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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

DR. ANTÓNIO DURÃES, UM ANTI-SALAZARISTA DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 23.07.13

 

 

CANDIDATOS A DEPUTADOS OPOSICIONISTAS

 

 

DURÃES, António Augusto (?) – Angola, 1945 – Advogado, foi presidente da Câmara Municipal de Benguela, nomeado pelo governador Freitas Morna (1942-1943). Em 1945, fez parte da comissão executiva do MUD em Angola, constituída naquela colónia numa reunião realizada em 15 de Outubro de 1945. Nessa reunião, foram escolhidos os três nomes que deveriam fazer parte da lista oposicionista de Angola: o dr. António Gonçalves Videira, o eng. Cunha Leal e ele próprio, como representante dos interesses do centro-sul de Angola. No discurso que proferiu numa sessão oposicionista realizada no Cine-Teatro de Benguela, em 1945, afirmou que só aceitara o cargo de presidente do município por se tratar de uma situação meramente administrativa e de defesa dos interesses locais mas que já o pusera à disposição do governador-geral (Vasco Lopes Alves). Em 1967, proferiu, no Rotary Clube de Melgaço, uma palestra sobre o general Norton de Matos – de cuja comissão de candidatura à Presidência da República fizera parte, em Angola – mais tarde publicada sob o título Angola e o General Norton de Matos – subsídios para a história e para uma biografia (Melgaço, 1976).

 

 

Retirado de:

 

CANDIDATOS DA OPOSIÇÃO À ASSEMBLEIA NACIONAL DO ESTADO NOVO (1945-1973) 

UM DICIONÁRIO

Mário Matos e Lemos

Edição Divisão de Edições da Assembleia da República

e Texto Editores, Lda.

 

 

http://www.parlamento.pt/ArquivoDocumentacao/Documents/Candidatos_Oposicao.pdf

 

« O AUGUSTO PARTIU DE MELGAÇO E AS RUAS FICARAM DESERTAS… »

melgaçodomonteàribeira, 28.05.13

 

 

AUGUSTO CAÇOLAS

 

 

Filho de Isabel do Nascimento Fernandes. Nasceu na Vila de Melgaço a 16/2/1914, tinha a sua mãe apenas dezasseis anos de idade! Devido a uma grave doença que teve, quando era miúdo, o seu cérebro não evoluiu como o das outras crianças normais. O seu corpo sim: cresceu, e muito – era um latagão! É provável que não tenha frequentado a escola primária. Embora a sua doença não permitisse um diálogo brilhante, uma conversa com princípio, meio e fim, não se pode afirmar que fosse parvo. No entanto, António Eduardo Igrejas, emigrante no Brasil, tinha outra opinião: « … Cerinha e Amadeu Rato, que (…) eram os “moldadores” da mente vazia do Augusto Caçolas. (…) cientificamente, era classificado de “retardado mental”, totalmente incapaz de distinguir emoções: quer boas, quer más. »

(MH 5 de Abril/95). Andava aos recados, os mais simples, e cumpria-os sempre. As pessoas devam-lhe alguma comida, que ele devorava, apesar de em casa não lhe faltar nada. O se estômago era igual ao do leão – insaciável! Nunca ninguém o viu zangado. “Bicas” tomava sempre que alguém lhe pagasse: « Augusto, anda tomar um cafezinho. » « Muito obrigado, bebo, bebo. » A sua mãe, até à sua morte, a 11/3/1984, tratou-o sempre com muito carinho. Tinha outros filhos, do sexo feminino, mas aquele era especial, precisava mais da sua atenção. Era muito engraçado, o Augusto. Quando ia fazer algum recado, a certa distância, por exemplo levar o correio ao colégio da Barronda, em Prado, fingia que punha o motor do automóvel a trabalhar, arrancava em grande velocidade, imitando o barulho do carro, buzinava, as suas mãos pareciam ir ao volante, e depois fazia travagens incríveis! Toda a gente se ria. Dava o recado, sem se esquecer de nada, entregava o que tinha a entregar, e regressava novamente ao “carro”. Uma vez, na ponte do Rio do Porto, um brincalhão, não pensando nas consequências que do acto adviriam, pede-lhe que faça marcha atrás. Augusto, convencido de que era o melhor automobilista do universo, faz a dita marcha atrás e cai da ponte. Chamaram de imediato os bombeiros, que o levaram ao hospital da Misericórdia, onde foi tratado. Por incrível que pareça, passado uns dias já andava a conduzir o seu veículo imaginário. Tinha um vozeirão! Nas procissões de velas a sua voz sobrepunha-se a todas as outras. Escreveu Manuel Igrejas: « Por falar em cantar: quem o fazia muitíssimo bem, com possante voz de barítono, era o Augusto… Era afinado, … ia do barítono ao baixo profundo. » (Ver VM 1009, de 15/6/1994; VM 1010, de 1/7/1994). No dia de Ramos, o seu era o maior – até impressionava! Depois da morte da progenitora foi internado no Lar da Santa Casa, onde faleceu a 18/10/1990. Agora anda no espaço a conduzir os automóveis dos anjinhos. Aquando da sua morte, escreveu Fabiano da Costa: « …era a maior figura típica da nossa terra, onde todas as pessoas o consideravam como homem de bem. » (VM 927 de 1/1/1990). E mais à frente: « Era duma simplicidade ingénua. Quantas vezes perguntava ao sr. Hermenegildo Solheiro, de Galvão, quando é que o piano tinha os pianinhos, para os trazer para casa dele. » Ver também o artigo publicado na VM 928, de 15/11/1990, p. 3: « O Augusto partiu de Melgaço e as ruas ficaram desertas… »

 

Dicionário Enciclopédico de Melgaço II

Joaquim A. Rocha

Edição do autor

2010

Pág. 39

 

A ESPERTEZA DO MESTRE SERRALHEIRO

melgaçodomonteàribeira, 25.05.13

 

 

« ZINONA »

 

 

    José Maria Alves, sobrenomeado o « Zinona », filho de João António Alves e de Maria Teresa Lourenço, nasceu na Vila de Melgaço, em 1871, e aqui casou, em 12-4-1910, com Belmira dos Prazeres Pires, de 38 anos, filha de José Joaquim Pires e Florinda Vitória Lourenço; portanto, primos co-irmãos, já que ambos eram netos de José Maria Lourenço e de Josefa Antónia Gonçalves.

    Tal como seu pai, autor dos portões do cemitério municipal e outros trabalhos, o « Zinona » foi um serralheiro competente, e o que mais espanta é como ele conseguia fazer obras tão perfeitas e bem acabadas com tão poucas e deficientes ferramentas que possuía…

    No mister, ajudava-o o seu cunhado Manuel, o « Néné ». Este era semi-imbecil, o que o não impedia ou até talvez por isso… de ir todos os anos de abalada a Braga, gozar o S. João. Ia a pedibus calcantibus, comia e pernoitava onde e como podia e de igual modo regressava a penates, para, assim, não encetar o pé-de-meia angariado no giro da pedincha; e, tanto antes da ida como depois do regresso, invariável e frequentemente dizia ele: quem nam bai a Braga nam bê nada!

    Apesar da sua semi-imbecialidade, era um filósofo este « Néné »…

    Voltando ao nosso « Zinona », este, além de competente artífice, era também um finório. A este propósito, lembro-me muito bem de quando o falecido Simão Luís de Sousa Araújo lhe encomendou os portões para a sua vivenda na Rua Velha, vivenda hoje pertencente a Manuel José Domingues (Mareco). Justaram a obra ao quilo… contrato que ao Simão, à primeira vista, se lhe afigurou ser um verdadeiro negócio da China… Não contou, porém, com a esperteza de Mestre «Zizona », e aqui é que ele havia de ser levado.

    Efectivamente, o « Zinona », para a obra em questão, além de empregar ferro da maior bitola que lhe foi possível, ornou-a exuberantemente com aplicações o mais pesadas que pôde conseguir; e o resultado foi que uma vez a mesma obra concluída quase não havia em Melgaço balança capaz de a pesar… O Simão, apesar de só ter um olho, achou-a pesada em demasia, mas pagou. Era, pois, um finório Mestre «Zizona »…

    Viveu e faleceu na casa que foi sua – o prédio que faz gaveto com a Rua Direita e com o Largo do Município ou Praça do Pelourinho – em 3-4-1941, tendo havido do seu casamento três folhos, dos quais apenas lhe sobreviveu um: a Leonídia. Como, porém, extra-matrimónio, gerou em Lucrécia Augusta da Costa Velho um ranchinho de bastardos, estes lhe tem assegurada posteridade para largos anos…

 

P. Júlio Vaz Apresenta Mário

P. Júlio Vaz

Edição do autor

1996

Pág.s 106, 107, 108

 

1720 – UM MELGACENSE EM MINAS GERAIS

melgaçodomonteàribeira, 23.04.13

 

UM OFÍCIO CENTRAL: O ESCRIVÃO DA CÂMARA MUNICIPAL DE VILA RICA, 1711 – 1724

 

 

(…)

    Apesar de não integrar a cúpula camarária e, portanto, de estar formalmente excluído das decisões locais, o Escrivão da Câmara era uma peça fundamental para o bom desenvolvimento da administração municipal. Isto porque era o Escrivão que detinha maior conhecimento sobre o quotidiano institucional, devido à natureza da sua função e também ao facto de, normalmente, se manter no cargo durante anos, funcionando como uma espécie de elo entre os grupos que se alternavam anualmente nas Câmaras Municipais. Por tudo isto era muito respeitado e requisitado.

 

Jerônimo de Castro e Souza, 7/9/1720 até 11/9/1721

 

    Passado os transtornos e tendo sido superadas as resistências dos oficiais da cúpula camarária, o novo Escrivão da Câmara assumiu as suas funções em 7 de Setembro de 1720. Jerônimo de Castro e Souza conseguiu a nomeação régia através de um pedido que localizamos no Arquivo Histórico Ultramarino, nos Manuscritos Avulsos da Capitania de Minas Gerais. O pedido data de 6 de Fevereiro de 1720, quase sete meses antes da sua posse, e por ele foi possível identificar que Jerônimo era natural da Vila de Melgaço, na Província do Minho, e veio à região das minas com o propósito de resolver pendências, aproveitando sua vinda, requereu ao rei o cargo que estava vago, e o rei deferiu.

    Ao contrário dos outros Escrivães da Câmara que eram nomeados pelo rei, este ficou pouco tempo, apenas um ano, mas permaneceu na região ao menos até 1722, quando exerceu o cargo de Almotacé* em Vila Rica. Actuou durante a maior parte do ano de 1721, segundo pico administrativo da instituição, causado novamente pelos quintos** régios. Jerônimo de Castro e Souza deixou o cargo em 11 de Setembro de 1721, por ocasião da posse de um novo Escrivão, também nomeado pelo rei, José da Silva Miranda.

 

*antigo inspector camarário de pesos e medidas que fixava o preço dos géneros. (N. E.)

**imposto correspondente à quinta parte do ouro extraído. (N. E.)

 

Retirado de:

IV Conferência Internacional de História Econômica &

VI Encontro de Pós-Graduação em História Econômica

Um ofício central: o Escrivão da Câmara Municipal de Vila Rica, 1711/24

 

Luiz Alberto Ornellas Rezende

 

luizrezende.pesquisa@gmail.com

 

O MANCO

melgaçodomonteàribeira, 04.03.13

 

 

O Ti António era manco, mas manco mesmo de verdade, daqueles que perderam uma perna e agora usam uma de pau. Só se vê o toco, revestido de pneu de bicicleta a sair pela perneira da calça azul escuro suja, que acompanhava sempre o casaco a condizer e o chapéu negro cinzento preto conforme a posição do observador e da luz incidente ser directa ou difusa.

Recebeu de alcunha o nome do lugarejo onde habita e assim dá pela graça de Manco da Carneiriça. Reformado do Estado adoptou a profissão de testemunha. Testemunha dispotadíssima pelas partes em confronto via-se muitas vezes obrigado a receber das duas partes. Era a parte mais chata da profissão, quase igual á que ocorria quando o juiz já farto de o ter pela frente o proibia de entrar no tribunal.

— Estou de férias – retorquia quando era procurado por réu ou acusador.

Na verdade, Ti António, aproveitava essas pausas que não eram muito prolongadas porque os juizes não morriam de amores pela Vila e só estavam de passagem, para praticar os seus passatempos favoritos: beber e muito do tinto da região e jogar ás cartas. Aliás jogar ás cartas era divertido porque lhe permitia com uns passes de batota mostrar como se joga. E os mirones que não faltam nunca, alguns dos quais que por isto ou por aquilo ou porque não gostam de mancos com perna de pau, espreitam a ocasião de o demonstrar.

A mesa de jogo de ferro forjado e tampo de marmore, com nódoas de vinho tinto, coberta por pano verde é o centro do mundo. Ti António o Manco da Carneiriça é o ultimo a sentar, bem de costas para quem passa. Os mirones sempre atentos ao jogo, trufo é copas e urina é mijo, estão como que suspensos das cartas manejadas pelo manco.

— Cortaste ouros e agora tens...

De imediato duas mãos enterram o chapéu na cabeça do manco e quando ele se vai levantar uma palmada obriga-o a ficar sentado. O cigarro eternamente no canto da boca é cuspido, o manco levanta-se dá um passo enquanto roda e espalha-se ao cumprido pelo chão. Esqueceu-se que lhe ataram a perna de pau á perna de ferro da mesa de jogo. Resmunga enquanto se levanta, o vinho a saltar no estômago, quem foi o...

A sala de jogos está vazia, só patrão Tano atende um freguês na outra sala do café.

— Malandros, corja de malandros, Tano dá-me uma tigela. Ó Tano...

— Espere aí que já salta o zarapulho.

Manco da Carneiriça espeta um cigarro no canto da boca e vai resmungando para consigo próprio, um olhar turvo ao patrão Tano, queima os dedos com o fósforo.

— Seu malandro, seu patife, de dedo no ar exclama patrão Tano, o que é que fez á freguesia que fugiu toda a correr... não há vinho p'ra borrachos.

— Ó Tano, só uma tigela...

— Fez batota não foi? Está-lhe bem, há-de pagá-las todas.

— Uma tigela Tano...

— Borracho, só de zarapulho!

Mas o manco não é homem de sermões e senta-se a beber a tigela de tinto, resmungando e chupando o cigarro, resmungando e chupando... Passam-se as horas e aumenta o numero de tigelas emborcadas e caminha rapidamente para o ponto perigoso da noite. Insulta um, insulta outro, berra o manco da Carneiriça. Encosta-se á ombreira da porta entre as salas, a luz apaga-se, o clarão do cigarro, o som do zarapulho a embater.

— Esteve-lhe bem – rosna o manco.

A luz acende-se e Ti António o Manco da Carneiriça, está a pingar a mistura de borras de café e vinho azedo que encharca o zarapulho. Sempre a resmungar atravessa a sala do café cambaleando muito mais que o normal, mas não excessivamente para dia de borracheira. Pela frente tinha agora uns km's a percorrer, triplicados por mor da bebedeira e mais a perna de pau, pela estrada principal e mais umas centenas de metros pelo caminho que atravessa os campos de milho e leva á casa de pedra mal amanhada e telhado roto. Mais que a distancia a percorrer o problema eram os tombos para dentro das valetas. E sair? Se não fosse a perna de pau ... assim lá tinha que comer um pouco de erva com terra á mistura. Nessa noite as quedas foram três que não deixaram marcas a não ser no fato azul escuro sujo. A terceira foi como costume no degrau de pedra que dá acesso à porta da casa e tem a particularidade de o fazer cair de costas.

Resmungos e mais resmungos até encontrar uma beata que enfiou no canto da boca. Fósforos não tinha. Abriu a porta com estardalhaço. Á sua frente um corredor com dois metros de comprimento, devidido ao meio por uma corda com lençóis estendidos. A casa está dividida ao meio. No quarto da cama ouve-se forte ressonar. De boca aberta Maria, a mulher, dorme.

— Sua p*ta, a dormir na minha cama!

Maria não acorda e Ti António bota a mão á roupa da cama e espalha-se ao comprido no quarto. Maria dorme. Ao procurar apoio a mão encontra o penico em baixo da cama e num ai é despejado em cima de Maria que acorda sobressaltada e mijada.

— Sua p*ta, sai já da minha cama.

— Esta cama é minha.

Agarra-se á Maria a cambalear e puxa-a para fora da cama. A mulher sai do quarto, rosto fechado de anos de sofrimento e dirige-se para a sua parte da cozinha.

Ti António o Manco da Carneiriça tira a perna de pau e cai sobre a cama. Em segundos está a roncar, dorme perfundamente.

Na cozinha, Maria bebe um pouco de aguardente p'ra matar o bicho que o dia já se levanta.  Bebe outro copo enquanto aquece o café. no fim do terceiro copo dirige-se segura de si para o quarto de onde foi expulsa. Os socos cardados ressoam pela casa mas nada acorda o manco. Maria sorri enquanto afaga a perna de pau e a baixa sobre o corpo adormecido.

— Toma malandro, borracho filho da p*ta...

— Ai que me matas minha p*ta...

A tareia demorou minutos e se deixou marcas a mulher não perdeu tempo a olhá-las, mais uns minutos e o marido ronca, daí a dois dias não se lembrará de nada e há milho a sachar enquanto o sol não aquece.