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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

UM PASSEIO POR MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 16.03.24

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AQUI AVISTA-SE O PONTO Nº 1 DE PORTUGAL. ATÉ LÁ, VAI SER SEMPRE A SUBIR E DEPOIS SEMPRE A DESCER, MAS O QUE IMPORTA MESMO É O CAMINHO

Mariana Falcão Santos - texto

10 ago 2020

É na capital do rafting que um passeio de UMM pela montanha nos ajuda a perceber melhor o que é que torna a terra mais a norte de Portugal tão especial. Entre caminhos vertiginosos e as paisagens pintadas de verde banhadas pelo Minho, as surpresas que Melgaço tem guardadas não são só para os que têm sangue na guelra.

O convite inicial prometia um passeio de moto4, pelas montanhas da vila de Melgaço. Um contratempo logístico mudou o meio de transporte para um modelo de todo-o-terreno que ficou conhecido nos anos 80, um UMM. À priori, já sabíamos que nos esperava uma viagem por terreno atribulado.

“Não via um destes há anos” foi uma das primeiras frases dita pela nossa equipa. Quem nos ia conduzir montanha acima era Paulo Faria responsável pela Melgaço Whitewater, uma das empresas que se dedica à dinamização de atividades outdoor na zona. Professor na Escola Superior de Desporto e Lazer e formado em Desportos da Natureza, há três anos que se dedica a apresentar as potencialidades da vila a quem tem curiosidade de conhecer.

Esperava-nos um percurso de média montanha e campo, com início no centro histórico de Melgaço. A vila tem uma área envolvente superior a 230 quilómetros quadrados e conta com cerca de 9 mil habitantes. Em anos normais, por esta altura, muitos portugueses, muitos espanhóis – que Espanha é já ali – mas também de outras paragens. Visitantes que ali chegam atraídos por um binómio que casa na perfeição: uma imensa natureza a explorar e um vinho que dá nome à rota da região. Como dirá o nosso guia, Paulo Faria, “vir a Melgaço e não beber Alvarinho é como ir a Roma mas não ver o Papa” – mas isso são outras histórias.

A viagem começou com a promessa de que, passando o cliché, o que veríamos ao chegar ao destino valeria a pena – mesmo que o percurso fosse atribulado. Mas, até chegar ao destino, a história de Melgaço começou a ser contada ainda em estradas de alcatrão. Lá fora, à medida que íamos saindo em direção à periferia da vila, as casas, alinhadas numa disposição pouco orientada, eram maioritariamente constituídas por pedra, e, como em qualquer ambiente rural, havia uma história daquelas que passa de boca em boca que o ajudava a explicar.

Em tempos, ali, em Melgaço, houve um mosteiro, o Mosteiro de Santa Maria de Fiães, onde residiam monges. Os mais antigos da terra contam que o monumento foi destruído por populares que posteriormente utilizaram as pedras do mosteiro para fazer as suas próprias casas. Mas até chegarmos ao local que serviu de casa a muitos devotos, esperava-nos um caminho de terra pela zona montanhosa. Já lá vamos.

Dos dois lados da estrada, vegetação de tons inimagináveis de verde tapa-nos qualquer tipo de visão. Não são precisos muitos minutos para percebermos que neste trilho de média montanha em UMM uma das premissas é acreditar. Acreditar que apesar de uma mata densa que pouco ou nada faz adivinhar haver caminho, ele existe – e se vale a pena!

Ajuda muito ter alguém que conhece as montanhas de Melgaço como a palma da mão. Não é por acaso que Paulo Faria faz o que faz e tem a empresa que tem, mesmo que também haja quem opte por explorar caminhos íngremes e apertados de forma autodidata – o que nem sempre corre bem.

O percurso pode ser feito de três formas: Moto4, Buggy ou UMM, consoante o nível de adrenalina, conforto e autonomia procurado, mas a última opção é a mais confortável na hora de passar entre lençóis de mato que se atravessam pelos caminhos e que apenas são abertos com a perícia de um condutor experiente ao volante de um “bicho” que é dotado para estas missões.

Os trilhos que hoje em dia servem para passeios turísticos foram noutros tempos os sítios mais procurados de passagem de contrabando entre Espanha e Portugal. Ladeados pelo rio Minho, eram os atalhos que atravessavam a montanha. “Há várias povoações, especialmente na zona perto do rio que se formaram devido às trocas entre países e contrabando. Somos uma zona de contrabandistas e não temos problema nenhum em dizê-lo”.

O contrabando é uma marca desta terra, não uma cicatriz. As gentes e os locais fizeram a sua história – e as suas famílias em muitos casos – nessas vidas em que a troca de produtos, então ilegal, de um lado e do outro da fronteira, era parte do dia-a-dia. De Espanha traziam bananas e chocolate, de Portugal havia quem levasse sabão e café. Do cimo de um dos muitos miradouros encontrados pelo caminho conseguimos ver que há alguns percursos alternativos que a vegetação farta não consegue esconder – o que indica que por ali passaram e continuam a passar pessoas entre um lado e outro.

sapo.pt

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MELGAÇO, PESQUEIRAS NO RIO MINHO

melgaçodomonteàribeira, 09.03.24

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PORTUGAL AVANÇA COM CLASSIFICAÇÃO DE PESQUEIRAS DO RIO MINHO

A PATRIMÓNIO IMATERIAL

A candidatura das pesqueiras do rio Minho ao registo nacional de património imaterial foi apresentada em Melgaço, Viana do Castelo. A classificação também ocorrerá na Galiza.

A candidatura das pesqueiras do rio Minho ao registo nacional de património imaterial foi hoje publicamente apresentada em Melgaço, no distrito de Viana do Castelo, classificação que também ocorrerá na Galiza para preservar um saber comum aos dois territórios. Promovida pelo Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial (AECT) Rio Minho, a candidatura portuguesa foi submetida em fevereiro. Do lado espanhol, existe a intenção, mas o processo ainda não avançou.

Em declarações à agência Lusa, à margem da apresentação pública da candidatura nacional, hoje, na Câmara Municipal de Melgaço, a Secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural, Ângela Ferreira, explicou que são processos autónomos, apesar de se tratar de um património transfronteiriço. “Cada um dos países avança com a candidatura ao registo nacional. Do lado português a candidatura é coordenada pela Direção-Geral do Património Cultural e, do lado espanhol, pela sua congénere. São processos autónomos que visam preservar um saber partilhado pelos dois povos vizinhos”, explicou Ângela Ferreira.

Fronteira natural entre os dois países, o rio internacional concentra, nas duas margens, só no troço de 37 quilómetros, entre Monção e Melgaço, cerca de 900 pesqueiras, “engenhosas armadilhas” da lampreia, do sável, da truta, do salmão ou da savelha.

Desde a foz em Caminha até Melgaço, o peixe vence mais de 60 quilómetros, numa viagem de luta contra a corrente que termina, para alguns exemplares, em “autênticas fortalezas” construídas a partir das margens, “armadas” com o botirão e a cabaceira, as “artes” permitidas para a captura das diferentes espécies.

As estruturas antigas de pedra, são descritas como “habilidosos sistemas de muros construídos a partir das margens, que se assumem como barreiras à passagem do peixe, que se via assim obrigado a fugir pelas pequenas aberturas através das quais, coagido pela força da corrente das águas, acabando por ser apanhado em engenhosas armadilhas”.

As construções, “umas milenares outras centenárias, pressupõe um saber e compreensão da bacia do rio, das suas características biológicas, eco ambientais, físicas, orográficas, e as artes de pesca, testemunhas do conhecimento e vida das comunidades ribeirinhas e do seu sentimento de pertença a uma unidade cultural e identitária”.

Segundo Ângela Ferreira, a candidatura esta quarta-feira apresentada “vai ser analisada por técnicos da Direção-Geral do Património Natural”, podendo estar ainda sujeita, “a pedidos de esclarecimentos adicionais à equipa científica que a produziu”.

“Depois, obviamente, o processo culminará com a consulta pública, antes de ter o despacho final de inscrição no registo nacional de património natural e imaterial”, especificou, escusando-se a estimar um prazo para a conclusão do processo, por “variar muito, mediante os pedidos de esclarecimento ou a necessidade de investigações adicionais”.

Ângela Ferreira sublinhou a importância da “preservação do saber e do conhecimento” que as pesqueiras encerram, para garantir a “passagem às gerações futuras” de “um conhecimento imemorial”, uma “parte incontornável da história do rio Minho”.

“Esse vai ser um pilar fundamental da divulgação tanto nacional como internacional, desta prática e do território que acompanha o rio Minho, tanto do lado português como espanhol”, sustentou.

Já o presidente da Câmara de Melgaço, município que “deu o pontapé de saída” da candidatura, sublinhou que o objetivo do reconhecimento agora em curso, “mais do que guardar a história que as pesqueiras encerram é dar-lhe dinâmica, do ponto de vista económico, tornando-as numa referência para o setor de turismo”.

Intitulado “A pesca nas pesqueiras do rio Minho”, o estudo que sustenta a candidatura foi desenvolvido, nos últimos dois anos, por um grupo constituído por entidades portuguesas e galegas e liderado pelo antropólogo Álvaro Campelo. Esta quarta-feira, na apresentação do documento, Álvaro Campelo referiu a existência de pesqueiras noutros rios portugueses e espanhóis, mas “não com a dimensão, qualidade e relevância” das registadas no rio Minho.

“É um património vivo, mas que está em risco, claramente. Esta candidatura é uma oportunidade de dar valor a esta prática viva e um momento único para os jovens voltarem ao rio, onde tem estado praticamente ausentes, alertou.

Segundo o investigador, das 900 pesqueiras existentes no rio Minho, em Portugal estão ativas 160 e, do lado espanhol, cerca de 90.

Em Portugal, a Comunidade Intermunicipal do Alto Minho, que agrega os dez concelhos do distrito de Viana do Castelo, suportará cerca de 50 mil euros, e a província de Pontevedra, em Espanha, 45 mil euros.

AGÊNCIA LUSA

26/ago/2020

Estela Silva/LUSA

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PÃO, REBANHOS E BRUXAS EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 02.03.24

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forno em castro laboreiro

EM CASTRO LABOREIRO, NO EXTREMO NORTE DE PORTUGAL,

AINDA SE FAZ PÃO À MODA ANTIGA

António Catarino

5 de maio de 2017

Na aldeia moldada pelo granito e pelos rigores climatéricos da região das brandas e inverneiras, por onde correm garranos e cães da famosa raça local, o pão castrejo ainda resiste.

No lugar de Vido, a três quilómetros de Castro Laboreiro, Almerinda Rodrigues, Rosa Martinho e Isalina Pereira, mulheres de duas gerações, meteram mãos à massa e prepararam uma fornada à moda antiga. Almerinda Rodrigues, 79 anos, quase a bater nos 80, com o saber de experiência feito, foi explicando todo o processo e preparando o forno, enquanto recordava os tempos em que o povoado tinha mais habitantes que os sete atuais e o rebanho contava com duas centenas de cabeças, entre ovelhas e cabras.

Resignada, Rosa Martinho, 78 anos completados, enuncia as casas hoje desabitadas e aponta com o dedo em várias direções. Sabe de cor para onde foram os que partiram em busca de uma vida melhor, com mais comodidade. À conversa vêm estórias de tempos idos, quando havia bruxas por aqueles lados, como afiança Almerinda Rodrigues, desafiando, entre sonoras gargalhadas, alguns episódios ocorridos naquela terra onde o contrabando era prática mais ou menos generalizada.

O pão foi cozendo no forno, cumprindo-se rituais e preceitos ancestrais. O primeiro pão a sair, a tenda, como por ali lhe chamam, é para repartir, manda a tradição castreja. Mas, é preciso alguma cautela, como Isalina Pereira adverte, quando os pães bem quentes, são colocados no tabuleiro de madeira mesmo ao lado do forno.

Perto dali o velho forno comunitário espelhava a ignomínia do abandono, enquanto a água continuava a correr na fonte da empinada rua empedrada, onde um púcaro de esmalte, que já terá dado de beber a muitos caminhantes sequiosos, baloiçava ao sabor do vento fresco.

Com pão quente no bornal e sem beber água fria, era tempo de partir. À redescoberta da região de Castro Laboreiro.

TSF – Rádio Notícias

tsf.pt

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O EXÉRCITO ROMANO EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 24.02.24

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ACAMPAMENTO ROMANO EM MELGAÇO É O MAIOR E MAIS ANTIGO

DE PORTUGAL E GALIZA

Um acampamento militar romano em Lomba do Mouro, foi apresentado por um investigador como o maior e mais antigo de Portugal e Galiza.

Agência LUSA

02 jun 2021

Um acampamento militar romano em Lomba do Mouro, no planalto de Castro Laboreiro, Melgaço, alvo de intervenção arqueológica em setembro de 2020, foi esta terça-feira apresentado como o maior e mais antigo de Portugal e Galiza.

“A datação coloca o sítio da Lomba do Mouro como o maior e mais antigo acampamento romano da Galiza (Espanha) e de Portugal. Os resultados da datação da muralha do recinto apontam a sua fundação no século II antes de Cristo que coincide, também, com a famosa expedição do Décimo Júnio Bruto (general e político romano) que passou o rio Lima e chegou até ao rio Minho, e esta zona de Castro Laboreiro está entre os dois rios”, afirmou à agência Lusa João Fonte, investigador do grupo científico Romanarmy.eu.

Segundo o responsável, “o acampamento romano de Penedo dos Lobos (Manzaneda, Ourense, Espanha), mais antigo, data da época das Guerras Cantábricas (ano 29 antes de Cristo – ano 19 antes de Cristo)”, o que “confirma as operações romanas na Galiza cem anos antes”.

Com uma área superior a 20 hectares, a Lomba do Mouro foi descoberta através da utilização de novas tecnologias de análise de solos pelo coletivo de investigação romanarmy.eu e alvo de uma intervenção arqueológica em setembro de 2020.

A campanha foi liderada pelo arqueólogo da Universidade de Exeter João Fonte, no âmbito do projeto European Finisterrae financiado pela Comissão Europeia através de uma bolsa individual Marie Sklodowska-Curie.

Em declarações à Lusa, à margem da apresentação, esta terça-feira no Centro Cívico de Castro Laboreiro, Melgaço, Viana do Castelo, dos resultados da intervenção arqueológica da Lomba do Mouro, João Fonte adiantou que aquele acampamento “foi erguido durante a movimentação de um grande contingente de tropas romanas – de aproximadamente 10.000 soldados – que cruzou a Sierra del Leboreiro e a ergueu como fortificação temporária”.

“A campanha arqueológica confirmou a existência de duas linhas de parede de pedra que poderiam ter sido bem caracterizadas, incluindo elementos defensivos singulares, como pedras construídas ou cavalos frísios, um sistema para impedir o avanço da cavalaria ou as tropas do exército inimigo”, disse.

Durante a campanha foram recolhidas “amostras de sedimentos analisadas através de luminescência, técnica que permite datar a última vez em que os cristais de quartzo foram expostos à luz do sol. A datação média permitiu aos investigadores obter os dados da fundação do século II antes de Cristo”, explicou, adiantando que as análises foram efetuadas por um grupo de investigação CCTN (Centro de Ciências e Tecnologias Nucleares) do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa.

“Até agora, o acampamento romano mais antigo, também escavado pelo grupo científico romanarmy.eu foi o de Penedo dos Lobos (Manzaneda, Ourense). Foram encontradas moedas ligando o recinto às campanhas de guerra conhecidas como Guerras Cantábricas, com a qual o imperador Octávio Augusto encerrou o processo de conquista da Hispânia”, descreveu.

“O acampamento de Lomba do Mouro foi construído cem anos antes de Penedo dos Lobos”, reforçou o investigador.

Este acampamento situa-se “numa zona de especial concentração de sepulturas megalíticas e foi descoberto através da tecnologia LIDAR fornecida pelo projeto espanhol PNOA – Plano Nacional de Ortofotografia Aérea”.

O acampamento romano “ocupa mais de vinte hectares de terreno, com duas linhas defensivas, com apenas oito quilómetros em linha reta”, sendo que o grupo científico romanarmy.eu localizou também outro sítio militar temporário de dimensões semelhantes, a Chaira da Maza, no concelho de Lobeira em Ourense, o que leva à hipótese de se tratar de uma linha de avanço romana”.

João Fonte defendeu a “necessidade de continuar os estudos de investigação científica e arqueológica e depois é preciso apostar, de uma forma integrada, transfronteiriça a valorização destes sítios localizados na zona do Gerês-Xurés”.

“Um fim último deste trabalho seria poder criar uma rede transfronteiriça para dar a conhecer estes sítios temporários que se relacionam com o primeiro contacto do exército romano com as comunidades indígenas do Gerês-Xurés”, especificou.

Os arqueólogos do grupo científico “trabalharam exclusivamente na parte portuguesa do local”, numa investigação financiada pelo Fundo Ambiental do Ministério do Ambiente, pela Câmara de Melgaço e pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), no âmbito da valorização da rede de caminhos do Planalto de Castro Laboreiro.

O trabalho de campo, que durou cerca de duas semanas, foi realizado em colaboração com a empresa Era-Arqueologia.

Publicado no jornal on-line OBSERVADOR

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foto: era-arqueologia   lomba do mouro   planalto de castro laboreiro

 

 

MELGAÇO, CONTRABANDO E CONTRABANDISTAS

melgaçodomonteàribeira, 17.02.24

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castro laboreiro  mareco

 

MEMÓRIA DO CONTRABANDO E EMIGRAÇÃO CLANDESTINA EM MELGAÇO: PATRIMONIALIZAÇÃO E MUSEALIZAÇÃO

EXPLORAÇÃO DE VOLFRÂMIO

Lídia Aguiar

CIIIC-ISCET

Em Melgaço, como em tantos outros concelhos do norte e centro do país, a exploração de volfrâmio veio proporcionar um novo alento para as economias locais. Para as populações, a exploração deste minério constituiu uma segunda fonte de rendimento (a primeira era o contrabando), abrindo, mesmo que momentaneamente, expectativas de melhores condições de vida.

Em Castro Laboreiro a exploração do volfrâmio teve uma maior dimensão, do que em outros lugares. Terá começado já durante o período da I Guerra Mundial, tendo tido um grande pico durante a II Guerra. Neste caso foi levada a cabo predominantemente por populares, que acorriam ao Planalto de Castro Laboreiro, no lugar de Ceara, onde foram abrindo várias galerias.

Os populares vendiam-no no contrabando, maioritariamente já em Espanha. Verificou-se, no entanto, que durante o período da II Guerra, foram os Alemães os grandes compradores. Eles aguardavam os homens no sopé do planalto com os seus camiões prontos para carregar o minério. Cada homem alcançava um rendimento médio de 8 contos por dia. Este montante subiria bastante mais se ele tivesse a sorte de encontrar um bom filão.

Segundo o informante Filipe Esteves, morador em Castro Laboreiro, as mulheres tiveram nesta época um papel primordial. Dirigiam-se em grupos para as zonas mineiras, onde apanhavam as pedras que caiam das grandes cargas, ou algumas que elas próprias conseguiam apanhar, por se encontrarem mais à superfície. Dirigiam-se, então, para uma levada, onde lavavam e peneiravam o volfrâmio. Este mineral, preparado pelas mulheres, era vendido exclusivamente a um dos mais conhecidos contrabandistas da zona: o Mareco, ligado a um dos grandes consórcios.

No ano de 1955, estas minas acabam por ser registadas pela Companhia Mineira de Castro Laboreiro, com sede no Porto. O manifesto mineiro foi de João Cândido Calheiros, morador na freguesia de Prado, encontrando-se, este registo, no Arquivo Municipal de Melgaço, no Livro de Registos (Volfrâmio).

“Lembro-me bem do tempo do minério. Vieram para cá muitos homens, de muitos lados, apanhar aquelas pedras. Eram assim umas pedras muito negras, tão lindas que elas eram. Eles ficavam cá a dormir. Ganharam muito dinheiro naquele tempo.

E as mulheres daqui também para lá iam, coitadinhas. Era contudo, um trabalho muito pesado, pois apanhavam as mais pequenitas e iam lavá-las ao regato. Deram-lhes um dinheirinho, ai isso eu sei bem que deu”. Rosalina Fernandes – Castro Laboreiro – 29-10-2013.

Com a Companhia Mineira de Castro Laboreiro a dominar a larga maioria das minas, a população, em geral, perdeu os lucros avultados que até então conseguira.

Este fenómeno pode-se constatar em muitas outras zonas mineiras, ligadas ao volfrâmio, do norte e centro do país. Findo o negócio do volfrâmio, a população habituada a ter uma vida melhor, não mais a encontra no contrabando. Continuava a ser uma atividade plena de riscos e da qual não era possível obter um rendimento certo. Ao trabalho duro, o melgacense não tinha medo. Com a fronteira mesmo ao lado, com horizontes mais alargados, o convite à emigração era forte. Encontrou-se, deste modo, a grande alavanca para a mobilidade social (Castro&Marques, 2003).

 

REVISTA CIENTÍFICA DO ISCET

PERCURSOS&IDEIAS – Nº 7 – 2ª SÉRIE

2016

 

OFFICE OF STRATEGIC SERVICES

WASHINGTON D. C.

6 july 1945

DOCUMENTOS DESCLASSIFICADOS EM 1987

 

Manoel José Domingues – Mareco

Manoel José Domingues de Castro Laboreiro enviou ilegalmente volfrâmio, ouro e moeda por Espanha para os Alemães e ainda transacciona actualmente barras de ouro. Os seus sócios eram o Barros da Costa, o tenente Walter Thcebe, Artur Teixeira, Manoel Lourenço de Melgaço, António Esteves, Francisco Esteves, Manoel Pereira Lima e Adolfo Vieira de Monção. Antes da guerra as suas propriedades em Castro Laboreiro ascendiam a 200,000 escudos. Neste momento é detentor de propriedades avaliadas em aproximadamente 4,000,000 escudos no concelho de Melgaço e tem contas bancárias em Melgaço e Valença. No início deste ano o Domingues foi apreendido na posse de 17 barras de ouro no valor de 550,000 escudos. Não lhe aconteceu nada por causa da sua prisão. Os membros do Governo Português actual protegeram-no bem, e ele tem muita influência.

 

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MELGAÇO, ROTA DO ALVARINHO

melgaçodomonteàribeira, 10.02.24

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ROTA DO ALVARINHO

A Rota do Vinho Alvarinho está inserida na Rota dos Vinhos Verdes e é dinamizada pela Comissão Vitivinícola dos Vinhos Verdes e Solar do Alvarinho, em Melgaço. A rota dispões de vários aderentes entre as quais as adegas Quinta de Soalheiro, Fontaínha de Melgaço, Casta Boa, Quintas de Melgaço, Quinta da Pigarra, Reguengo de Melgaço e Quinta de Touquinheiras. Todas estas adegas dispõem de um contacto estreito com os seus visitantes, sendo os produtores os guias nas visitas às adegas e às vinhas. Através da Rota os produtores têm a vantagem de vender directamente aos seus visitantes, maximizando as margens de vendas, promovendo a marca e aumentando o número de potenciais consumidores, alargando os segmentos de mercado. Assim podem também angariar novas parcerias e potenciar a fidelização da marca, além de que aparecem novas oportunidades de venda de outros produtos locais, podendo obter novas fontes de rendimento.

É também através dos restaurantes Adega do Sossego, Boavista, Foral de Melgaço, Sabino, Chafarix, Panorama e Mira Castro que se divulgam os produtos endógenos e gastronomia típica da região. Cabe ao Solar do Alvarinho, casa mãe da rota e Centro de Artesanato ARTES fazer a divulgação dos produtos, valorizar as tradições e as práticas e dinamizar o território. Parte integrante da Rota são também os Museus e Centros de Interpretação, que no caso são seis, Posto de Turismo, Museu de Cinema de Melgaço-Jean Loup Passek, Núcleo Museológico da Torre de Menagem, Núcleo Museológico Memória e Fronteira, Porta Lamas de Mouro e Núcleo Museológico de Castro Laboreiro. Como apoio às visitas estão as diferentes infra-estruturas de Hotelaria, desde Turismo Rural ao Alojamento de Luxo, onde enunciamos a Casa da Granja; Albergaria Boavista; Monte de Prado Hotel e SPA; Reguengo de Melgaço e Albergaria Mira Castro.

Importantes, ainda, na divulgação da Rota e do Território e com impacto para o lazer e bem-estar no espaço estão as Empresas de Animação Turística como a Associação C. R. Melgaço Radical, DraftZone e Centro de Ecoturismo e Turismo Equestre da Serra do Laboreiro. Estas empresas possuem ainda acordos com instituições e empresas locais, como o Centro de Estágios e Complexo Desportivo e de Lazer do Monte de Prado com especial importância, para obtenção de descontos e promoções para os visitantes e participantes da Rota de forma a fidelizar clientes.

DESENVOLVIMENTO LOCAL: TURISMO, MELGAÇO E VINHO ALVARINHO, ESTUDO DE CASO.

Carina Venâncio

Dezembro de 2011

 

 

MUNDO DO FANTÁSTICO NO VALE DO MINHO

melgaçodomonteàribeira, 03.02.24

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convento de paderne

A PROCISSÃO DE DEFUNTOS

“Morava eu com os meus tios. O meu tio, que se chamava Cândido, era um corpo aberto: falava sozinho…, arrastava os socos…, tinha, assim, um comportamento diferente, mas era boa pessoa!

Uma noite, estava eu a arrumar a cozinha, mesmo ali perto da janela que dava para um caminho que ia para Castro Laboreiro. Mesmo junto havia uma Capela do Santo Cristo. Eu estava, então, a arrumar a cozinha e fui abrir a janela. Por ali passavam as gentes de Castro Laboreiro para irem para as feiras. Eles iam às feiras da Barca, dos Arcos, e saíam à quarta-feira. Traziam os porcos, os animais e outras coisas. Lá ao fundo, na entrada da vila, havia um posto de gasolina onde as camionetas paravam para meter gasolina. Quando era noite, as luzes, assim viradas para cima, para Castro, enchiam tudo de luz. Antigamente era tudo escuro…, não havia luz como agora! E eu ouvia os castrejos a rir e a falar, o ruído dos porcos… Era um divertimento! Naquele tempo não havia nada, nem rádio. Aquilo para mim era uma alegria.

O meu tio chegou à minha beira e disse: Rapariga! – Que é que me quer? – Fecha a janela! E eu respondi: - Não fecho! Pois eu estava ali só a me divertir… Mas ele disse-me assim: ou fechas a janela ou levas uma bofetada! Ele nunca me tinha falado assim! Vi que era coisa grave e fechei a janela.

Fechei a janela e deixei-o ir para a sala. A sala era grande e ficava ao fundo da casa. Ele lá foi, com os socos a rasto e a falar sozinho… era seu hábito… hui!, quantas vezes eu já o tinha escutado a falar assim… Mas depois, para me vingar dele, abri a janela. Ao abrir a janela vi aquelas luzes todas…, de várias cores: umas eram como a luz do sol, clarinhas; outras de um cor-de-rosa também clarinho; outras verdinhas…, mas muitas luzes!

Quando fixei melhor o olhar, aquilo saltitava de um lado para o outro…, umas mais altas e outras mais baixas (os homens são mais altos e as mulheres são mais baixas… nos enterros vão homens e mulheres). E saltitavam e iam a correr ali pela estrada fora, pelo caminho. Eu fiquei assim um pouco tonta: isto não é uma procissão de velas…, não vejo nenhuma pessoa!, só vejo ali as velas. Como é que elas saltam? E depois na frente vi uma grande luz, e essa grande luz ia lá no alto, por cima de todas! No outro dia vi o enterro e compreendi: era o mordomo que ia à frente e levava o crucifixo lá no alto. E a cabeça do Santo Cristo, aquela imagem na cruz, parecia uma roda de luz como uma tigela cheia de luz, fluorescente. Tinha uma cor… assim encarnado que não era bem encarnado… um cor-de-rosa…

E aquela luz ia na frente e comandava as outras luzes. As outras iam todas atrás dela. E eu não tive medo nenhum! Hoje é estrada, mas antigamente era um caminho fundo. E aquelas luzes meteram-se para o caminho do cemitério, e foram desaparecendo com a outra luz lá em cima.

No dia seguinte morreu um homem que vinha lá à Quinta, que eu conhecia muito bem. Ele tinha trinta e três anos e deixou uma mulher com trinta e três, trinta e um anos, com dois filhinhos. Eu fui ver o enterro, na beira da estrada, e aí vi que Cristo era mesmo a luz que ia lá em cima. Não disse nada ao meu tio porque tinha medo que ele me batesse, pois talvez ele pensasse que me acontecesse o mesmo que lhe acontecera a ele, como me contou a minha avó.

Quando ele tinha dezasseis anos, e diziam até que era um homem muito bonito… Um dia vinha de tapar uma água ali para os lados do cemitério, com um bonito chapéu (daqueles redondinhos como se usava naquele tempo) na cabeça. Então, passou por ele um grande cavalo branco que ia no caminho para Castro Laboreiro, e que atirou o chapéu dele para longe, e ele assustou-se! Assustou-se e ficou com o corpo aberto. Depois quando morria uma pessoa, ele sabia-o na véspera. Eu própria sou testemunha, pois a minha cama ficava encostada à parede do quarto ao lado do dele. De noite, ouvia-o gemer. E perguntava-lhe: Tio Cândido, o que é que teve ontem à noite? – Ah moça, eles “judiam” de mim… botam a burra à camisa; a canga às calças… judiam de mim!

Ele quando passou pelo cavalo ficou maluquinho. Mas a minha avó disse que fora com ele a uma mulher e que o fecharam com sete chaves de sete igrejas. Mas ele ficou sempre assim com o corpo aberto a estas coisas. Depois não era maluco, mas era assim bonzinho…, não se metia com ninguém. Via-se que, às vezes, com “a vista à ferida”… aquela vista, assim fixa nas pessoas… O maior sofrimento dele era à noite. Sempre a gemer, queixava-se que as pessoas se metiam com ele: “Judiam de mim!”.

Um dia encontrei-o de baixo de uma “lata”, assim deitado com os olhos abertos… Pensei que tinha tido um ataque: - Ó Tio Cândido, vossemecê o que é que tem? – Atiraram comigo…, atiraram comigo… Passaram com uma burra muito grande… - Mas aqui não passa uma burra! – Atiraram comigo moça…”.

Dª CONCEIÇÃO DE PADERNE, MELGAÇO, COM 56 ANOS

CAMINHANDO PELO MUNDO DO FANTÁSTICO DO VALE DO MINHO

ÁLVARO CAMPÊLO

REVISTA ANTROPOLÓGICAS Nº 6

2002

MUSEU DO CONTRABANDO EM MELGAÇO

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A MEMÓRIA COMO PATRIMÓNIO: DA NARRATIVA À IMAGEM

Luís Cunha

O núcleo museológico «Espaço Memória e Fronteira» legitima-se a partir de uma reivindicação de especificidade geográfica, a que se associam práticas sociais que o museu procura retratar:

O concelho de Melgaço é caracterizado por uma fronteira extensa e diversificada, que vai desde o rio Minho, passando pelos rios de montanha como o Trancoso e o Laboreiro e uma raia seca que se estende ao longo do planalto de Castro Laboreiro. Esta situação geográfica criou condições para que, ao longo do conturbado século XX, se enraizassem em Melgaço duas realidades, que se cruzam para além do traço comum da fronteira: a emigração e o contrabando. É da memória dessas duas realidades, que surge o «espaço memória e fronteira» (Folheto de apresentação do «Espaço memória e Fronteira»).

Ao mesmo tempo que apontam a “criação de um produto turístico e cultural” (Esteves & Sousa, 2007: 42), os responsáveis pelo museu vincam um conjunto de escolhas estéticas que visam provocar um efeito visível pelo visitante:

A proximidade do ribeiro e o dramatismo induzido pelas margens escarpadas do mesmo, emergiram desde o início do projecto como uma interessante alegoria à temática, pela analogia que permitiria estabelecer com a noção de fronteira, designadamente no que se refere ao troço em que este coincide com o rio Minho (Esteves & Sousa, 2007:43).

A construção de uma ponte pedonal junto ao museu, ao mesmo tempo que permite a ligação do núcleo antigo da vila às novas áreas de expansão, visa uma leitura simbólica, no caso a da passagem do rio/fronteira, inevitavelmente associada à emigração e ao contrabando.

Paralelamente à recolha de objectos associados ao contrabando e à emigração, o projecto compreende também a recolha de testemunhos e de histórias de vida. Assumindo-se como produto turístico proposto aos visitantes da vila, a verdade é que o «Espaço Memória e Fronteira» elabora também um discurso referencial para dentro da comunidade. As ideias de coragem e sacrifício ocupam um lugar central na narrativa que o museu propõe. No que diz respeito especificamente ao contrabando, a sua evocação assenta num conjunto bem definido de sinais atribuídos a essa actividade, dos quais se destaca a imagem do contrabandista como um empreendedor, alguém dinâmico e sagaz, capaz de enfrentar com bravura os obstáculos naturais e com inteligência a oposição dos guardas-fiscais. No que diz respeito à história do contrabando, esta é feita mais a partir dos produtos contrabandeados do que da modificação organizacional das práticas. Assim, entre os objectos expostos, encontramos amostras de vários produtos transportados pelos contrabandistas, mas também a farda de um guarda-fiscal, um barco usado no contrabando fluvial, autos de apreensão de mercadorias, etc. Já a imagem do contrabandista é relativamente plana, como se existisse uma espécie de suspensão do tempo.

O município de Melgaço, em alternativa à criação de um único espaço museológico, tem optado pela criação de uma rede de pequenos museus. O núcleo museológico da Torre de Menagem e as Ruínas Arqueológicas da Praça da República têm, também eles, uma evidente conotação histórica, mas o «Espaço Memória e Fronteira» é o único que procura fazer uma ponte com o presente, isto é, que procura dar sentido e conteúdo à memória colectiva através da construção de uma narrativa em que a comunidade pode e deve rever-se. A junção do contrabando e da emigração no mesmo espaço físico e em semelhantes balizas expressivas faz por isso todo o sentido. Não só pela permeabilidade entre as duas actividades – em lugares de fronteira a emigração incrementa-se não tanto pela diminuição do contrabando mas pelas transformações internas da actividade – mas também porque congregam tópicos discursivos convergentes. As ideias de travessia, de clandestinidade, de enfrentamento dos perigos e da luta pela sobrevivência e melhoria das condições de vida para a família, contam-se entre esses tópicos.

 

UNIVERSIDADE DO MINHO

CRIA

 

A MISERICÓRDIA DE MELGAÇO

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MISERICÓRDIA DE MELGAÇO

Esta Santa Casa estava em funcionamento já na primeira metade do século XVI. Inicialmente governou-se pelo compromisso da Misericórdia de Lisboa de 1516 e adoptou posteriormente o de 1618. A vila de Melgaço integrava o senhorio da Casa de Bragança, estando, portanto, sob a sua jurisdição. Em 1531 a Santa Casa estava já em actividade e, nesse mesmo ano, recebeu de D. João III o consentimento para integrar a gafaria de S. Gião, situada extra-muros. O pedido tinha partido dos mesários da Santa Casa, que afirmaram que «avya muitos anos que hy não avya» nenhum lázaro e «tinha o ditto espritall certas propriedades que rendiam entre em cada humm ano juntamente setecentos e trinta e dous réis». Acrescentavam ainda que as mesmas propriedades andavam mal aproveitadas e sem administradores.  Após consulta do provedor de resíduos, hospitais e capelas da comarca de Viana, a quem D. João III ordenou que se munisse de informação completa, o monarca concordou com o pedido dos irmãos. Declarou, contudo, que os confrades cumprissem os legados da responsabilidade do referido hospital e das suas rendas reconstruíssem a sua igreja, para se celebrassem as missas a que este estava obrigado. O remanescente seria empregue em obras de misericórdia. Embora, a incorporação fosse autorizada pelo monarca, um alvará de 1562, para que o referido hospital fosse anexado à Misericórdia, prova que o mesmo não foi incorporado em 1531. Apesar das preocupações expressas por D. João III, o hospital de S. Gião foi desmantelado e, em 1790, apenas existia uma pequena capela, dedicada ao santo padroeiro. A incorporação desta gafaria na Misericórdia significou o ingresso de novas receitas, possibilitando-lhe um crescimento sustentado. Em final do século XVI, a Santa Casa demonstrava já capacidade económica e dinamismo para empreender obras de vulto na sua igreja. Os confrades contaram com as esmolas de um número alargado de fiéis, com as receitas do peditório que realizavam pelas freguesias, com os proventos das multas aplicadas pelos oficiais camarários e com as receitas do peditório das feiras. Existia em Melgaço uma feira mensal onde ocorria muita gente proveniente de todo o Minho e também da Galiza. Os mesários distribuídos aos pares, iam à feira pedir para a Santa Casa. Esta estratégia prevaleceu ao longo de toda a Idade Moderna, dando conta do significado e importância que tinha a confraria. Para a construção da igreja, os irmãos contaram também com a ajuda enviada pelo duque de Bragança, D. Teodósio II. O duque mandou a quantia de oito mil réis, em 1590, provavelmente respondendo a um pedido da irmandade. Apesar de se conhecer hoje melhor a interferência dos duques nas instituições de assistência do seu senhorio, e de já se ter estabelecido a relação entre proximidade do Paço Ducal e intervenção dos duques, falta ainda avaliar o seu desempenho, enquanto promotores de práticas de caridade nas misericórdias mais longínquas de Vila Viçosa. Em 1597, foi a vez de D. Filipe I enviar 10 000 réis à Santa Casa. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, a confraria foi confrontada com novos desafios. A guerra da Restauração levou-a a prestar cuidados de saúde aos soldados. A Santa Casa comprometeu-se a trata-los nos quartéis, uma vez que não dispunha de hospital. Desenvolveu também várias solenidades religiosas: as festividades da Quaresma e a festa de Santa Isabel. Durante a Quaresma, a instituição efectuava vários desfiles processionais: o de domingo de Passos e os de quinta e sexta-feira santa.  No domingo de Passos, depois do sermão, os irmãos organizavam uma procissão, onde se integravam figuras religiosas, cheias com colmo, que se instalavam ao longo do itinerário, e distribuíam-se doces pelos «anjos» e pelos sacerdotes. Para a sua realização, a irmandade efectuava um peditório prévio. Os irmãos iam pelas freguesias pedir, cabendo-lhes apenas efectuar o registo da dádiva de cada um. O transporte das ofertas era realizado pelos mamposteiros, que se encarregavam de as fazer chegar à Santa Casa. Para além da «armação dos Passos», ou seja, de efectuar o calvário e todo o cenário em que se desenrolavam as cenas religiosas, era preciso ornamentar os andores. O andor do Senhor dos Passos era transportado por «coatro mancebos» e o pendão dos Martírios deveria ser carregado por «hum mancebo robusto», dado o seu peso. Em 1645, foi determinado pela Mesa que os andores se encomendassem «aos donos das posturas das cruzes (e) que os ornem com muita decência». Na semana santa, a procissão de quinta-feira era a mais grandiosa. O desfile saía às oito horas da tarde e regressava pela noite dentro. Era composto apenas por homens. Uma directiva do arcebispo bracarense D. Rodrigo de Moura Teles interditou a participação das mulheres nestas manifestações nocturnas. Saía da igreja da Santa Casa, dirigia-se à capela de Santo António, daí para a capela de S. Gião, desta para a igreja de Nossa Senhora da Orada e depois para a igreja Matriz, para recolher novamente na igreja da Misericórdia. Era uma ocasião importante, que obrigava a Casa a grandes esmeros. Preparavam-se as bandeiras, os andores, as alfaias religiosas, efectuavam-se compras e cuidavam-se das imagens, dos caminhos e da igreja. Nos templos por onde passava o desfile, a confraria colocava irmãos a pedir. Ao longo de toda a procissão existia outro confrade encarregue de rogar esmolas aos que assistiam. O cortejo era marcado pela presença de pedidores, que exortavam o crente ao desprendimento e à compaixão para com os mais desafortunados. Para a realização desta procissão exigia-se o empenho de todos os irmãos. No dia anterior e no próprio dia efectuavam-se os preparativos e «virão todos ajudar a armar a Casa». Toda a irmandade devia concorrer para um bom desempenho. Quando o trabalho era muito e os mesários não eram suficientes, mobilizavam-se todos os da instituição. O mesmo acontecia em Ponte de Lima não apenas para colher informações sobre as órfãs, mas também na distribuição de esmolas, no dia dos Fiéis-Defuntos. Por fim, a festa de Santa Isabel realizada a dois de julho. Esta festa honrava a padroeira, mas em Melgaço ela era sobretudo dedicada aos pobres. Apesar do avanço historiográfico conseguido nos últimos anos no campo das Misericórdias, a festa de Santa Isabel continua por estudar, sobretudo enquanto momento de caridade. Durante este dia os confrades desdobravam-se em trabalhos para satisfazer as petições. Em 1672, gastaram-se 3 600 réis nas esmolas enviadas. A dádiva podia ser de pão ou incluir também dinheiro. No século XVIII, estas ofertas diminuíram, embora continuassem a ser entregues. Ajudavam-se igualmente presos, doentes, passageiros, «alguns particulares» e pobres envergonhados. A assistência à alma era uma das principais atribuições da Santa Casa. Os pobres que morressem em suas casas, que aparecessem mortos na rua ou que se tivessem afogado, eram amortalhados e sepultados gratuitamente pela confraria, na sua igreja. Mandava-se-lhes ainda celebrar uma missa pela sua alma no dia do funeral. Porém, todos os que desejassem ser enterrados na Matriz ou em qualquer outro templo, seriam obrigados a pagar a tumba. Para o serviço ser gratuito estava, pois, condicionado à sepultura da sua igreja, local sobre o qual tinha jurisdição. Os irmãos eram igualmente sepultados gratuitamente. A Santa Casa tinha duas tumbas: a «inferior» e a «nova e superior». Para os restantes funerais possuía uma tabela com o preçário. Dentro da vila e na tumba «inferior», o preço era de 480 réis. Se residisse extra-muros, o preço ascendia a 720 réis. A tumba melhor custava para ambos os casos 2 400 réis. A Santa Casa possuía o privilégio de enterrar fora do termo da vila, podendo ir até às freguesias de Cristóval e de Paderne, termo de Valadares. Neste caso, e sendo irmão pagaria 1 600 réis, para a «refeição ou como regularmente chamam beberete de irmãos». A Misericórdia dava dois arráteis de bacalhau ou o seu valor em dinheiro a cada irmão que ia acompanhar o funeral. Estas freguesias distam alguns quilómetros da vila, obrigando os confrades a efectuarem longas caminhadas e a gastos de tempo. Por isso, este pagamento contribuía para os aliciar a comparecer e a tornar menos onerosa a sua participação. Os não irmãos eram obrigados à mesma contribuição. Se fossem sepultados na tumba «nova» pagavam 2 400 réis e na tumba «inferior» 800 réis. Os acompanhamentos efectuavam-se sempre na presença do padre capelão, que rezava dois responsos: um à saída da casa do defunto e outro quando o corpo era lançado à terra. Deveria rezá-los sempre em «voz baixa e submissa», como o próprio acto requeria. Instituição pequena, a Misericórdia de Melgaço tinha na assistência à alma a razão mais forte da sua existência, muito à semelhança do que se verificava na Santa Casa de Valadares.

ALTO MINHO: MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÓNIO

MEMÓRIAS PAROQUIAIS

Maria Marta Lobo Araújo

pp. 669-670

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