Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

O NOSSO CÃO

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

Castro Laboreiro

 

 

UM CÃO DA NOSSA TERRA

 

   O cavaleiro, que capitaneava estes homens, cavalgava um magnífico e fogoso cavalo murzelo sem mancha, ao lado do qual trotava bizarramente um daqueles gigantescos e valentes cães de Castro Laboreiro, igualmente preto retinto, cuja grandeza faz apavorar os que pela primeira os vêem.

 

   O cavaleiro puxou de uma chave, que trazia consigo, e abriu uma porta falsa, que havia no lado direito do grande portão de ferro. O enorme cão de Castro Laboreiro, que o tinha acompanhado, lançou-se de um salto para dentro.

 

   As nuvens estalejavam em trovões estridentes e prolongados; e os relâmpagos fendiam nelas longos sulcos caprichosos que iluminavam pavorosamente o espaço.

   — Belzebu aqui! – disse então o cavaleiro, em voz surda e dominadora, ao cão, que olhava inteligentemente ora para ele ora para o terraço.

   O gigantesco animal lambeu com humildade e afecto a mão, que imperiosamente apontava para a terra, e, em seguida, deitou-se de barriga e estendeu o focinho sobre as mãos, cravando ao mesmo tempo no amo um olhar cheio de tino e de intrepidez.

 

      Ana Maria dos Santos Matos

 

      O Satanás de Coura

      Memórias do sec. XVII

      Por

      Arnaldo Gama

      (Romance Inédito)

 

      Este cheirinho ao nosso cão de certeza que abriu o apetite ao resto do romance. Vamos viver o que já passou há muito.

http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/18641/3/5252TM02PAnaMariadosSantos

 

SOMOS EMIGRANTES, SIM SENHOR

melgaçodomonteàribeira, 07.03.13

 

Homenagem ao emigrante - Fiães

 

 

  ESTE TEXTO TEM POR BASE DADOS DOS INSTITUTOS DO GOVERNO PORTUGÊS. MELGAÇO É O CONCELHO COM MENOR NÚMERO DE INSCRITOS EM CENTRO DE EMPREGO. É VERDADE, SIM SENHOR; E DESDE CAMÕES FOI POETICAMENTE ESCRITA A NOSSA BOA SORTE.

 

 

"A QUE NOVOS DESASTRES DETERMINAS

DE LEVAR ESTES REINOS E ESTA GENTE

QUE PERIGOS, QUE MORTE LHES DESTINAS

DEBAIXO DALGUM NOME PREMINENTE!

QUE PROMESSAS DE REINOS E DE MINAS

D’OURO, QUE LHE FARÁS TAM FACILMENTE ?

QUE FAMAS LHE PROMETERÁS? QUE HISTÓRIAS ?

QUE TRIUNFOS? QUE PALMAS? QUE VITÓRIAS ?"

 

CAMÕES

 

                                 

"NÃO ME TEMO DE CASTELA

DONDE INDA GUERRA NÃO SOA;

MAS TEMO-ME DE LISBOA,

QUE, AO CHEIRO DESTA CANELA,

O REINO NOS DESPOVOA"

 

SÁ DE MIRANDA

 

 

"VEMOS NO REINO METER

TANTOS ESCRAVOS CRESCER

E IREM-SE OS NATURAIS

QUE, SE ASSIM FOR SERÃO MAIS

ELES QUE NÓS A MEU VER"

 

GARCIA DE RESENDE

 

 

OLHAI, OLHAI, VÃO EM MANADAS

OS EMIGRANTES …

UIVOS DE DÓ PELAS ESTRADAS.

JUNTO DO CAIS, NAS AMURADAS

DAS NAUS DISTANTES …

VELHINHAS, NOIVAS E CRIANÇAS,

SENHOR! SENHOR!

AO VOAR DAS ULTIMAS ESP’RANÇAS

CRISPAM AS MIOS, MORDENDO AS TRANÇAS,

LOUCAS DE DOR!

LÁ VÃO LEVADOS, VÃO LEVADOS

PELO ALTO MAR

…………………………………………….

VOLTARÃO, QUANDO, MAR PROFUNDO ?

JAMAIS! JAMAIS!

 

GUERRA JUNQUEIRO

 

 

"HOMENS QUE TRABALHAIS NA MINHA ALDEIA,

COMO AS ÁRVORES, VÓS SOIS A NATUREZA.

E SE VOS FALTA, UM DIA, O CALDO PARA A CEIA

E TENDES DE EMIGRAR,

TRONCOS DESARREIGADOS PELO VENTO,

LEVAIS TERRA PEGADA AO CORAÇÃO.

E PARTIS A CHORAR.

QUE SOFRIMENTO,

Ó PÁTRIA, VER CRESCER A TUA SOLIDÃO!"

 

T. PASCOAIS

 

 

"…VI MINHA PÁTRIA DERRAMADA

NA GARE DE AUSTERLITZ. ERAM CESTOS

E CESTOS PELO CHÃO.

PEDAÇOS DO MEU PAÍS.

RESTOS.

BRAÇOS.

MINHA PÁTRIA SEM NADA

SEM NADA

DESPEJADA NAS RUAS DE PARIS.

E O TRIGO ?

E O MAR ?"

 

M. ALEGRE

 

 

AI, HÁ QUANTOS ANOS PARTI CHORANDO

DESTE MEU SAUDOSO, CARINHOSO LAR!...

FOI HÁ VINTE ? … HÁ TRINTA ?... NEM EU SEI QUANDO!...

MINHA VELHA AMA, QUE ME ESTÁS FITANDO,

CANTA-ME CANTIGAS PARA EU ME LEMBRAR!...

 

DEI A VOLTA AO MUNDO, DEI A VOLTA À VIDA…

SÓ ACHEI ENGANOS, DECEPÇÕES, PESAR…

OH! A INGÉNUA ALMA TÃO DESILUDIDA!...

MINHA VELHA AMA, COM A VOZ DORIDA,

CANTA-ME CANTIGAS DE ME ADORMENTAR!...

 

GUERRA JUNQUEIRO

 

 

   ESTE TEXTO FOI RETIRADO DE BIBLIOTECA DIGITAL CAMÕES, INSTITUTO DE CULTURA E LINGUA PORTUGUESA. É DA AUTORIA DE JORGE CARVALHO ARROTEIA. DENOMINADO: A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA – SUAS ORIGENS E DISTRIBUIÇÃO.

   UMA HOMENAGEM A TODOS NÓS QUE DEIXAMOS A NOSSA TERRA.

    A TODOS OS MELGACENSES EM FRANÇA, SUIÇA, ANDORRA, GALIZA, ESPANHA, CANADÁ, EUA, BRASIL…

 

UMA EXCURSÃO A CASTRO LABOREIRO II

melgaçodomonteàribeira, 07.03.13

 

Alcobaça - Lamas de Mouro

 

 

   Por fim entrámos na villa, que é como os Crastejos chamam á sua terra, visto que ella o foi algum dia. Ainda que as instituições sociaes mudem, o vulgo, que está afeito á linguagem tradicional, conserva esta longo tempo, em contradicção com os factos.

   Apesar da sua rusticidade, Castro-Laboreiro procura acompanhar o progresso: possue algumas lojas de negócio, uma fonte de cantaria, e um Commendador, que é ao mesmo tempo o Professor primario da freguesia, o Sr. Mathias Lobato, pessoa amável, a quem os forasteiros ficam sempre devendo obsequios.

   Ao longe o castello, posto num alto, provocou logo a minha visita, porquanto esperei encontrar ahi alguns vestígios proto –ou prehistoricos; na sua última fase, é todavia de epoca portuguesa, o que se vê da architectura e de uma inscripção. Nada encontrei no interior. Sem embargo, quem procedesse a excavações, talvez encontrasse qualquer cousa junto d’aquela mole de granito, onde, por causa da inexpugnabilidade do sitio, que fica de mais a mais entre dois regatos, jazeu certamente o primitivo Castro. De lá se goza ampla vista de aldeólas, por exemplo, Corveira, Laceiras, Barreiro, Açoreira, Meijoeiro (quartel permanente da guarda-fiscal), Dorna, Entalada, Pontes, Mareco, solitarias, entre arvoredos e montes. Várias d’ellas servem de inverneiras. Em contraste com ellas ha as brandas, por exemplo, Portos, Seara, Eiras, onde se passa o verão; a palavra branda está, quanto a mim, por ‘’veraada < veranata, e corresponde á hespanhola vernada; cfr. de um lado, o gall. e crastejo gando, e hesp. ganado, e do outro, o hesp. braña  ‘’pasto de verano’’, de veranea.

   No dia da nossa chegada havia na villa feira de gado. Tive por conseguinte ensejo de observar muitos homens juntos: apresentavam-se geralmente de cara rapada, vestiam de çaragoça (jaqueta, calças e collete), traziam chapeu de panno ou carapuça, e varapau. Mulheres, por ser de gado a feira, não andavam lá muitas. O trajo ordinario d’ellas é: camisa; faxa vermelha; collete; jaqueta; saia branca; saiote; saia de côr, quasi sempre preta, feita de foloado ‘’pano de lã de ovelha ou de linho’’, que se fabrica em Castro; mandil; singuidalho, do mesmo ou de outro panno; na cabeça capella, que póde ser substituida por lenço; nas pernas calções e piucas, meias sem pé, que se prendem com uma liga ou baraça; e nos pés chancas. A outras peças de vestuario já acima me referi. No inverno, tanto homens como mulheres se abrigam das neves, chuvas e friagens com o corucho, especie de capuz de burel que se traz na cabeça, e tem uma especie de aba que se prolonga pelas costas abaixo; a palavra corucho provém talvez de corona + suff. –ucho.

   O sr. Abbade de Melgaço é natural da freguesia de Castro, e por isso fácil lhe foi apresentar-me em muitas casas para eu observar os costumes.

   Uma das industrias caseiras mais correntes é a de fiar. Ha grande variedade de rocas no nosso país, e cada uma das peças e componentes d’ellas tem seu nome: assim a parte bojuda, onde se colloca o fiado, chama-se em Castro rocanço, e apresenta tres saliencias; o cone truncado que cobre o fianço chama-se naipo, por ser feito de cartas de jogar (naipe). Fianço é o nome do fiado. Os fusos são de duas especies: de ferro, para linho, e de pau para lã; adquiri alguns mais curiosos, que trouxe para o Museu Ethnologico. Aos pesos de tear (feitos de madeira) ouvi dar o nome de catolcas.

   A cozinha consta de: lareira, borralheira, especie de camara para recolher o borralho, coberta por uma lage que se chama copeira ou pilheira; escanos, postos ao lado da lareira, para se sentarem; almario, simples prateleira para louça; masseira; fumeiro ou ‘’caniço’’, pôsto superiormente á lareira, para ahi se enxugar a roupa; arcaz, caixa para guardar os cereaes.

   Os Crastejos servem-se, mais ou menos, de pratos de madeira, tanto para comerem, como para conservarem a comida. Eu vi d’estes pratos. Tambem se usam cuncas ‘’malgas’’ ou ‘’tigelas’’ da mesma substancia; d’antes todos comiam nellas, hoje porem só as crianças. Consta-me que esta ‘’loiça’’ se fabrica na Galliza, e se exporta de lá para o Alto-Minho. Ha colheres de madeira, que se chamam igualmente cuncas. A fórma masculina cunco applica-se a uma gamella de pau para se bater a massa do pão antes de ir para o forno, ao que se chama patiar o pão (em S. Gregorio dizem afupar o pão.

   Para iluminação das casas, os mais pobres fazem uso de guiços, que são pedaços de urzes secas (gândaros), de queirogas sêcas e de tojos secos, descascados do tempo, e que se accendem á maneira de vela: sustentam-nos na mão, ou espetam-nos num buraco da parede; de vez em quando esmoucam-nos, quebrando no chão a parte carbonizada, para os reaccenderem. Na Galliza acontece o mesmo, e o nome é igual, só se escreve com z. Com os guiços concorrem vantajosamente candeias de lata, suspensas em seu velador, como é geral no Norte e Centro do país; outr’ora havia-as de ferro e alimentavam-nas de sil ou banha de porco.

   Terminarei aqui a parte descritiva, mencionando a cama, palavra que significa propriamente ‘’leito de madeira’’; assim se diz: ‘’o carpinteiro faz uma cama’’. A cama consta de um caixão grande, com quatro banzos ou pernas, que terminam superiormente em pirâmides. Os mais pobres ahi dormem sobre palha, envolvidos numa manta de burel (sem enxergão ou lençoes); de travesseiro serve um farrapo. Num dos banzos da cabeceira enrola-se o rosario em que rezam.

……………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………....

 

   No regresso de Castro-Laboreiro trouxemos ate Portellinho o mesmo caminho da ida. Ás alturas de Portellinho desviámo-nos da rota, por montes quasi nus de arvoredo, á vista de Lamas de Mouro, em direcção a Covalhão e Urjaes, d’onde seguimos até ao Peso. Acompanharam-nos constantemente as duas mesmas mulheres, que eram como duas cabras monteses, na rijeza physica e nos modos.

 

   Lisboa, 1904-1916

 

   J. Leite de Vasconcellos

 

UMA EXCURSÃO A CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 07.03.13

 

Castro Laboreiro

 

 

UMA EXCURSÃO A CASTRO-LABOREIRO

(NOTAS NUMA CARTEIRA)

                                                   

I

   Em 1904, estando a veranear nas Agoas do Peso, fiz uma excursão a Castro-Laboreiro em companhia do Rev.º Manoel José Domingues, Abbade de Melgaço. A excursão foi muito breve. Partimos num dia de manhã, e voltamos no dia seguinte depois de almôço. Tomei porém algumas notas ethnográficas e dialectologicas que poderão ter utilidade para os estudiosos; e por isso aqui as publico, pouco mais ou menos na mesma fórma em que as tomei.

   Castro-Laboreiro fica na serra, em uma das regiões portuguesas mais rusticas, por tanto preciosissima para investigações ethnologicas. Ha, de facto, a seu respeito já um ‘’ensaio anthropologico’’ dado a lume por Fonseca Cardoso na Portugália, II, 179 ss., e algumas referencias avulsas publicadas ibd., II, 360, no que toca a trajos, pelo fallecido Rocha Peixoto, que igualmente se refere a Castro-Laboreiro num artigo que escreveu nas Notas sobre Portugal, I, (1908), 73 ss., acêrca das fórmas da vida communalistica no nosso pais. Vid. Também: O Itenerario de Lisboa a Vianna do Minho de Sebastião José Pedroso, Lisboa 1844, pag. 29-30; O Minho Pittoresco de J. A. Vieira; e entre outros tratados de Geographia, o Portugal ant. e moderno de Pinho Leal, II, 205 ss.

   A palavra Castro-Laboreiro está por Castro-do-Laboreiro, pois nos compostos d’esta especie a particula articular, do, reduz-se, a de, que depois cae às vezes: cfr. Ponte de Lima , por do Lima, beira-mar por beira- do-mar. O povo em vez de Castro diz sempre Crasto (e sem Laboreiro). Esta palavra não é mais que o lat. Castrum que no latim da decadência significava ‘’oppidum’’; ella applica-se no nosso pais aos montes em que ha vestigios de fortificações da epoca lusitanica: Castro-Laboreiro deve ter sido na origem um castrum proto-historico.

………………………………………………………………………

   O nome patrio dos habitantes de Laboreiro é Crastejos, que assenta na fórma popular Crasto, já citada.                                              

   Como disse, partimos de Melgaço, o Sr. Abbade e eu, uma manhã às 9 ½, montados em mulas, e acompanhados de duas robustas mocetonas, calçadas de grossos çoques (i.é, çocos ou ‘’socos’’), e com polainas de branqueta. Não pareça descortesia irem dous homens com mulheres por arreeiras; é este o costume local.

   Fomos subindo montes, e atravessando miseros logarejos: Cavalleiros, Cabana, Villa do Conde, Candosa, Ladrunqueira; neste último as nossas companheiras beberam vinho mosto por uma malga, em uma venda.

   Ao passarmos por Fiães, visitámos as ruinas do convento que ahi se vêem entre bons campos, em meio do mysterioso silencio que outr’ora convidava os monges à meditação; a entrada para lá é uma bella alameda de carvalhos. A igreja conserva ainda as suas portas ogivaes. Diz-se que em tempos viera para aqui a imagem de uma santa, que fez que num campo proximo rebentassem agoas milagrosas que encheram um tanque; ha muito que os milagres acabaram, mas a lenda, que já tem o protótypo antigo na de Hippocrene, continúa a occupar a mente do povo, sempre propensas a maravilhas, especialmente por estes lindos sitios do Alto-Minho, onde cada elemento da natureza, fonte, ribeiro, collina, penhasco, arvore, ajuda a conservar os mytos poeticos do passado, e promove a criação de outros novos.

   Em vez de pinheiros, que abundavam até agora, começam a ver-se unicamente vidos ou bidos (i.é, ‘’vidoeiros’’ou ‘’bétulas’’), carvalhos e plantas rasteiras. Continuámos a subir, e chegámos ao sitio do Outeiro da Loba, que na sua denominação dá ideia da fauna local; depois chegámos a uma aldeia chamada A Alcobaça, palavra bastante curiosa, já por ser precedida pelo artigo a, já porque serve para desfazer o êrro dos que suppoem que a villa de Alcobaça, na Estremadura, deve o seu nome aos rios Alcoa e Baça. Vê-se que Alcobaça foi expressão comum e bastante geral: além dos dois citados exemplos, temos Alcobacinha no districto de Santarem , e Alcobaza na Hespanha.

   Na Alcobaça termina propriamente a colheita do milho e principia a do centeio. O milho, como é raro, recolhem-no em canastros de vergas de carvalho, - espécie de sebes de carro, tapadas com cupulas de colmo; peculiaridade esta d’aqui, e de Lamas de Mouro, que fica proximo.

   Pouco depois entrámos na freguesia de Castro-Laboreiro, pelo lugar de Porto de Cavalleiros: casas cobertas de colmo (na Alcobaça já algumas), que, vistas de longe, mal se distinguem, na côr, dos giganteos penedos de granito que as rodeiam. Portellinho, logo em seguida, é povoação da mesma categoria. Contarei uma aventura que me aconteceu aqui. Quando vou a alguma aldeia, costumo examinar os teares, porque ás vezes os pesos d’elles ou tém forma artística, ou são objectos archeologicos, achados casualmente no campo, e applicados para aquelle uso; em Portellinho vi um tear, e pedi á tecedeira, - uma velha, em mangas de camisa, com o collete muito rente ao corpo, e grossas polainas -, me deixasse entrar em casa, no que ella de boa vontade consentiu, pois cuidou que eu era carpinteiro; a breve trecho, porém, como a nossa gente do campo vive sempre debaixo do pesadelo dos tributos, suppôs-me fiscal da fazenda, e toda se affligiu, sendo precisa a conciliadora intervenção do Sr. Abbade para lhe incutir sossêgo, e eu poder sondar em descanso o vetusto apparelho penelopeu, que infelizmente nada tinha especial. – Do nome de uma planta que ha pouco citei como indigena da região vem o do lugar de Vido ou Bido, que também atravessámos, e que não sobrepuja os precedentes. Ao lado fica Varzea Travéssa.

 

MORNING STAR - XOSÉ MIRANDA

melgaçodomonteàribeira, 07.03.13

 

 

TOMÁS DAS QUINGOSTAS NA LITERATURA GALEGA

 

 

 

   …………………………………………………..

   Unha, cantouma, coa música do cantar do arrieiro, Eleuterio Cebey, moinante das vellas familias que teñen a residencia de inverno por Coristanco e Carballo. Está enunciada no vello romanó da ambulância galega e di así …

 

      ‘’Son capitán de gavilla,

      teño gharse de baró,

      para chorar polos montes

      sem cangó de estaribó.‘’

 

   O cal traduzido a galego direito, reza:

 

      ‘’Son capitán de gavilla,

      teño caballo de señorito,

      para robar polos montes

      sem medo da prisión.‘’

 

   Segundo o Cebey, que estivo preso conmigo na cadea da Coruña, a copla fai referencia aos días nos que os moinantes galegos dirixían sociedades de malfeitores, ou gavillas, coas que aterrorizaban o país. A el cantáralla seu avó.

   Outra cántiga foime transmitida en Vilanova dos Infantes, por alguén que andou alugado ao contrabando nos principios do século. Reférese a un famoso capitán de ladróns do primeiro tercio de XIX, o Tomas das Congostras, do que se fala na novela de Miranda. Tiña o seu cuartel xeneral na pena de Anamán entre Queguas e Castro Laboreiro (entre ‘’Espanha’’ e ‘’Portugal’’) e xa outras cántigas co mesmo tema foran recollidas e publicadas anteriormente polo Xocas. Di así, en galego esta vez:

 

 

      ‘’Se queres a boa vida

      e se queres prosperar

      vem conmigo sentar praza,

      cá na Pena de Anamán.‘’

 

   Se vostede non ten inconveniente en facer unha viaxe aos lados violentos e crueis do pasado de Galicia, aventúrese por esta novela de Xosé Miranda. Gozará.

 

ESTE TEXTO FOI RECOLHIDO DE

 

WWW.XERAIS.ES/CATALOGOS/CUADERNOS_CRITICAS

 

 

A RECORDAR O TOMAZ DAS QUINGOSTAS DE JOSÉ ALFREDO CERDEIRA

 

 

Camborio Refugiado 

 

A MINHA PÁGINA NA NET

melgaçodomonteàribeira, 05.03.13

 

 

PORTO DOS CAVALEIROS


A propósito da publicação no JORNAL DE LAMAS DE MOURO – PORTO DOS CAVALEIROS – de Julho de 2003 a história de Virgílio Domingues, a autora Catarina A. Domingues, escreve:

“Resolvemos transcreve-la e publicá-la para lhe garantir a merecida perenidade.”

É com este sentimento, de não deixar morrer a nossa história e a nossa cultura, que transcrevo o artigo publicados em PORTO DOS CAVALEIROS.

 

 

MEMÓRIAS DE UM EMIGRANTE PIONEIRO

 VIRGÍLIO DOMINGUES

 

Nasci em 1920 num tempo de muita miséria, trabalhava-se muito, e trabalho duro que era tudo manual, mas dinheiro não havia – tive a minha primeira moeda (10$00) aos 13 anos, quando fui cegar feno para Castro Laboreiro.

Para os que ficavam na terra, havia quem emigrasse, sobretudo para Espanha e para o Brasil, o contrabando era a única forma de ganhar uns tostões. Eu fui muitas vezes, mas tirava pouco lucro porque ia sempre por conta de outrem.

Durante a Segunda Grande Guerra, por volta de 1942/43, abriu a exploração do volfrâmio nos montes de Castro Laboreiro (em Numão), era um metal muito procurado para armamentos e pagavam-no bem – em quinze dias que passei lá juntei o dinheiro que precisava para pagar as três vacas que tinha “de ganho”.

Já a Guerra tinha terminado, ouvi a uns rapazes de Castro que valia a pena emigrar para França, tinham recebido notícias de vizinhos a dizer que havia trabalho e era bem pago. Foi o que nos animou, a mim, ao meu irmão José e um nosso vizinho, o Oliveiros Domingues (“Livreiros de Mouro”). Foi uma decisão difícil, tive que vender uma vaca para pagar a passagem e ao passador, correndo o risco de ficar sem ele e ainda preso, pois ia clandestino, mas a esperança de melhor vida dava-me coragem.

Saímos no dia 29 de Junho de 1946 de manhã cedo, apanhamos o autocarro na Notária até à estação de Felgueiras e daí fomos de comboio até S. Sebastian, já sabíamos que havia lá um hotel onde se reuniam os que queriam sair clandestinamente, era o local de contacto com o passador. Dirigimo-nos ao hotel, com alguns rapazes de Castro que tínhamos encontrado na viagem, e desde logo ficamos a saber que estava difícil passar, tínhamos que esperar.

Passaram-se mais de dois meses e então, por telefone, o passador deu ordens para seguirmos para Irun, no comboio da noite, em grupos de 7 que lá nos procuraria. Eu, os meus dois companheiros e mais quatro rapazes que também eram de Melgaço fomos no comboio das 11.

Pelo caminho calhou-me ir sentado ao lado de um polícia à paisana, perguntou-me onde íamos, eu respondi que íamos à procura de trabalho a Espanha, mas ele não acreditou, mostrou o distintivo, chamou o colega que estava sentado mais à frente e deram-nos voz de prisão. Chegados à estação, preparavam-se para nos conduzir ao posto, mas eu revesti-me de coragem e desatei a fugir pela linha do comboio acima – sorte que não abriram fogo! Andei aproximadamente um quilómetro a pé, completamente desorientado, e passei a noite escondido atrás de um silvado sem comer nada, cheio de frio e de medo. Ao romper do dia dirigi-me novamente à estação para voltar a S. Sebastian onde tinham ficado os outros, souberam pelo passador do que nos tinha acontecido e já não saíram. Encontrá-los não foi fácil, quanto mais andava mais perdido me encontrava, comprei o jornal e lá numa grande praça sentei-me num banco fingindo que estava a ler, nada disso, eu só pensava no rumo a seguir para chegar ao bendito hotel.

Restabeleci, o cérebro descansou um bocado, e continuei a busca até que os encontrei. Ficaram muito admirados de me ver, pois julgavam-me preso. No dia seguinte mudamos de hotel porque estávamos denunciados. Passaram mais oito dias até que chegou nova ordem para seguir para Irun, mas desta vez de dia e em grupos de dois, para não dar nas vistas, e lá que nos escondêssemos como pudéssemos até ao cair da noite. Assim foi, era já noite escura ouvimos a senha combinada (cantar como as perdizes) e então fomos ao encontro dos passadores (eram 2).

Seguíamos por um carreiro no meio do monte, em direcção à fronteira, quando demos conta de uma luz. Eram dois guardas-civis, fugimos em direcção contrária e escondemo-nos num campo de milho. Ali passamos 24 horas, de noite gelávamos de frio e durante o dia queimava-nos o sol, pois nem podíamos levantar a cabeça.

Na noite seguinte lá apareceram os passadores e depressa nos encaminharam até à fronteira. Á nossa espera estavam dois guardas-civis “comprados” e uma barquinha, para atravessar para o outro lado. Mas alguma coisa no combinado correu mal e os dois guardas voltaram atrás com a palavra, já estávamos na barquinha quando nos ordenaram para voltar atrás ou nos matavam a todos. Não nos prenderam porque tinham acordo com os passadores mas avisaram-nos que não havíamos de passar.

Fomos então para uma capoeira de galinhas que os passadores tinham alugada e aí ficamos dois dias e duas noites sem comer nem beber, mal podíamos respirar. Deram-nos alguma coisa para comer, mas o estômago já não consentia comida e, aconselharam-nos a voltar para S. Sebastian até as coisas melhorarem. Tal como tínhamos chegado ali, assim planeamos sair, dois de cada vez. Eu e o Zé da Açureira fomos logo presos, quando íamos para tirar o bilhete, no mesmo local onde tinha fugido anteriormente. Levaram-nos para a prisão de S. Sebastian e lá encontrei o meu irmão e o Oliveiros que tinham sido presos, quando eu fugi. Andei de prisão em prisão, algemado como um criminoso, desde S. Sebastian até Melgaço. Aí deparei-me com mais um problema, para me libertarem tinha que apresentar o bilhete de identidade ou os documentos militares, e eu não tinha um nem outro, o bilhete de identidade tinham-me ficado com ele em Espanha e os documentos militares não os tinha porque era refractário – decidira fugir ao serviço militar porque tinha filhos pequenos e tinha que os criar. Fui obrigado a ir às inspecções a Viana do Castelo e por infortúnio fiquei apurado. Mandaram-me oito dias para casa e entretanto recebi um aviso para me apresentar na Base da Ota, para ir para a aviação. Não me apresentei e então fui considerado desertor, fui procurado pela polícia e andei fugido.

Em Junho de 1947 decidi tentar “o salto” mais uma vez, cheio de medo pois tinha passado muito maus caminhos e além disso arriscava-me a ser apanhado pela polícia. Desta vez, tentei outro caminho. Fomos até Madrid eu e o Virgílio Pereira encontrar-nos com o José Piscado e o António Domingues (António de Adaúfe) que estavam aí a trabalhar enquanto esperavam ordens do passador. De Madrid seguimos para Pamplona, e daí seguimos a pé pelas montanhas dos Pirenéus. Caminhamos durante duas noites (de dia tínhamos que nos esconder) debaixo de chuva e vento, orientados por um passador já habituado àquelas travessias.

Pisamos solo francês o dia 9 de Julho de 1947. Á primeira jandarmaria que encontrámos já nos entregámos, cansados que estávamos, com fome e sem dormir. Puseram-nos a cortar lenha em troca de sustento e no dia seguinte encaminharam-nos para o tribunal de Bayonne. Lá já fomos acarinhados, mas fomos condenados a 15 dias de prisão suspensa, porque tínhamos atravessado a fronteira sem autorização.

De Bayonne fui para Brestes, uma cidade completamente arrasada pela guerra. Não faltava trabalho e depressa arranjamos dinheiro, mas não havia onde comprar nada, durante nove meses passámos muita fome.

No ano seguinte, no mês de Maio, fui ao consulado de Portugal, em Paris, para me tentar livrar do serviço militar e assim poder regressar a Portugal. Só lá estavam duas raparigas, expliquei-lhe a minha situação e elas mostraram-se compreensivas. Paguei a quantia que pediram e ficou combinado de eu passar às cinco da tarde para levantar os documentos. Mas nesse horário foi o cônsul que me recebeu garantiu-me que não tinha “livramento”, pois era um desertor. Eu fiquei tão transtornado, que cheguei a afirmar que não voltava a Portugal. Ele lá se comoveu e prometeu que faria um pedido ao chefe de Estado-Maior. Assim foi e Graças a Deus fui perdoado.

Só voltei a Portugal passados 5 anos, pela altura do Natal, diziam que “a França ia acabar”, como já tinha acontecido na altura da Primeira Guerra e era preciso aproveitar. Na verdade não foi o que aconteceu, ao todo fui emigrante durante 27 anos, regressei definitivamente ano dia 25 de Abril 1974.

 

Catarina A. Domingues

Publ. em

Porto dos Cavaleiros

Jornal de Lamas de Mouro

Julho 2003

Transcrito por

Camborio Refugiado

 

PS: OS TEXTOS PUBLICADOS NO (INFELIZMENTE ACABOU) JORNAL DE LAMAS DE MOURO – PORTO DOS CAVALEIROS PODERÃO SER CONSULTADOS BREVEMENTE NA PÁGINA WWW.MONTESLABOREIRO.COM DA INSTITUIÇÃO NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA DOS MONTES LABOREIRO QUE TEM POR BASE -  HISTÓRIA, PATRIMÓNIO E CULTURA – CASTRO LABOREIRO E LAMAS DE MOURO.

DA PÁGINA WWW.MONTESLABOREIRO.COM RETIREI A INFORMAÇÃO:

NEPML prepara Agosto Cultural2008

O NEPML vai realizar em Agosto o VII Congresso de História Local no lugar da vila, em Castro Laboreiro. O evento é dedicado a vários temas inéditos. Brevemente será colocada mais informação, e no link dos Eventos constará a data e respectivo programa, com temas e palestras.

ADICIONA AOS FAVORITOS WWW.MONTESLABOREIRO.COM

 

Camborio Refugiado