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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

IGREJA DE CHAVIÃES

melgaçodomonteàribeira, 02.01.16

241 - chaviães.jpg

 

 

 

PARÓQUIA DE CHAVIÃES (SANTA MARIA MADALENA)

 

Na lista das igrejas situadas no território de Entre Lima e Minho, elaborada pela ocasião das Inquerições de D. Afonso III, em 1258, Chaviães, então denominada “Chavanes”, era citada como uma das igrejas subordinada ao bispado de Tui.

No catálogo das mesmas igrejas, mandado elaborar, em 1320, pelo rei D. Dinis, para o pagamento de taxa, figura apenas a igreja de Santa “Seguinhe” na Terra de Valadares.

A esta igreja estava anexada Santa Maria Madalena de Chaviães.

Em 1444, D. João I conseguiu do Papa que este território fosse desmembrado do bispado de Tui, passando a pertencer ao de Ceuta, onde se manteve até 1512. Neste ano, o arcebispo de Braga, D. Diogo de Sousa, deu a D. Henrique, bispo de Ceuta, a comarca eclesiástica de Olivença, recebendo em troca a de Valença do Minho. Em 1513, o Papa Leão X aprovou a permuta.

No registo da avaliação dos benefícios da comarca eclesiástica de Valença do Minho, feito em 1546, “Sancta Segoinha de Chaveães”, a que era anexa Santa Maria Madalena rendia 40 mil réis. Pertenciam então à Terra da vila de Melgaço.

Na cópia de 1580 do Censual de D. Frei Baltasar Limpo sobre a situação canónica destes benefícios, Santa Maria Madalena de Chaviães é referida como sendo anexa “in perpetuum” a “Santa Seculinha de Chaviães” por doação feita por padroeiros leigos ao duque de Bragança. A este pertencia o direito de apresentação de Santa Seculinha.

Em termos administrativos, fez parte, em 1839, da comarca de Monção e, em 1878, da comarca e julgado de Melgaço.

Pertence à Diocese de Viana do Castelo desde 3 de Novembro de 1977.

 

 

Retirado de:

http://digitarq.advct.arquivos.pt/details?id=1070105

 

A FROTA 1930-1940

melgaçodomonteàribeira, 13.06.15

Vista sobre o Minho

 

MELGAÇO 1930-1940

 

CLARO QUE CONTRABANDISTA ERA PROFISSÃO

 


Claro que contrabandista era profissão. Sempre houve os exportadores e importadores, sendo que na nossa terra e outras terras raianas, era uma actividade ilegal mas lícita e consentida. Melgaço sempre sobreviveu ao contrabando. Com a livre circulação das mercadorias, agora, a nossa terra sobrevive das remessas dos emigrantes; o futuro é uma incógnita.
Voltando ao tio Emiliano, de quem mais nada havia a dizer: os galegos que transportava eram fugidos quer duma quer doutra situação. Houve perseguições e chacinas de parte a parte. Veja-se, "Por Quem os Sinos Dobram", de Ernest Hemingway.
Apareciam em Melgaço, escondidos, acobertados por amigos (não sei se o Figueirôa tinha alguma coisa com o assunto, talvez). Transportá-los não era difícil embora requeresse alguma habilidade. De admirar era eles se radicarem em Lisboa onde a PIDE era mais activa. Sair de Melgaço num Ford, modela A, de madrugada, não era problema. Estrada deserta. Não havia tanta fiscalização assim como se apregoa. Vivia-se com bastante liberdade. Ninguém perseguia ninguém, a menos que houvesse denúncia. Muitas, algumas, injustiças houve neste aspecto. Quando um não gostava de outro denunciava-o como comunista, sinónimo de anti-regime. Aí, sim, até que provasse estar isento de culpa sofria um bocado.
Quando eu era criança lembro-me que iam umas mulheres oferecer à tia Ana, açúcar branco e também de trigo branco, pão. Na altura em Melgaço o açúcar era escuro e fazia-se pão de milho em todas as casas; algum de trigo no forno do João Morais. Petins ou moletinhos de trigo e bôlas, de trigo e centeio.
Naquela altura tudo na Espanha era melhor que em Portugal, pelo menos o que chegava a Melgaço. Viana não tinha, então, grande significado e o Porto, a maior cidade próxima, era longe, muito longe; Vigo e Orense eram ali perto, de comboio que se pegava do outro lado do rio. O dinheiro para comprar os artigos espanhóis era o que os trabalhadores iam ganhar lá. Engraçado, não?
Anterior a esta época deve ter havido outros artigos que não são do meu conhecimento. Também não achei literatura a respeito. Depois rebentou a guerra civil e a consequente escassez de alimentos na Espanha foi grande. Então, de Melgaço ia tudo que representasse mantimentos, produzidos na terra ou vindo de fora, especialmente café. Os inescrupolosos misturavam tudo o que pudesse aumentar esse produto. Torravam e trituravam milho escurecido com óleo queimado de automóvel, chicória, cevada e não sei que mais.
Antes de vir para esta terra fui à festa a Orense com o Manuel Macarrão, pai do Miguel. Entramos num bar e a primeira coisa que ele me avisou foi: "Não tomes café. É feito com as merdas que mandamos para aqui". Ele inclusive. Em troca desses produtos alimentícios vinha a prata e o ouro. A moeda não valia nada. Seguiu-se a guerra mundial. Para não desagradar ao "seu aliado" inglês Portugal exportava tudo através do contrabando, agora não tanto mantimentos que também não os tinha, mas tudo que pudesse transformar-se em produto bélico que a Alemanha precisava. Volfrâmio e Xelite escavados em Castro Laboreiro e Monte da Agueira; os cigarros americanos, a tripa seca vinda da Índia, pedras de isqueiro, continuava o café e o sabão, este o maior potencial. O sabão feito de "judeus" escasseava na Alemanha e o feito de cães em Portugal ia às toneladas. O ouro e a prata continuavam a ser a moeda e já agora as pesetas que começavam a representar alguma coisa. Após guerra, a Espanha por ter sido aliada da Alemanha foi isolada comercialmente. Tudo continuou faltando. A frota automotora era velha; os carros caindo aos pedaços eram recuperados com as peças que de Portugal iam como contrabando. Nesta operação de vender peças de carro o Miguel Macarrão juntou seu primeiro dinheiro. Também peças de bicicleta que o Manuel Castro ia buscar ao Porto. Embora ilegais nenhuma destas operações eram ilícitas muito menos imorais. Algumas pessoas, entretanto, metiam os pés pelas mãos. Todos queriam ficar ricos com o contrabando. Durante o racionamento havia estabelecimentos encarregados de distribuir aos demais, as mercadorias. Entregavam uma pequena parte e o restante vendiam para os galegos. Um sapateiro tradicional foi indicado para receber a sola e cabedais que distribuiria aos colegas para estes continuarem a botar tacões e meias solas. Vendia para Espanha e deixava os colegas a ver navios.
A penicilina e estreptomicina foi o único caso escandaloso. O Lílí do Teodorico foi o bode espiatório. Na Espanha não havia esse medicamento. Os Estados Unidos mantinham o isolamento (só o levantaram e ajudaram a Espanha quando, durante a guerra fria precisaram de instalar bases aéreas). A penicilina chegava a Melgaço por requisição médica destinada aos pacientes graves. Não havia como desviar esse produto. Então, certas pessoas que ainda existem, compravam das famílias dos pacientes os frascos vazios. Para que queriam eles esses frascos?... A resposta está no livro e filme "O Terceiro Homem". A não ser esta nódoa da penicilina tudo o mais sobre contrabando pode ser tema de conversa por não envergonhar quem quer que seja. Toda a população da vila de Melgaço, mas toda mesmo, duma forma ou de outra esteve envolvida nessa actividade durante os ano 40.
O meu pai que não tinha habilidade para essas coisas, nem os filhos, emprestava a sua casa para o Júlio Coelho, de São Gregório, guardar os volumes de cigarros americanos que chegavam pelo correio. Em troca recebia uma vez ou outra uma garrafa de vinho do Porto. Coitado do Augusto Félix! Também em nossa casa eram guardados pacotes com remédios, do Adolfo, marido da tua tia Ernestina. Deu-se um caso curioso, assás hilariante, que foi tema do anedotário. Descoberto que pelo correio podia chegar a Melgaço tudo que se quisesse, era ver pacotes e pacotões de cigarros e outros produtos chegarem em profusão. O comando da Guarda Fiscal deu-se conta da actividade postal e tomou providências. Enquanto só o destacamento local sabia da coisa não teve impedimento. O comando geral, então, mandou montar guarda à porta do correio e apreender todas as mercadorias que não fossem para consumo local.
A anedota chegou ao conhecimento do comando: "o chefe dos correios de Melgaço está tão mal de saúde que lhe está saindo a tripa por detrás".
A tripa seca era um dos artigos mais transportados.
A residência do chefe do correio era na traseira da estação e de noite, e até de dia, facilitava a saída das encomendas por ali. Veio a ordem: fechar e cravar todas as janelas e portas da residência. Foi a coisa mais absurda que já se viu. O chefe da estação ficou quieto. Se resmungasse era capaz de perder o emprego. E viveu algum tempo emparedado. Mesmo assim, com a conivência dos guardas que fingiam vigilância, as encomendas continuavam saindo.
Nessa euforia frotista, como era conhecido o contrabando (se por acaso não conheces o termo toma nota para futura informação), uns poucos ficaram ricos, alguns remediados, a maioria, porém, os transportadores que levavam as mercadorias às costas até à beira do rio, o pouco que ganhavam gastavam a seguir no café do Hilário ou do Manuel Castro. Pobres diabos que por momentos gostavam de se sentir importantes.


Rio, 31 de Março de 1996
Correspondência entre Manuel e Ilídio

 

A TI MARIA E O PADRE

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

UM PADRE EXALTADO

 

 

   O caso da mãe do Jacob que aludi, foi o seguinte:

   A tia Maria, já idosa, com outras mulheres e a canalha da doutrina (catequese) entre eles eu, frequentavam a novena no mês de Maio, todos os dias à tarde.

   O pároco, na altura jovem, passava por grave crise existencial e problemas de família (um seu irmão casara com a filha de ex-padre e isso era, a seu ver, sacrilégio).

   Devido a esse estado de espírito andava o padre com os nervos à flor da pele aumentando o seu natural temperamento exaltado.

   Numa das novenas, a propósito de gesto ou posição engraçada de um dos rapazes os outros caíram no riso. Riso abafado como convinha na situação. Rir disfarçado nessas ocasiões acorria a miúdo e ninguém dava importância. Nesse dia, porém, a gracinha fora maior e o riso prolongado e um dos rapazes não se contendo riu mais forte. Para quê!... O padre, que estava de costas dirigindo as orações, voltou-se abruptamente descarregando uma série de bofetadas fortes e estridentes na cara do rapaz que estava mais perto. Pegou-o pela orelha e levou-o até à porta expulsando-o.

   A tia Maria, que estava ajoelhada como todos os demais no meio da igreja, pareceu-lhe que aquele rapaz agredido era o seu neto Zeca, Zeca Chatice, por acaso não era, e protestou resmungando em voz baixa, que aquilo não se fazia, etc., etc.. O padre, em altos brados mandou a mulher retirar-se da igreja. Ela obedeceu continuando a resmungar. O acto religioso continuou sem grande ou nenhuma devoção. O facto foi muito comentado e tempos depois o pároco foi transferido. Reminiscências de infância.

 

 

Rio, 31 de Maio de 1996

 

Correspondência entre Manuel e Ilídio

 

«TAINADA NA NOTÁRIA» E «A COÇA»

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 A Notária - Galiza

 

 

TAINADA NA NOTÁRIA

 

 

               PARA O TEU ARQUIVO:

 

 

   Anteriormente ao Lucas, o Regedor da Vila era o João Cândido de Carvalho, mais conhecido por João Braga, dono do prédio e pensão, ao lado do Lucas, esquina da Feira Nova. A filha única deste casal, a Lourdinha, casou com o Gasparinho (Lopo) filho do Albertinho de Galvão, pais do major Pereira de Castro. Quem deu a Regedoria ao Lucas (Rodolfo Amadeu Fernandes) foi o professor Abílio quando este era Presidente da Câmara. Eram muito amigos; o João Braga já estava bastante idoso e doente. A propósito, ocorreu-me uma cena desagradável que lembrou outra ainda pior.

   A primeira: eu havia tomado uma gasosa na adega do Lucas (não a gasosa pirolito com esfera de vidro como tampa, mas outra com a tampinha de lata). Achei de ser engraçado, enchi a garrafa com água e coloquei a latinha novamente com habilidade. Dias depois essa água foi cair na boca do prof. Abílio. Causou um tremendo mal estar e uma bronca do Lucas que me serviu de lição.

   A outra cena aconteceu com teu pai Carriço e colegas (Carlota & Cia.). Num domingo de pasmaceira, alugaram o carro do Pires e foram dar um passeio à Notária, do outro lado de S. Gregório. Fizeram uma tainada num café-taberna. Às tantas, mestre Carriço, irreverente, brincalhão que só ele, resolveu mijar dentro de uma garrafa de gasosa, colocar a tampa e disfarçadamente com a participação dos colegas, colocá-la entre as garrafas cheias no engradado. Poucos minutos depois essa garrafa foi cair nos lábios dum carabineiro. Exaltadíssimo, o homem (autoridade) soltou todos os impropérios que conhecia e queria matar todo o mundo. A balbúrdia foi grande e geral. Antes que se esclarecesse a autoria do crime, o Papá Pires fez que pagassem a conta e caíssem fora num abrir e fechar de olhos. Escaparam ilesos.

   Quem contou esta passagem foi o velho Pires.

 

Rio, 20 de Fevereiro de 1995

Correspondência de Manuel e Ilídio

 

MANUEL IGREJAS, 1995

 

 

A COÇA

 

 

   Os rapazes de Monção, quando havia baile em Melgaço, causavam grande sensação por se apresentarem arrumadinhos, engravatados e penteados com brilhantina, ao contrário dos rapazes de Melgaço que vestiam quase a mesma roupa com que andavam no trabalho.

   Naquela época, a diferença de hábitos entre as duas vilas era grande; mercê do comboio em Monção havia mais modernismo.

   O pessoal de Monção sabia disso e tirava partido aproveitando todas as oportunidades que se apresentassem para diminuir a gente de Melgaço.

   Um domingo, apareceram na nossa vila duas camionetes a que chamavam excursão, cheias de rapazes de Monção fingindo visita de turismo. A dada altura, organizaram-se em marcha, exibindo aqueles bonequinhos em cima de uma cana que accionados por um arame batem um no outro (acho que se chamavam macaquinhos, não me lembro) e cantavam uma modinha da época que se adaptava a menosprezar a nossa gente. Para que!...

   Os rapazes de então, entre eles o tio Emiliano, tio Ilídio (teu avô), Abel Barrenhas, Roberto Cuco e outros caíram de pau em cima deles, os debochados monçanenses, aplicando-lhes uma coça que ficou memorável nos anais da nossa terra. Fugiram atabalhoadamente todos rebentados e a partir daí os ânimos ficaram acirrados.

   Qualquer encontro entre habitantes das duas vilas terminava em pancadaria.

   Durou anos.

   Quando eu era garoto, ainda se comentava esse glorioso acontecimento e já deviam ter passado vinte anos.

 

Rio, 6 de Fevereiro de 1997.

 

Correspondência entre Manuel e Ilídio