LADINA IV
Cada vez mais branca, cada vez mais magra. Só o seu porte de grande senhora não encolheu dentro do caixão mais estreito da vila.
— É o mais belo, o mais florido … a dar ouvidos a todas as línguas da vila.
Os parentes barafustaram porque o próximo casamento do senhor já estaria marcado.
— Sim, marcado e com a criada – dizia a voz do povo.
— E antes da criada chegar ela era saudável e ninguém lhe cobiçava fortuna.
— Morreu envenenada.
— Mataram-na.
— Queremos autópsia.
Era realmente a voz do povo a fazer-se ouvir.
Que barulheira! Até parecia que morrera o rei (desculpem, mas sou republicano).O barulho foi tanto ou tão pouco que logo a GNR se pôs em campo para apanhar o autor de tão hediondo crime.
E, enquanto os valorosos guardiães da sociedade venciam as dificuldades da serra, Ladina enfrentava as fúrias amorosas do seu “prometido” esposo, com o olhar fixo nas vigas de carvalho do quarto da cama grande, quem sabe, traçando, desde já, o destino do ainda seu senhor. Quando este, já saciado, gozava as delícias de um merecido descanso, ouve-se o ladrar dos cães, a vozearia da criadagem, o tilintar de ferros.
Senhor à guarda do cabo, alto e espadaúdo, como convém na autoridade, cabeça de rato bem acentuada por raros pêlos eriçados do bigode regulamentar, e já Ladina, meia vestida meia por vestir, uma mão segura as saias, outra a matilha, corre desabrida pelos campos. A repousar da corrida, ofegante, cabeça entre os joelhos, costas apoiadas num palheiro, é surpreendida por dois soldados que lhe iam no encalço.
Segura pelos braços entre os dois seguia, cabeça bem levantada, peito a arfar; parada militar, tão certo era o passo. Um baixo, gordo, seboso, careca, que o boné e restante fardamento não deixam mentir. Outro, fininho e baixo quanto baste, levemente atrapalhado com a figura meia composta daquela que conduziam, gritava com voz aflautada:
— Vamos, vamos …
Ao atravessar o pinhal, Ladina estacou, olhos nos olhos de um e outro, e falou:
— Por favor preciso de parar.
— Pararás quando chegarmos – foi a resposta – agora é sempre a andar.
Sem os desfitar, ela atirou:
— Sou mulher e não sou como vocês, voltem só as costas para eu me agachar. Afinal são dois homens e com armas, e eu não penso fugir.
Os soldados da GNR e o olhar de Ladina … O olhar venceu. Quando voltaram as costas, porque a espera era longa (daí vem o olho de lince característico desta força militar), de Ladina nem rasto. Fugira.
Correu, saltou, esfolou-se, até ser vencida pela fadiga.
Familiares da defunta e forças da GNR encurralaram-na.
— Finalmente presa – pensam uns.
— Tenho que fugir – pensa a outra.
Cadeia da vila e para ela cela especial.
(continua)