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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

FRONTEIRA E VIGILÂNCIA NO TEMPO DA GUERRA CIVIL DE ESPANHA

melgaçodomonteàribeira, 14.09.24

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lámina - desenho de conde corbal

REFUGIADOS EM PORTUGAL. FRONTEIRA E VIGILÂNCIA NO TEMPO

DA GUERRA CIVIL EM ESPANHA (1936 – 1939)

Fábio Alexandre Faria

No distrito de Viana do Castelo a situação apresentava-se mais complicada, sendo constantes os pedidos e as ações de reforço dos postos fronteiriços de vigilância. A 31 de julho de 1936, o Comandante da PSP de Viana do Castelo, Tenente Francisco Pimenta da Gama, comunicava ao comando geral que, em consequência do grande movimento de pessoas na fronteira, resultante do ataque franquista à cidade de Tuy, havia deslocado 22 guardas e um graduado para reforçar os postos fronteiriços da Polícia Internacional e da Guarda Fiscal. Já o governador civil desse distrito, Tomás Fragoso, requeria ao ministro do Interior que fosse reforçado o posto da GNR de Melgaço devido ao facto de se ter registado a entrada por Castro Laboreiro de espanhóis armados que procuravam localizar os adversários políticos que se tinham refugiado em Portugal.

Esta região parece ter sido uma das mais complicadas de vigiar, sobretudo devido ao terreno acidentado e montanhoso. Em finais de agosto de 1936, foi nomeada uma patrulha com a particular missão de investigar se as casas dos habitantes de Castro Laboreiro estavam a ser alvo de buscas por parte de espanhóis armados, concluindo-se que estes eventualmente teriam entrado em Portugal perseguindo algum fugitivo e não para alterar a ordem pública por meio de buscas domiciliárias e ameaças. Segundo este ofício, foram detidos, na mesma altura, quatro cidadãos que estavam escondidos na região de Castro Laboreiro e o chefe da Polícia Internacional de S. Gregório multou os portugueses que tinham acolhido os refugiados, considerando que o fizeram por amizade e não por identificação política.

Para colmatar as dificuldades existentes nesta zona, a PVDE considerava que a reduzida fiscalização dos postos, geralmente levada a cabo por apenas três praças, só melhoraria com um forte reforço, dada a grande extensão da área, e que o destacamento de praças da GNR deveria ser deslocado de São Gregório para Castro Laboreiro de forma a garantir uma fiscalização mais eficaz.

REVISTA PORTUGUESA DE HISTÓRIA 48

Margarida Sobral Neto

Imprensa da Universidade de Coimbra

2017

pp.82-83

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castro laboreiro

 

ÁGUAS DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 07.09.24

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ÁGUAS GASOCARBONOTADAS

ÁGUAS DE MELGAÇO

As nascentes do Peso, freguesia de Paderne, concelho de Melgaço, situam-se a cerca de 2 km a SW da vila de Melgaço. Destacam-se na localidade do Peso duas ocorrências distanciadas 120 m, dispostas segundo direcção E-W (Ribeiro e Moreira. 1986). As nascentes situam-se, concretamente, na confluência entre a Corga de Surribas e o Ribeiro da Cividade (Nascente Principal) e mais a oeste, na margem esquerda do Ribeiro do Peso (Nascente Nova). Estes ribeiros juntam-se e formam um pequeno afluente do rio Minho, o ribeiro da Folia.

Na zona distingue-se, sob ponto de vista hidrogeológico, um granito de duas micas, cortado por filões pegmatíticos orientados segundo direcção N-S, filões de granito claro, de grão mais fino que o granito encaixante, com orientação E-W (Ribeiro e Moreira, 1986).

A nascente principal é captada por galeria ao longo de um filão pegmatítico orientado segundo N-S e a Nascente Nova é captada em poço, contribuindo com o maior caudal.

A água mineral que nasce na Concessão de Melgaço é mesossalina, com reacção ácida e função pronunciadamente alcalina. É uma água gasocarbónica, bicarbonatada, cálcica e ferruginosa (Silva, 2002). D’Almeida e D’Almeida (1988) referem que certas propriedades químicas, nomeadamente a presença de elevada quantidade de ferro num ambiente rico em gás carbónico, conferem a estas águas uma capacidade muito notável, verificando-se a turvação e a precipitação de alguns dos seus minerais pouco depois de expostos ao ar. Tendo em conta as suas propriedades mineromedicinais é comercializada e engarrafada com o nome de Águas de Melgaço.

O primeiro registo das Águas de Melgaço data de 1884, altura em que corre a notícia do caso extraordinário da cura da mulher de um médico de Vila Nova de Cerveira que sofria de uma doença do estômago. A partir daí as águas ganham fama pelos seus poderes ao nível digestivo. Em 1885 efectuou-se a primeira análise química detalhada da água da fonte principal de Melgaço e consecutivamente foi criada uma infra-estrutura de madeira onde se processa o engarrafamento que serviu simultaneamente para abrigo e comodidade dos doentes. Em 1924 foi criada a estância balnear, altura em que recebia pessoas de todo o país, tendo o seu edifício e espaço envolvente contribuído para um maior afluxo de visitantes. Hoje a estância termal encontra-se bastante degradada e sem actividade, estando a decorrer obras de requalificação de um espaço que pelo seu valor cénico e hidroterapêutico muito contribuiu para a divulgação da região.

PATRIMÓNIO GEOLÓGICO DO VALE DO MINHO E SUA VALORIZAÇÃO GEOTURÍSTICA

Marta Susana Fernandes Rodrigues

Universidade do Minho

Escola de Ciências

Novembro 2009

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À DESCOBERTA DE CASTRO LABOREIRO E SUAS GENTES

melgaçodomonteàribeira, 31.08.24

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FICAR “CHIMPADO” COM CASTRO LABOREIRO

Jorge Montez (texto)

Miguel Montez (imagem)

Do planalto aos picos escarpados da serra da Peneda, é em Castro Laboreiro que se encontra uma das mais grandiosas paisagens de montanha do continente. Pela natureza, mas também pela forma como o homem soube fazer seu este território, é natural que se fique “chimpado” com a aldeia serrana do concelho de Melgaço.

Este é o território do lobo e agora também das cabras pyrenaicas, do garrano e da vaca cachena. São os céus da águia de asa redonda e da mais rara águia real. Aqui voam os grifos e saltitam os corços. No alto da serra da Peneda, ali onde Portugal se encontra com Espanha, o tojo e a urze imperam no planalto, enquanto as encostas são cobertas por carvalhos, vidoeiros e pinheiros silvestres.

Esta é uma das paisagens mais intocadas de Portugal, fazendo parte integrante do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Mas é também uma paisagem humanizada, que o homem escolheu há milénios para viver. Castro Laboreiro é uma aldeia de costumes e tradições antigas que o antigo isolamento ajudou a preservar.

Fossem Gorriões ou Camarros, ou mesmo Truitinhas, os homens e mulheres que ao longo dos séculos habitaram Castro Laboreiro conseguiram fazer seu um território de grandes fragas e penedios que não se deixam moldar.

Esta é uma terra de gente de vida dura, marcada pelo ritmo das estações, que fez do centeio e da pastorícia o seu ganha-pão e que tinham casa de inverno para fugir aos rigores da neve na zona mais alta. As brandas e inverneiras fizeram desta aldeia de 40 povoados um caso único no mundo.

O rio Laboreiro nasce no planalto e corre pelos vales da Peneda em direção ao rio Lima. Pouco depois da foz, corta ao meio a aldeia. Os que vivem numa margem ganharam o nome de Gorriões e os que habitam na outra eram os Camarros. Truitinhas são os que vivem no centro da aldeia. “Durante muitos anos, Gorriões e Camarros não se deram. Não tinham qualquer contacto e nem se falavam”, conta Filipe Sousa, filho de pais que quebraram a tradição e – quais Romeu e Julieta – viveram o amor antes proibido.

Este caráter moldado pela imponência da paisagem, pelos rigores das estações e pelo isolamento, faz dos castrejos gente especial, que desde sempre lutou para sobreviver numa zona pouco amiga do homem. De grande ajuda, nos tempos em que havia muito gado no monte, era o cão mastim de pelo malhado e olhos cor de mel. O Castro Laboreiro é um cão de guarda por excelência e são míticos os seus recontros com o lobo.

TERRA DE TRADIÇÕES

Aqui nesta aldeia remota, nunca ninguém comprou ou vendeu a lã que os seus rebanhos dava. “Vender lã dá azar, porque é para fazer roupa e agasalho. Ainda hoje, trocamos a lã por colchas, toalhas e lençóis, mas não vendemos, continua Filipe Sousa, enquanto leva as suas ovelhas a um novo pasto.

Com o declínio da pastorícia, o Castro Laboreiro esteve em vias de extinção, mas uma família tomou em mãos a preservação da espécie e os grandes e falsamente pachorrentos cães conseguiram sobreviver. “O Castro Laboreiro é um cão doce, mas um óptimo guarda. Deixa as pessoas entrar, mas já não as deixa sair”, conta Sara Esteves que, juntamente com o marido e o filho, salvou a raça.

Com grande parte do território a fazer fronteira com Espanha, durante décadas a população de Castro Laboreiro teve no contrabando uma forma de vida. Pelos caminhos do monte levavam-se vacas, ou em tempos precisos, minério, para de lá trazer o café, o sabonete e os artigos que deste lado escasseavam.

Depois veio a emigração. Nos anos 60 e 70, a maior parte dos homens foi para terras de França ganhar a vida. Muitos ficaram por lá. Nesses tempos de comunicações difíceis, as mulheres vestiam de negro completo quando os seus maridos iam a salto pelos caminhos do contrabando. Ficaram conhecidas como Viúvas de Vivos, como lhes chamou José Cardoso Pires.

Exigia-o a sociedade e o decoro próprio de quem no casamento já ia de preto e desde menina que não vestia roupas garridas. Usavam a capa de inverno e também os calções que aqui são de lã grossa e servem para proteger as pernas do frio e dos espinhos do mato. Tornavam-se Viúvas dos Vivos para não serem apontadas na aldeia e para se precaverem de alguma desgraça que acontecesse em terras de França e cuja notícia demorasse a cá chegar.

Maria Olinda Gonçalves lembra-se bem do dia em que o seu marido partiu. “Tinha 19 anos quando ele emigrou e no dia seguinte saí à rua toda de preto. Não ia com este traje, mas usava calças ou saias pretas. As da minha geração foram as últimas viúvas de vivos. Quando ele chegou passados três meses disse que não me queria ver assim e como na altura éramos muitas mulheres novas na aldeia, apoiámo-nos umas às outras e deixámos de vestir de negro”. Estávamos em 1987.

MAMOAS, PONTES, CASTELO E MOINHOS

Esta é, como se disse, uma paisagem de que o homem fez parte. Ao correr do rio Laboreiro encontramos os moinhos e as pontes romanas e medievais de pedra de um ou dois arcos. O núcleo central da aldeia é dominado por um imenso penhasco no alto do qual existe um castelo que teve importância no estabelecimento da nacionalidade que recebeu mesmo a visita de D. Afonso Henriques. E no planalto, encontramos a mais importante necrópole megalítica da Península Ibérica.

São histórias que nos podem deixar “chimpados” (pronuncia-se “tchimpados”). Os castrejos, mercê do isolamento do alto da serra e da proximidade das aldeias galegas, têm um falar muito próprio e com expressões únicas. Um chimpado é um tolo que o pode ser permanentemente ou ter ficado depois de ver qualquer coisa de único. Por isso, corremos todos o risco de ficar chimpado com a beleza, a história e tradições de Castro Laboreiro.

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planalto de castro laboreiro

 

NADA A DECLARAR III

melgaçodomonteàribeira, 24.08.24

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posto da gf em s. gregório  -  ao centro

A GUARDA FISCAL

Em S. Gregório encontramos Avelino Fernandes, um antigo guarda-fiscal. “Vivi naquele período que toda a gente detestava. No dia que abriu a fronteira deitaram foguetes ali no bar. Passados uns anos estavam todos a chorar”. A Guarda Fiscal foi o braço armado do Ministério das Finanças, particularmente da Alfândega Portuguesa. Tinha como principal missão evitar e reprimir as infrações fiscais. O objetivo era a obtenção de receitas, defendendo os interesses da Fazenda Pública. Aos guardas era exigido o cumprimento da lei, independentemente dos atos que tivessem de tomar. Qualquer objeto era considerado suspeito e todas as pessoas que passassem a fronteira eram alvo de fiscalização. Os habitantes de S. Gregório sentem imensa pena de ver a antiga alfândega e as casas dos guardas degradadas. “Na altura, havia imenso movimento. Havia uma senhora que tinha uma taberna. Ela ajudava-os a passar. Tudo se sabia aqui. Quando via que alguém vinha para emigrar fazia um sinal de divisa, para informar que ali estava um guarda”, conta Catarina Oliveira.

Com a implementação em 1992 do Acordo de Livre Circulação de Pessoas e Bens no território da Comunidade Europeia, a fronteira terrestre deixa de ser relevante como marco de defesa do território. A Guarda Fiscal é extinta em 1993, sendo desativados todos os postos. “Não houve drama nenhum Uns foram integrados na Guarda Nacional Republicana (GNR) e outros reformaram-se. O drama não foi por aí. Houve sempre um sentimento da Guarda Fiscal que ainda hoje existe. Ainda hoje fazemos convívios. Aquele sentimento mítico é muito difícil de se apagar. Nós eramos como uma grande família. Fui para a GNR e fui muito bem estimado lá. Integrei-me muito bem. Mas, claro que estive muitos anos na Guarda Fiscal e é difícil”, ouvimos estas palavras de um saudoso Avelino Fernandes. No entanto, a indignação também toma conta da sua voz: “Quantos empregos se perderam na fronteira? Foram milhares! Nós eramos privilegiados. Havia um nível de vida alto. Vivia-se bem. Ganhava-se dinheiro, gastava-se”.

Avelino conta-nos que foi destacado para S. Gregório em 1973, ano em que o Almirante Américo Tomás veio visitar a fronteira. ‘Aqui começa Portugal’, lia-se na pedra recém-inaugurada pelo Almirante. “As letras roubaram-nas, a pedra ainda lá está”, refere o antigo guarda-fiscal e continua: “Quando se deu o 25 de abril, as pessoas que apoiavam o Almirante e apoiavam o regime fascista viraram-se”.

O antigo guarda-fiscal recorda: “Vim para a Guarda Fiscal com o Marcelo Caetano. Verificou-se ali uma abertura liberal. Claro, a mentalidade dos guardas mais antigos era diferente da nossa. O guarda tinha que ter um comportamento muito disciplinar em relação ao contrabando. Eles (os guardas mais velhos) apreendiam qualquer coisa e os mais novos já eram mais passivos”.

Apesar de desempenhar as suas funções como guarda-fiscal, não estava de acordo com muito do que se passava no antigo regime, “chegámos a ter conflitos com a polícia política. Eles eram capazes de nos complicar a vida, no entanto, tínhamos boas relações. Havia determinados assuntos que a gente dizia ‘isto não está bem’” e a resposta não tardava “cale-se que o senhor pode ser incomodado”, recorda Avelino.

A antiga casa da alfândega é feita em pedra com grandes arcos que antecipam a entrada. “Ninguém gosta de ver uma casa destruída, gosta? Uma arquitetura tão linda”. Os edifícios, na grande maioria foram entregues ao abandono, à degradação e à vandalização. “A nossa autarquia devia arranjar aquilo conforme a sua arquitetura original”.

Avelino gostaria de ver este património aproveitado, como por exemplo, um incentivo ao turismo. “Como o Museu Memória e Fronteira. O contrabando foi aqui, não foi lá (Melgaço). Não há nacionalismo nenhum. Como é que se pode abandonar um edifício assim? Como se pode abandonar Portugal? Criou-se ali o Museu do Contrabando, mas… abandonou-se um pouco o tema. Era como fazer em Lisboa um museu da agricultura”, partilha connosco.

Entramos na alfândega. Avelino caminha ao longo de todas as salas como se tivesse acabado de entrar em casa. Por momentos, parece estar novamente em tempos longínquos. A secretaria, o sítio de transmissões, a zona reservada aos oficiais, o quarto do oficial, o quarto de banho, a cozinha, a caserna. “Agora já não dá gosto vir aqui porque está tudo destruído”.

No entanto, Avelino Fernandes reflete acerca do impacto que o contrabando tinha na vida dos habitavam estas localidades. “O contrabando na fronteira terrestre era feito pela nobreza, pelo clero e pelo povo”. Corremos contra o tempo para preservar a memória dos tempos dos contrabandistas. Já não são tantas as memórias vivas que nos podem esclarecer sobre aquela época para percebermos que no Alto Minho a fronteira era apenas uma linha invisível. “Foi um sistema de vida. O melhor da minha vida já foi. A vida intensiva que tive aqui, acabou”.

ORIGINALMENTE PUBLICADO EM www.revistarua.pt

medium.com

Fotos: Arquivo do Blog

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cevide

 

NADA A DECLARAR! II

melgaçodomonteàribeira, 17.08.24

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cevide - ponte internacional

ALTO EM NOME DA FAZENDA NACIONAL

“A ‘pareja’ já tinha passado para cima. Havia a hora da muda, que era quando nós atuávamos”, explica o antigo contrabandista. O chamado ‘aguardo’ era feito por dois soldados que percorriam os locais por onde poderiam passar os contrabandistas. Havia um pacto de cavalheiros: quando o guarda avistava alguém, gritava “larga!” ou dava alguns tiros para o ar. O contrabandista devia deixar a mercadoria e fugir sem que os guardas fossem no seu encalço. “Os contrabandistas têm histórias de como nos conseguiam enganar e nós temos as nossas histórias. Às vezes, juntamo-nos e até vamos tomar um café. É uma forma de revivermos um pouco esta vida e esse tempo que aqui se passou”, conta Avelino Fernandes, conta o antigo guarda-fiscal.

Evitavam-se os guardas-fiscais do lado de cá e os carabineiros do lado de lá. O contrabandista socorria-se de truques e artimanhas para passar a mercadoria. O guarda-fiscal fazia o mesmo, mas no sentido inverso. Era o jogo do gato e do rato que fazia parte do quotidiano e que serve hoje para confraternização nesta zona. Era uma fronteira de oportunidades onde familiares, amigos e vizinhos partilhavam o dia-a-dia. Hoje, a zona raiana está isolada, desertificada. O antigo guarda-fiscal explica que a força tinha mais deveres do que fiscalizar os bens que atravessavam a fronteira, sendo a vigia e a segurança nacional uma das missões mais importantes. “Isto era a sentinela da nação. A Guarda Fiscal fazia apreensões aonde os apanhava. Havia aqueles mais habilidosos que diziam: ‘deixa-me ir embora e tal’. Hoje, se vai na estrada e a guarda quer multá-lo, o que é que faz? Se ele tiver um coração mais mole, diz: ‘vá, vá-se lá embora’. Se encontra um com o coração mais duro vai multá-lo e acabou! Aqui era igual”.

A gradual abertura à livre circulação provocou a extinção do contrabando tradicional. Em Melgaço, encontrámos S. Gregório, na freguesia de Cristóval, que outrora vivia sob uma azáfama de pessoas à procura de um negócio ou de uma oportunidade. Quando as fronteiras abriram os comércios fecharam e hoje é uma localidade deserta marcada pelos vestígios da antiga alfândega moribunda e das casas dos guardas.

Catarina Oliveira recolhe testemunhos de contrabandistas e de passadores pela região de Melgaço. “Conheci vários tipos de contrabandistas, desde aqueles que o praticavam para sobreviver, porque as famílias eram numerosas na altura e viviam principalmente da agricultura; os outros eram os patrões, os detentores do monopólio. Havia hierarquias dentro do contrabando”.

“Vivia-se na miséria”, conta Catrelo. Ser contrabandista era ter uma vida de perigos. A possibilidade de ser preso pela Guarda Fiscal, quando ainda em Portugal, ou, bem pior, ser-se preso pelos carabineiros, quando já dentro de Espanha, era real. Havia ainda o perigo de cair em algum poço de água. No entanto, o maior medo dos contrabandistas portugueses era ser apanhado por uma bala perdida dum carabineiro. Catarina Oliveira, socióloga na Câmara Municipal de Melgaço, conta-nos que “os carabineiros atiravam a matar! Sem dó nem piedade. Os guardas-fiscais eram mais fáceis. O ordenado deles não era excecional”. Catrelo acrescenta: “Os carabineiros, havia alguns que comiam, outros que não. Eu tinha muita confiança lá. Na zona raiana tenho mais amigos na Espanha do que cá. Quando o Vaqueiro e o Gaúcho dissessem pára, tinha-se mesmo de parar”. Para exemplificar conta-nos uma história: “Num dia que não pude ir aconteceu a tragédia. O meu colega, (José Maria Pereira, o Ratinho) levou um rapaz novato. O carabineiro gritou: Alto! Mas o rapaz não parou. Se ele parasse não lhe acontecia nada porque ele não tinha nada. Mas assustou-se e começou a correr. Aconteceu a desgraça. Matou. Matou”. Não vemos lágrimas nos olhos do antigo contrabandista mas a exaltação revela desconforto e angústia ao recordar a situação. A socióloga explica que, “a miséria era para todos e assim todos tinham a ganhar. Cada um recebia a sua parte. Em dinheiro ou em mercadoria. Temos registos de apreensões, tanto da Guarda Fiscal como da Guardia Civil”.

Normalmente, o contrabandista era pessoa conhecida. “Os criminosos, nós não sabíamos o que ali estava. Podiam ser assaltantes de bancos. Pessoas à mão armada que tentavam fugir pela fronteira, clandestinamente. Chegamos a prender alguns indivíduos”. Na zona fronteiriça, era obrigatório passar na alfândega quando se queria ir a Espanha. Segundo Avelino Fernandes, as pessoas tinham de pagar para passar. “Havia de tudo. Havia malfeitores. Havia pessoas que pediam para ir a Ourense porque estavam doentes. Era a vida da fronteira”. “Íamos para lá ganhar seis escudinhos”.

“Desmontámos um camião Volvo no meio de um campo de milho. Para a cabine, eram nove homens. Quem trouxe o saco das ferramentas fui eu, centenas de chaves que até arriava. Eu era espia, eles iam no barco e eu ficava a vigiar. Havia os guardas, uns enfiavam o barrete e outros não. Cada um safava-se”, conta.

Nascido em 1937, João José Costa Oliveira foi para Melgaço em 1957. “Foi lá que aprendi com o Manuel da Garagem, o maior contrabandista que houve na zona norte. Era o chefe da equipa daqui da zona do contrabando: lingotes, cobre, emigração, café”. Era à hora combinada, sempre à “primeira hora”, quando o dia adormecia que o grupo se juntava e ia buscar a carga, tomando conhecimento do percurso e do destinatário. “Diziam-nos: precisas de estar ali em tal sítio. Não há que falhar! Mais tarde é que abri os olhos e trabalhei por minha conta. Mas antes é que foi o duro do contrabando”. Quando interrogado acerca da sensação que sentia, Catrelo não hesita em responder: “Não sentia medo nenhum porque a gente já estava viciado naquilo e o serviço tinha que se fazer sem prejudicar o patronato. Nunca falhei aos meus patronatos!”

O contrabando não era só de mercearia. Pelo rio Minho passava também gado. Catarina Oliveira fala-nos que os porcos levavam-se pelo rio. “Há quem conte que também os passavam a nado”. No rio Minho usavam uma batela para fazer a passagem. Quase sempre durante a noite. Havia uma grande conveniência com a Guarda Fiscal, mas havia aqueles que eram mais fiéis ao regime e que não contemplavam a atividade. O contrabandista cerveirense exemplifica: “Cheguei a trazer suínos injetados no barco, de lá para cá. Trouxemos três. Quando vínhamos do barco já estrebuchavam”.

EMIGRAÇÃO

O contrabando de mercadorias também o foi de pessoas. “É engraçado que estas pessoas esquecem-se de muitas coisas, ma não têm dúvidas sobre o dia que marcaram a viagem, o dia que partiram e o dia que chegaram a França”, conta Catarina Oliveira.

Catrelo percorria o Alto Minho como árbitro da Associação de Futebol de Viana do Castelo. Usava-o para ir recrutando pessoas para dar o ‘salto’. “Quando aqui não se podia passar na emigração, arrancava-se com eles nos carros. Telefonávamos para a D. Maria e para os filhos. Ficavam lá numa serração e ia um táxi levar as malas”. Conta-nos que tinha já tudo combinado com os passadores em Espanha e que um dos cafés, próximos da linha do comboio, abrigavam os portugueses até a hora de partir chegar.

Depois do 25 de Abril, o contrabando e a emigração não pararam. “Levei centenas delas. Trabalhava para os outros, ganhava 500 escudos”. Aprendida a arte de passar as pessoas para o outro lado, começou o negócio por conta própria. “Eram 1500 escudos para os por lá na França”. Numa madrugada, pelas cinco da manhã, um táxi parou à porta da sua casa. Ao lado do condutor estava o chefe da polícia de Vila Fria. “Era o senhor Abel”. Catrelo recorda: “Perguntei se havia novidade”. Havia sim, o taxista, Joaquim Vilaça pediu-lhe para levar a filha do senhor Abel para França porque esta ia casar dentro de dois dias. Catrelo teve receio que fosse uma ratoeira e ainda tentou escapulir-se. No entanto, após verificar que o assunto era sério, aceitou fazer o serviço. “Aqui há ratoeira, tive medo! Mas disse que ainda que fosse preso, se ela quisesse ir no dia seguinte, que estivesse na caseta ao dar o meio-dia”. A filha do senhor Abel partiu e nada aconteceu a Catrelo. São muitas as histórias que nos conta e as atuais são sobre as pessoas que regressam e o reconhecem. “Ás vezes, aparecem aqui tantos e tantos que me dizem: “já não me conhece, mas foi você que me levou para a França”.

(continua)

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NADA A DECLARAR! I

melgaçodomonteàribeira, 10.08.24

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rio trancoso - s. gregório

CONTRABANDO, EMIGRAÇÃO, DESERTIFICAÇÃO. COMO SE VIVE NA FRONTEIRA

DEPOIS DO 25 DE ABRIL?

04/12/2016

Texto: Luís Leite

Foto: Luís Leite & Nuno Sampaio

Apoio: Sofia Moleiro

O contrabando foi o sustento de muitas famílias. Após o 25 de abril e o Acordo de Schengen, a atividade tornou-se obsoleta e a Guarda Fiscal foi suprimida. Percorremos a fronteira em busca de memórias desses tempos. Contrabandistas, guardas-fiscais e passadores eram vizinhos, amigos e até familiares. Hoje, a fronteira está deserta.

 

“Na raia não havia nacionalidade. Este espírito de fronteira era de facto diferente” conta Avelino Fernandes, antigo guarda-fiscal. Hoje, aos 68 anos, sente saudades da confraternização com os colegas de profissão. Mais a sul, entre Caminha e Valença, onde o rio Minho começa a alargar o seu leito em direção à foz, situa-se Vila Nova de Cerveira. “Se não fosse a emigração isto estava tudo muito mal. O que é que faríamos?”, a saga dos contrabandistas que atravessavam o rio Minho é contada por João José Costa Oliveira, mais conhecido como ‘Catrelo’, hoje com 77 anos.

“S. Gregório virou uma localidade fantasma. Havia três ou quatro lojas que vendiam uma barbaridade. Acabou-se o cambio da moeda”, relembra Alfonso Viso, um espanhol apaixonado pela história da região. Em Melgaço, todos dizem conhecer alguém que andou no contrabando, mas poucos são os que têm vontade de falar, quer por receio de represálias antigas, quer por pressões familiares. “Infelizmente, algumas pessoas tem um certo receio de falar porque se sentem reticentes, mas há outros que fazem-no com muito prazer, com muito orgulho”, diz Catarina Oliveira, socióloga e funcionária do museu Espaço Memória e Fronteira.

O Trancoso, um pequeno afluente do rio Minho – que pode ser cruzado a pé – fez desta fronteira uma das mais conhecidas do país. O rio, de curto caudal, também fazia parte da rota do contrabando. Trazer a mercadoria de um lado para o outro era uma arte que poderia ser crime mas que não era pecado. Pão, açúcar, ovos, sabão, café e tecidos eram alguns dos produtos contrabandeados. A fronteira não delimitava a ação de homens e mulheres, adultos e crianças que percorriam a obscuridade para ir buscar ao lado de lá o que fazia cá falta.

Estamos com um pé em Portugal e outro em Espanha na fronteira de S. Gregório, freguesia de Cristóval. Andávamos à procura do marco nº 1, em Cevide, a localidade portuguesa conhecida por ser o lugar mais setentrional de Portugal, quando decidimos dar um salto a Espanha. Nos dias de hoje, quando atravessamos a fronteira para a Galiza não há nenhum guarda para nos pedir o passaporte. Antigamente, para ir comprar alguma coisa ao outro lado – quer porque cá não havia ou porque lá era mais barato -, a adrenalina seria diferente. Parámos no café Frontera, em Ponte Barxas, Padrenda, onde encontramos Alfonso Gómez Viso. O galego conta que anda a promover a localidade de Padrenda e que escreveu um livro sobre a região, ainda à espera de ser editado. Convida-nos a fazer uma visita guiada pela zona da antiga ramboia – o termo galego usado para falar do contrabando nesta zona.

“Eu, com quatro anos, dormia em cima das caixas das bananas”, conta Alfonso Gómez Viso. Com 37 anos, as memórias que tem do contrabando cingem-se aos anos 80, quando o tráfico de mercadorias aparece em grande escala. Gado e bananas são os produtos mais conhecidos, mas também se passavam outras frutas, vacas e porcos de um lado para o outro. Nas aldeias raianas havia uns barracões, as garagens, onde guardavam tudo. Catarina Oliveira conta que “as pessoas que se recordam dessa altura, falam de um contrabando não tanto impactante como o de antigamente”.

Subimos a serra do Laboreiro. Num instante estamos em Espanha e sem dar conta regressamos a Portugal. Parámos na fronteira entre uma aldeia portuguesa e uma galega, Alcobaça e Azureira, separadas pelo rio Trancoso. Para além do tradicional marco fronteiriço nada indica que mudámos de um país para outro, a fronteira não passa de uma linha imaginária entre marcos situados a muitas centenas de metros uns dos outros.

- Para lá fica Portugal, para cá fica Espanha – ouço a voz de uma senhora, vestida de negro. É um sotaque português, vindo de uma senhora toda vestida de preto, com um lenço na cabeça. Eu, do lado português. Ela, do lado espanhol. Dois palmos distanciava-nos.

- Não quer contar uma história do contrabando? –, pergunto.

- Eu não sei nada do contrabando, ainda para mais sou mulher de um guarda. Como é que posso saber? – responde.

A proximidade do comércio espanhol fazia com que a população se deslocasse às terras vizinhas para poupar. “Aqui, o contrabando era de alimentos, televisores, marisco. Era o contrabando de não pagar o imposto. De passar de um lado para o outro sem tirar dividendos disso”, explica Alfonso. Inicialmente, na década de 40, o contrabando começou com o café porque Portugal tinha-o em abundância e era de melhor qualidade. “Também levavam sabão porque as principais fábricas situavam-se no norte. Em compensação, bens alimentares como arroz, açúcar, amêndoa, chocolate, eram mais baratos em Espanha e vinham de Espanha para Portugal”, explica Catarina Oliveira.

“É muito curioso. Aqui dizem que as vacas mudam de cor. Mas o que acontecia é que mudavam de sítio. O vitelo ia para Espanha e a vaca ia para Portugal”, conta Alfonso. É frequente haver terras de cultivo de um mesmo proprietário com metade em Portugal, metade em Espanha. “Era a desculpa perfeita para passar o gado de um lado para o outro. Não era um contrabando mau, era de subsistência. As pessoas têm receio de falar porque não querem assumir que era uma forma de vida que havia”, acrescenta Alfonso.

A ponte é o que marca a zona de contrabando das pessoas desta zona. Uma garagem, outra garagem, mais uma garagem. “A sinalética é típica, quando deixavam uma janela aberta queria dizer que podiam passar. Estava tudo acordado com o guarda”. Hoje em dia, está tudo fechado. Destas garagens saiam e entravam produtos. Um dos locais era a povoação de Cela, onde se construíram enormes garagens nos anos 70 e 80.

Regressamos a Alcobaça, a aldeia onde começa a raia seca. A aldeã conta-nos: “Na Azureira havia ainda aqui três lojas, veja lá, para vender a quem?” Durante as noites, as lojas estavam abertas para se poder conviver, beber cerveja e petiscar. Alfonso continua a nossa visita guiada: “Aqui era mais convivência porque toda a gente conhecia tudo. Agora não há ninguém”. A aldeã remata: “Estavam abertas quando a gente lhes batia à porta”.

(continua)

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fronteira em s. gregório

 

SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 03.08.24

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alto da portela do pau - planalto de castro laboreiro

SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS PORTUGUESES REVISITADOS

Jorge Raposo

DÓLMEN DO ALTO DA PORTELA DO PAU 2

Anta – Neolítico

Anta integrada no Conjunto Megalítico e de Arte Rupestre do Planalto de Castro Laboreiro, que reúne 62 monumentos funerários, na sua maioria mamoas de terra, com couraça lítica, sobre câmara megalítica. Conserva sete dos esteios que formavam a câmara poligonal. Seis deles apresentam gravuras incisas, com combinações de faixas de linhas quebradas ou ziguezagues paralelos ordenados em bandas.

Freguesia: União de Freguesias de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro.

GRAVURAS RUPESTRES DO FIEIRAL

Arte Rupestre – Idade do Bronze, Idade do Ferro

Gravuras Rupestres integradas no Conjunto Megalítico e de Arte Rupestre do Planalto de Castro Laboreiro, que reúne 62 monumentos funerários, na sua maioria mamoas de terra, com couraça lítica, sobre câmara megalítica. Os motivos, executados por picotadas, distribuem-se pela superfície de dois afloramentos graníticos, um dos quais de grande dimensão. São de carácter geométrico-simbólico, predominando composições com base em quadrados de cantos redondos segmentados por dois diâmetros. Visualizam-se igualmente alguns podomorfos e paletas.

Freguesia: União de Freguesias de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro.

POVOADO A SUESTE DO CASTELO DE CASTRO LABOREIRO

Povoado – Alta Idade Média (séculos VI a XI)

Conjunto de estruturas rectangulares definidas no terreno pelo alinhamento de blocos graníticos. Organizam-se ao longo de uma chã situada a meia encosta, na sua maioria delimitadas por um cercado que bordeja um caminho que a atravessa no sentido Norte-Sul. Para Norte deste caminho e para Sul e Sudoeste da chã, estruturas do mesmo tipo adossaram-se aos afloramentos rochosos e aproveitaram pequena plataforma, formando um conjunto de aspecto roqueiro muito dissimilado na paisagem. Há vestígios de uma estrutura de defesa muito fruste, pelos lados Norte e Sul, formada por grandes blocos graníticos muito irregulares.

Freguesia: União de Freguesias de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro.

RUÍNAS ARQUEOLÓGICAS DA PRAÇA DA REPÚBLICA

Fortificação – Medieval Cristão, Moderno (séculos XIV-XV)

A couraça nova da Vila de Melgaço foi construída com silhares graníticos bem talhados, em meados do século XV. Localizada no enfiamento da torre oriental da cerca do castelo, colmatou uma deficiência na defesa deste lado da vila, sem inutilizar o velho fosso aberto no século XIV, operacional até ser entulhado em obras de remodelação realizadas no século XVII. A estrutura defensiva deixou de ter utilidade militar em meados do século XIX, para ser recuperada em escavações arqueológicas realizadas em 2000, de que resultou o núcleo museológico aberto ao público no ano seguinte.

Freguesia: União de Freguesias de Vila e Roussas.

AL-MADAN

Centro de Arqueologia de Almada

Janeiro 2016

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núcleo museológico da torre de menagem

 

ECOTURA

melgaçodomonteàribeira, 27.07.24

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ECOTURA: O CAVALO E O LOBO EM CASTRO LABOREIRO

Jorge Montez

No meio do vale, Stefanie ajusta os binóculos, percorre com o olhar o penedio, fixa-se num ponto e exclama: “estou a ver! Estou a ver!”. Ao fundo, a silhueta duma cabra Montês recorta-se nas escarpas da serra da Peneda. Pedro Alarcão, da Ecotura, sorri e diz que “este é um dos avistamentos de mamíferos mais difíceis da Europa”.

A suíço-alemã Stefanie e a sua filha Greta estão há uma semana em Castro Laboreiro. Este é já o final de uma semana de férias equestres. Todos os dias, saíram com os cavalos e percorreram a serra da Peneda. Aprenderam a montar e a cuidar dos animais e deslumbram-se com as paisagens e as histórias de lobos.

“Já há muito tempo que queria aprender a montar, mas na Alemanha é tudo muito rígido e não queria andar só às voltas no picadeiro. Soube da proposta da Ecotura, vi as muito boas críticas e não hesitei. Ainda bem que o fiz, está a ser uma experiência absolutamente fantástica”.

Ao longo de uma semana, percorreram com os cavalos o território do Lobo Ibérico, viram vestígios e ouviram muitas histórias de lobos. Pedro Alarcão e Anabela Moedas, o casal que montou a Ecotura, são as pessoas indicadas para isso.

Ambos jornalistas, chegaram a Castro Laboreiro em 1999 com o objetivo de fazerem um livro sobre uma família de lobos. O projeto cresceu e seis anos depois nascia o documentário “A Vida Secreta dos Lobos”, que passou na RTP.

TURISMO SUSTENTÁVEL

Entretanto, foram ganhando raízes, passaram a viver permanentemente na serra e lançaram a Ecotura, um projeto turístico sustentável que é um dos meios para “ajudar a divulgar o lobo de todas as formas possíveis. Fazer com que a população local olhe para o lobo com outros olhos e que o medo do lobo mau faça parte do nosso passado. Contribuir para melhorar a imagem desta espécie tão importante e que tem sido alvo de uma perseguição sem tréguas ao longo de vários séculos” é o seu esteio de vida.

Anabela e Pedro fazem questão de promover um turismo sustentável, organizando toda a sua oferta em passeios equestres e pedestres. “Estes passeios são sempre recheados de informação sobre o ambiente que nos rodeia e de acordo com o tema de cada actividade. O número limite de participantes em cada passeio é ainda mais limitado do que as normas legais pedem. Além disso, usufruir a natureza sabe bem melhor se o fizermos no seio de um grupo pequeno. O facto de estarmos no único parque nacional português, o Parque Nacional Peneda-Gerês, traz-nos responsabilidades acrescidas. Com a crescente desertificação das zonas rurais o mosaico agrícola tende a desaparecer. A diversidade da nossa fauna e flora depende da manutenção desse mosaico. A Ecotura assegura a manutenção dos seus cavalos participando na recolha do feno dos campos que vão sendo progressivamente abandonados, os resíduos orgânicos gerados por esses mesmos animais são cedidos gratuitamente à população local incentivando uma menor utilização de adubos químicos”, afirmam no site da Ecotura.

ECOTURA COUNTRY HOUSE

À noite, sentados no jardim da casa tradicional recentemente recuperada, com o vulto das escarpas da serra a recortarem-se num céu que é uma imensidão de estrelas, trocamos histórias com Stefanie. É nesse cenário idílico que percebemos como esta semana de contacto com o cavalo e o lobo a está a marcar. Greta, no fim da adolescência, não perde pitada. Vai sorrindo e aqui e ali acena, como que a dar força às palavras da mãe, que não esconde o espanto com as paisagens e com a gastronomia.

Pela manhã, bem cedinho, Stefanie já estará no jardim a receber os primeiros raios de sol enquanto lê e toma o primeiro café. À sua volta, um imenso carvalhal.

A Ecotura Country House é uma tradicional casa de montanha do início do século XX recentemente recuperada e adaptada para o melhor dos confortos. O piso térreo é um grande espaço aberto com sala e cozinha totalmente equipada. Lá em cima, no primeiro andar, estão os quatro quartos, três dos quais amplos.

A casa é decorada com gosto e com muito do trabalho da família. Muitos dos quadros são da filha de Anabela e Pedro. Anabela é ainda responsável por alguns dos móveis, que essa é outra das suas paixões.

Seja no jardim quando o tempo está mais convidativo, ou à lareira quando o corpo pede calor, este é um local a que voltaremos.

 

http://portugaldelesales.pt/ecotura-cavalo-e-lobo-castro-laboreiro

 

O CONTRABANDO POR AeC

melgaçodomonteàribeira, 20.07.24

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1Consistindo o contrabando em transacções, era incontestável que a natureza e a relevância do que se traspassava fazia, impreterivelmente, que, como na sociedade, o contrabando se dividisse em classes.

O contrabando, como é sabido, é o resultado das fronteiras. Contrabandos houve, há e haverá muitos e, consequentemente, variegados. Hoje as fronteiras são movediças, mas o tráfico, de outras formas e de outros produtos, persiste em quantidades incomparáveis às daquela época.

Mais de quarenta anos antes do petate da banana e utilizando as mesmas veredas – rios Minho e Trancoso e raia seca –, alguns temerários do concelho de Melgaço começaram a enriquecer graças ao contrabando de volfrâmio, ouro, café Sical...

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, Salazar que, por ideologia deixara andar, regulou o volfrámio. A Confederação Helvética tornou-se o destino relevante do ouro. A origem das somas consideráveis vindas do estrangeiro passou a ser vistoriada. Para justificar a procedência dos capitais, os contrabandistas melgacenses dominantes, compraram uma padaria, uma pastelaria e uma ourivesaria em Tanger, Marrocos, nessa altura protectorado francês. Os gerentes eram o Alexandre Araújo Lopes e o Manuel Lourenço. As revoltas de 1954 obrigaram-nos a regressar a Portugal, onde os negócios continuaram.

Em 1958, um deles, o Artur Teixeira, o cambista melgacense mais conhecido, por intermédio do Alexandre Araújo Lopes, de S. Gregório, concedeu um empréstimo de 400 000 escudos – o equivalente a 1 milhão de pesetas na altura – a Antonio Piña Antón, um próximo de A Notaria que tinha uma modesta empresa de autocarros. Foi o primeiro empresário da Península Ibérica a efectuar, em 1973, a primeira ligação internacional de autocarro ; saíam de Ponte de Lima com destino a Paris e vice-versa. Os seus clientes eram os emigrantes portugueses e espanhóis

A meio dos anos 60 do século XX, Manuel José Domingues (Mareco), Manuel Rodrigues (Manecas), Alexandre Araújo Lopes, Artur Teixeira e Manuel Lourenço (Manuel da Garagem) eram indivíduos que possuíam fortunas colossais.

Deste bando de contrabandistas de colarinho branco, o Alexandre, uns anos mais novo, foi o postremo sobrevivente, depois do desaparecimento dos quatro associados no meio dos anos 70 do mesmo século. No início dos 80, ainda transpunha vários dias por semana a ponte da Frieira no seu BMW, sempre com a única filha ao lado que, certamente, lhe servia de latíbulo.

Ninguém estava seguramente a par das suas actividades, mas qualquer zé-ninguém de S. Gregório apostaria que a especulação monetária e os metais preciosos não tinham deixado de ser a sua distracção. Segundo um vizinho da rua Verde, em S. Gregório, onde o Alexandre residia, era frequente ver entrar na sua casa indivíduos de maletas na mão a certas horas da noite. O Alexandre era o maior provedor de pesetas e de outras moedas.

Estes indivíduos constituíram a classe alta do petate no concelho de Melgaço.

Uma pequena parte dos comerciantes situados na raia eram a classe média. Aos rendimentos provenientes das vendas nas lojas juntava-se o do contrabando de café e de tabaco americano de contrabando – o tabaco americano chegou a Espanha em 1971 – e que continuou até pouco depois do 25 de abril de 1974. O Jonjom, o Carminé Coelho e o Zé do Rita eram os principais. O segundo e o terceiro davam-se ao luxo de passar a veniaga de dia.

Na base, havia sobretudo mulheres que faziam um contrabando de subsistência e social. Levavam um ou dois quilos de café, toucinho e traziam azeite.  

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rota do contrabando - em s. gregório

 

 

BRANDAS E INVERNEIRAS EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 13.07.24

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foto gonçalo delgado

EM CASTRO LABOREIRO, AINDA HÁ NÓMADAS QUE LEVAM A CASA ÀS COSTAS

DE INVERNO OU DE VERÃO

CATARINA PIRES

30/01/2018

Curva e contracurva. Montanha adentro. Rochas de granito. Muitos carvalhos. Quem entra em Castro Laboreiro pelos caminhos do Soajo parece que desliza por um trilho secreto pouco percorrido, tal a estreiteza da estrada e a natureza em estado de graça. Num instante as nuvens se tornam o chão mais branco onde a vista pousa.

São dez da manhã mas, para Isalina Fernandes e Leonor Rodrigues, mãe e filha, já pouco falta para o jantar, que aqui quer dizer almoço. A esta hora, na mala da carrinha pick-up, à porta de casa, já se veem caixas empilhadas e cestas acauteladas, coroadas por uma tábua de passar a ferro. Não há dúvida: estamos no fim do verão.

Há meses que a estação estival ficou para trás no calendário, mas este dia de inverno assinala a mudança que o mesmo não regista: a tradição secular dos aglomerados à volta da vila de Melgaço, distribuídos pelas duas margens do rio Laboreiro, segundo a qual, duas vezes por ano, a população se desloca entre as terras mais altas, as brandas, entre os 1050 e os 1150 metros de altitude, e as mais baixas, as inverneiras (700 a 800 metros), num nomadismo cunhado pelo sabor das estações.

De dezembro a março a população castreja foge das temperaturas baixas e da neve nas regiões mais altas e, no verão, do calor das regiões mais baixas. As brandas são também os terrenos mais férteis, daí que a maior parte do ano seja passado nestas terras.

Aqui, em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês, vivem umas 500 pessoas e já são poucas as famílias castrejas com as duas residências anuais. Mas Isalina e Leonor aqui estão para manter a história e a tradição. «É uma vida de ciganos», solta a mulher de 72 anos enquanto ciranda entre a lida da mudança. «Andamos sempre com tudo às costas». Entra no galinheiro, ultrapassando certeira a gaiola onde já encurralou as galinhas. Agora é a vez de pegar nos coelhos pelas orelhas.

Enquanto trabalha tagarela. O galego sai-lhe boca fora com a naturalidade de língua materna. Estamos na raia, a Galiza é já ali. Toda a vida de Isalina, como a dos castrejos da sua geração, foi com um pé cá, outro lá. «Pronto, agora hemos a levar isto abaixo. Que trabalheira», resmunga enquanto pega nas gaiolas dos animais, com um sorriso que não denuncia lamentos.

Sentada no pátio da casa na branda de Padrosouro, um dos 46 aglomerados que compõe Castro Laboreiro, Isalina, com o lenço negro enfiado na cabeça, bochechas rosadas do frio, plainas brancas atadas às canelas e toda trajada de negro, é o retrato vivo da mulher castreja doutros tempos.

O som dos chocalhos que chega desde a estrada desperta-a. Não precisa de ver Rubia e Bonita, as vacas, para saber que são elas que chegam com Leonor. «Distingo-as pelo chocalho. Não há dois iguais». De um salto se levanta para as ir pôr a pastar. Há que abastecê-las para a viagem desta tarde, rumo à inverneira de Cainheiras. Apenas o gado faz a travessia caminhando. «Antigamente até os potes de cozinhar se levavam. Hoje só levamos para a outra casa a roupa de vestir», diz Leonor.

A mudança é bem mais simples agora. Isalina e Leonor põem tudo o que levam na carrinha. Antigamente tudo se fazia a pé e carregado em carros de bois: a roupa para vestir e para a cama, os utensílios domésticos e as ferramentas agrícolas, como uma romaria a cruzar as montanhas. «E por arriba dos carros de bois iam os gatos presos por uma corda», recorda Isalina, para quem estas histórias não são mais que a sua própria. «Quando havia doentes, fazia-se-lhes uma caminha no carro de bois e lá se ia com elas por aí fora. Quantos não morreram por esses montes durante as mudanças!»

Não se sabe quão antiga é esta tradição. Segundo José Domingues, investigador da Universidade Lusíada do Porto, o primeiro registo a dar conta desta tradição data de 1527. Mas «não se torna difícil conjeturar que este nomadismo do Laboreiro tenha as suas raízes em deslocações de pastores, intrínsecas aos povos mediterrânicos de montanha, desde tempos muito recuados», escreve em Brandas e Inverneiras: o Nomadismo Peculiar de Castro Laboreiro (2007).

Isalina é filha de mãe solteira. Ela e cinco irmãos. «Todos filhos de pais diferentes. Mas a minha mãe nunca nos fez faltar nada. Todos aprendemos a ler e escrever. E sempre foi o campo que nos deu de comer». Com a mesma valentia com que a mãe criou seis filhos sem qualquer marido, Isalina seguiu-lhe os passos. À semelhança das mulheres da sua geração, teve o marido – que morreu há quatro anos – emigrado em França por quatro décadas. «Só cá vinha uma vez por ano. Às vezes, de dois em dois», diz com naturalidade. «Tinha de ser, era preciso trabalhar».

A independência é traço que lhe assenta na perfeição. Tanto ela como a filha Leonor viveram sempre do campo, sozinhas cuidaram do seu império. E não se pode dizer que seja coisa pouca. Se hoje a agricultura é ajudada por maquinaria, num passado recente a força do corpo era ferramenta vital. «Aprendemos a fazer tudo desde cedo», diz Leonor. «A cortar feno à foice, plantar, pastar o gado pelas montanhas, adubar os campos carregando estrume nos carros de bois, a domar as vacas. É preciso ensiná-las porque não nascem a saber trabalhar. Não é fácil, elas são bravas».

Depois de deixarem a carrinha na inverneira de Cainheiras, com a primeira remessa de pertences, mãe e filha fazem a segunda viagem da muda. Hoje contam com a ajuda dum vizinho, que lhes dá boleia outra vez até à casa de verão. Leonor põe-se agora ao comando do trator e, com a mãe sentada no atrelado, junto dos cães, começa a descer lentamente os trilhos até mais baixas altitudes, fazendo as curvas do caminho como se nelas se espreguiçasse.

A viagem é lenta, observa-se com vagar cada pedra, cada folha e cada ribeiro que cruzam o caminho. É tudo isto que Isalina vê também, de lenço negro ao vento, sentada no atrelado, afagando distraidamente a mão no focinho da cadela Lassie. «Esta é a terra do descanso, a terra da liberdade. Aqui ninguém nos invade».

Castro Laboreiro é hoje uma vila de população reduzida, mas houve dias diferentes. «Quando era jovem, isto era uma alegria. Íamos para os montes fazer bailes, andávamos sempre por aí. Era uma vida dura mas feliz. Quando veio o 25 de abril evoluiu tudo. Tínhamos um doutor todas as semanas, dinheiro, casas». Isalina vai puxando pela memória. «Mas veio a televisão e foi uma desgraça, estragou o processo. Antes juntávamo-nos a fazer serões a fiar. Está certo que hoje é um viver mais tranquilo, mas é um viver triste».

Depois dos dois carregamentos, falta o gado. Isalina já não voltará a subir à branda. Agora é hora de caminhar, como antigamente. Quem vem ajudar Leonor é a tia Amabélia. Juntas comandam a procissão bovina, falando com as vacas numa língua de urros e exclamações. Nesta travessia, a distância de uma casa à outra não se mede em quilómetros – serão uns dois ou três - mas antes através da disposição das vacas em colaborar com um marchar sem desvios. Quem manda é a vara que Leonor e Amabélia carregam, para as vergastadas no lombo dos animais.

Uma hora depois, quando chegamos à inverneira de Cainheiras, Isalina está à porta, com as mãos na cintura. Outra vez, os chocalhos denunciam. A mudança está feita. «Estou feliz da vida, ainda faço a tradição. A Leonor, por ela, ficava sempre lá em cima. Eu prefiro aqui. A casa lá de cima é melhor, mas gosto daqui. Foi a primeira casa que construí, há cinquenta anos. E foi aqui que morreu o meu marido. Eu, se calhar, também aqui morro. Enquanto mandar, havemos de fazer a muda. Quando morrer a minha filha fará o que quiser».

Comparada com a branda de Padrosouro, onde a casa parece plantada no céu, com a vista limpa para qualquer rota sideral, aqui tudo é resguardado. Mas basta subir a escadaria que leva à cozinha para, do alpendre, ver que os colossais pedregulhos continuam a traçar o horizonte, irreverentes a brotar da terra. É esta a vista para os próximos meses. Até voltarem a subir a serra outra vez.

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