho está decorada com medalhões e arcaturas e na fachada e no altar-mor estão representados os três padroeiros celestes: Stª Maria, S. Bento e S. Bernardo. O túmulo existente na nave sul data do séc. XV, de Fernão Eanes de Lima, pai do 1º Visconde de Vila Nova de Cerveira.

De salientar que o corpo actual da igreja data da fase de restauro já no séc. XVII, tal como a fonte da Madalena e a alameda. A igreja manteve a cabeceira, o portal e as paredes das naves. Elevadas as naves, ganhou em grandiosidade e luz, com uma janela na fachada e no alçado norte contrastando com as frestas a sul mas perdeu a proporcionalidade e a elegância austera anteriores, ainda hoje documentada pela cabeceira, alguns capitéis avulsos e pela pureza do pórtico. Os edifícios da clausura, ainda em ruínas há cerca de 50 anos, já não existem hoje. Algumas casas em redor foram construídas sobre muros e arcos do antigo claustro e materiais foram usados para construção.

O espírito da ordem é visível na austeridade da sua arquitectura ma figuração quase inexistente, na ausência de decoração do pórtico (as estátuas da fachada são do séc. XVII). O espaço interno e as arcadas, de planimetria seiscentista alteraram a luminosidade e o ambiente próprio do espaço cisterciense. Os carvalhos, que se erguem no terreiro, foram mandados plantar pelo abade Frei Félix de Cerveira em 1737.

 

Retirado de: www.rotascister.home.sapo.pt