Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

CASTRO LABOREIRO E O FORAL DE AFONSO HENRIQUES

melgaçodomonteàribeira, 19.05.20

856 b Sans titre f.bmp

De todos é sobejamente conhecida a personalidade guerreira do primeiro Afonso, que, na ânsia desmedida de consolidação da autonomia e alargamento dos limites do Condado Portucalense herdado de seu pai, rebelou-se contra a própria mãe, teve os mouros do sul a ferro e fogo e aguentou acesas escaramuças com os nossos vizinhos galegos – S. Mamede, Cerneja, Valdevez, Ourique, Santarém, Lisboa, Alcácer, Galiza…

Numa das suas inconstantes investidas contra Galiza conquistou às armas de Leão o castelo de Castro Laboreiro, como consta da carta de couto outorgada à abadessa do mosteiro de Paderne, Elvira Sarracine. O monarca concede o dito couto ao cenóbio em compensação do tributo de dez éguas com suas crias, trinta moios de vinho, um cavalo avaliado em quinhentos soldos e cem moedas de ouro, que a dita abadessa lhe tinha prestado durante o assédio da fortaleza.

À data deste monumento – 16 de Abril de 1141 – já o castelo de Laboreiro sofria novamente por Portugal e tudo leva a crer que foi efémero o estear da bandeira alheia na sua torre de menagem, pois, se é verídica a indução do ilustre investigador, tenente-coronel Augusto Botelho da Costa Veiga, a perda de Castro Laboreiro derivou de uma contra-ofensiva galega lançada por Fernando Eanes, no Inverno de 1140,, durante a ausência temporária de Afonso Henriques.

Se o relato desta carta de couto é demasiado seco na apresentação das operações aguerridas em volta do baluarte dos montes Laboreiro, é o único, e outros documentos se não conhecem. Existe, no entanto, um, menos comentado, que poderia ser da maior utilidade para aclarar o intrincado da questão, se não estivesse hoje praticamente delido pela erosão dos séculos. Trata-se de um documento epigráfico que, durante séculos a fio, integrou os muros robustos do castelo. De acordo com a leitura que lhe dá o incansável magistrado Luís Figueiredo da Guerra, testificaria a sua conquista ainda no decurso do ano 1140, ajustando-lhe o monarca Conquistador avultadas obras de restauro no ano de 1145, completadas pelo seu filho – D. Sancho I:

“D. Afonso Henriques conquistou em 1140 o castelo aos espanhóis, reparando-o em 1145, mas D. Sancho I completou a obra, como memora a inscrição que lá existe”

Na ânsia de ver de perto esse monumento, contactei o P. Aníbal Rodrigues, pároco de Castro Laboreiro, que me indicou uma pedra no adro da igreja paroquial, supostamente a referida epígrafe ou parte dela, que, segundo informação do mesmo, para ali foi carreada aquando das obras de restauro do castelo, levadas a cabo sob o comando da Direcção Geral dos Monumentos e Edifícios Nacionais – Zona Norte. Apesar do acesso fácil, foi-me o préstimo minguado porque não consegui identificar, com firmeza, um único caracter, apenas alguns sulcos bastante apagados parecem inculcar a veracidade e antiguidade da epígrafe.

Esta inscrição já tinha chamado a atenção de José Leite de Vasconcelos que, estando no ano de 1904 a veranear nas Águas do Peso, se dirigiu a Castro Laboreiro, não dispensando uma visita ao vetusto castelo, onde deparou com a inscrição. Também um correspondente de A Neve, individual periódico publicado em Castro Laboreiro, presta informações de algum interesse, nomeadamente, a existência de mais do que uma pedra epigrafada, a dificuldade de leitura e o seu estado de abandono do topo sul, junto da gruta natural formada pelos dois penedos que juntam as extremidades, e que o autor, erradamente, identifica com a capela de Santa Bárbara.

A conservação deste monumento deve-se ao esmero do arquitecto Roberto Leão, conforme o mesmo refere no artº 23º de um extenso relatório. De 16 de Agosto de 1981, dirigido ao Director dos Monumentos Nacionais do Norte, onde denuncia certos atropelos nas obras de restauro desta fortaleza:

“Felizmente, em 1974 foram retiradas por nós e depositadas na igreja, duas pedras e um fragmento, com inscrições históricas, do séc. XII, entregues à guarda do Pároco e onde se encontram, o que evitou serem possivelmente aplicadas em alteamento de muralhas ou partidas para enchimentos”

A verdade é que, dada a condição do documento, nenhum dos autores, à excepção de Figueiredo da Guerra, se atreveu a uma leitura ou qualquer achega. Por incrível que pareça, essa leitura parece aproximar-se bastante das deduções cronológicas de Botelho da Veiga e dos singelos factos que temos vindo a referir, nomeadamente, a atenção dispensada por D. Sancho I a Castro Laboreiro.

 

O FORAL DE D. AFONSO HENRIQUES A CASTRO LABOREIRO.

“ÁDITO” PARA O DEBATE.

José Domingues

Porto, 2003

http://www.academia.edu/3470740/O Foral de D. Afonso Henriques a Castro Laboreiro. Adito para o debate

jdominguesul@hotmail.com

 

O FORAL DE D. AFONSO III

melgaçodomonteàribeira, 16.02.19

36 a2 - inscrição muralha porta.JPG

inscrição junto a porta na muralha

 

OS FORAIS ANTIGOS DE MELGAÇO, TERRA DE FRONTEIRA

 

O primeiro foral de Melgaço esteve em vigor até à outorga de nova carta, em 29 de Abril de 1258. As razões que terão motivado a concessão de novo foral a Melgaço devem encontrar-se através do estudo da política seguida por D. Afonso III.

O caos político que submergiu o reino no tempo de D. Sancho II deu lugar à intervenção directa da Santa Sé, tendo o Sumo Pontífice Inocêncio IV, após o encerramento do concílio de Leão (1245), expedido uma bula a ordenar aos portugueses a obediência ao infante, que, nos começos do ano seguinte, entrava em Lisboa, intitulando-se visitador, curador e defensor do reino. No termo de uma luta encarniçada, D. Sancho II, derrotado, retirou-se para Toledo, onde viria a falecer nos primeiros dias de 1248. D. Afonso III foi então aclamado rei, ocupando-se, nos anos seguintes, na conquista definitiva do Algarve, que constitui uma das principais fases do programa de estabelecimento definitivo das fronteiras de Portugal, assim como na reorganização administrativa do reino. Neste contexto se enquadram as inquirições realizadas em 1258, bem como a outorga de numerosos forais e cartas de foro, a publicação de legislação adequada e a convocação de cortes gerais, tendo os municípios participado pela primeira vez nas de Leiria em 1254…….

O novo foral não agradou às gentes de Melgaço. O diploma introduzia modificações a que os moradores teriam dificuldade em se adaptarem. O maior problema esteve certamente no censo anual a pagar ao monarca.

Com efeito, o tributo a pagar ao rei tinha sido fixado no tempo de D. Sancho II em 1000 soldos leoneses, a pagar em três prestações, ao longo do ano. No novo foral estipulava-se um tributo anual de 350 morabitinos velhos, também em três prestações fixas, nas datas acostumadas. Este valor foi fixado na previsão do pagamento de um morabitino por morador, o que fazia que se elevasse para 350 o número de moradores na vila. Essa mudança do panorama demográfico obrigaria a uma redistribuição das terras reguengas que o rei tinha doado ao concelho, a qual, para além de outras perturbações no que dizia respeito às benfeitorias introduzidas pelos seus exploradores, forçosamente diminuiria as parcelas, perspectiva suficiente para provocar uma onda de descontentamento.

O rei acolheu com compreensão as reclamações dos habitantes de Melgaço, que desejava continuar a ter por aliados e sentinelas da fronteira. E assim repôs o estado anterior das coisas outorgando, com pequenos ajustamentos, em 9 de Fevereiro de 1261, uma carta de confirmação do foral concedido por D. Afonso Henriques.

Quanto acabamos de dizer ajuda-nos a ver a forma humana como os nossos primeiros monarcas dialogavam com as populações, exercendo um poder moderador, ainda muito afastado dos figurinos absolutistas das eras moderna e contemporânea.

Para a defesa da fronteira, para a manutenção da ordem, para o povoamento e desenvolvimento do país, o rei sabia que era preciso o concurso de todos e, por isso, uma das suas primeiras preocupações era a de compatibilizar e congraçar os mais diversos interesses e de criar estímulos que promovessem a consecução dos objectivos comuns.

 

Revista da Faculdade de Letras

António Matos Reis

http://ler.letras.up.pt

 

 

 

MELGAÇO QUESTIONA O REI

melgaçodomonteàribeira, 10.06.17

19 a2 - porta castelo.jpg

 

     

O BISPO D. GIL PERES DE CERVEIRA, D. AFONSO III E OS

MUNICÍPIOS DO ALTO MINHO

 

 

   Melgaço regulava-se por um antigo foral, outorgado por volta de 1185, a que serviu de referência o de Ribadávia, na vizinha Galiza. Estava este foral em vigor quando, em 29 de Abril de 1258, D. Afonso III subscreveu uma nova carta em que se lhe outorgava um foral idêntico ao de Monção: “do vobis forum de Monçom” (32). Este novo foral, que tinha entre as testemunhas o delegado do prelado de Tui, Rodericus Iohanis Magister Scholarum tudensis, não agradou, porém, à gente de Melgaço, porque introduzia modificações a que os moradores teriam dificuldade em se adaptarem, designadamente em relação ao censo anual que deviam pagar ao monarca (33). O rei acolheu com compreensão as reclamações dos melgacenses, que desejava continuar a ter por aliados e sentinelas da fronteira. E assim repôs o estado anterior das coisas, outorgando, em 9 de Fevereiro de 1261, com pequenos ajustamentos, uma confirmação do foral concedido por D. Afonso Henriques.

 

(32) T.T., Ch. D. Af. III, liv. I, fls. 27 v.º-28 v.º.

 

(33) Com efeito, esse tributo tinha sido fixado no tempo de D. Sancho II em 1000 soldos leoneses, a pagar em três prestações, ao longo do ano. No novo foral estipulava-se um tributo anual de 350 morabitinos velhos, também em três prestações nas datas acostumadas. Este valor seria fixado na previsão do pagamento de um morabitino por morador, o que fazia com que se elevasse para 350 os moradores na vila. Essa mudança do panorama demográfico obrigaria a uma redistribuição das terras reguengas que o rei tinha doado ao concelho, a qual, para além de outras perturbações no que dizia respeito às benfeitorias introduzidas pelos seus exploradores, forçosamente diminuiria as parcelas, perspectiva suficiente para provocar uma onda de descontentamento.

 

António Matos Reis

Museu Municipal de Viana do Castelo

 

O Bispo D. Gil Peres de Cerveira, D. Afonso III

e os Municípios do Alto Minho

 

Retirado de:

http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4813.pdf

 

OS FORAIS DE MELGAÇO E RIBADÁVIA

melgaçodomonteàribeira, 25.03.17

18 c3 -ribadavia.JPG

 

 

OS FORAIS ANTIGOS DE MELGAÇO, TERRA DE FRONTEIRA

 

(…)

 

Devem ter sido os burgueses de Allariz que manifestaram a Afonso VII a sua preferência pelo modelo sahaguntino, tal como os moradores de Ribadávia se interessarão pelo de Allariz e os de Melgaço pelo de Ribadávia. Convém não esquecer que Ribadávia e Melgaço se situam nas margens do rio Minho, a uma distância relativamente próxima, e estavam ligadas por um caminho que, estabelecidas as proporções, era mais frequentado nessa época do que nos tempos actuais. Ainda no tempo de D. Pedro I, em 1361, Melgaço é referida, numa carta régia, como uma das principais entradas de mercadorias vindas da Galiza no Reino de Portugal.

Sendo Melgaço uma povoação fronteiriça, foram sempre múltiplos os seus contactos com a Galiza, o que se traduziu em muitos aspectos da história local: Santa Maria da Porta, actual orago de Melgaço, evoca as grandes festas de Santa Maria do Portal, de Ribadávia, e São Facundo ou Fagundo, o santo que deu o nome a Sahagún, era o padroeiro de uma das igrejas medievais da nossa vila raiana. É natural que entre os povoadores de Melgaço se contassem agricultores e comerciantes provenientes de Ribadávia.

Entre os destinatários do foral outorgado a Melgaço, em Agosto de 1185, designados simplesmente como moradores ou vizinhos, distinguem-se os mercadores. Nada se pormenoriza sobre o estatuto social, mas supõe-se que é uniforme, fundamentalmente o mesmo dos «burgueses» ou habitantes das povoações noutros documentos designadas «burgos».

Propõe-se-lhes, como objectivos, que edifiquem e habitem na herdade que o Rei possuía no lugar de Melgaço, doando-lhes também a metade régia de Chaviães, na terra de Valadares.

Aparentemente, o foral nada tem a ver com o de Ribadávia, pois as matérias foram objecto de uma exposição e de uma redacção totalmente diferente, mas o mesmo não se dirá em relação aos conteúdos que são, em grande parte, semelhantes.

Fixa-se um imposto geral único, de 1 soldo, ou 12 dinheiros, a pagar por cada casa, como nos forais dos outros burgos portugueses e no de Ribadávia, a que se ajunta a taxa de dois soldos a pagar pelos carniceiros, que também se paga em Ribadávia. Os vizinhos de Melgaço são ainda obrigados a pagar 6 soldos, de colecta, uma vez por ano, no máximo, quando o rei se deslocar à sua vila, tributo que não sobrecarrega os burgueses de Ribadávia.

A tabela das portagens apresenta, naturalmente, várias coincidências e variantes. Com oscilações, nuns casos para mais e noutros para menos, e com variantes, a tabela das sisas e portagens aplicava-se aos mercadores vindos de fora, aos quais apenas era permitido vender a retalho no dia da feira – a segunda a que os documentos portugueses fazem referência. Refere-se expressamente que os moradores nada pagarão do pão e do vinho que colherem, dos panos e dos animais que venderem ou comprarem, assim como dos moinhos, fornos e almuinhas. Estas cláusulas, nos forais de Ribadávia e de Melgaço, explicam-se com a preocupação de corrigir disposições mais gravosas que se mantinham nos forais derivados de Sahagún, se bem que, em certos aspectos correspondem a outras que já encontramos nos forais de Guimarães e do Porto (isenção de taxas sobre as compras de reduzido valor, e especificamente sobre o pão), e por outro lado lembra-nos que, tendo Melgaço um foral idêntico ao de «burgos» mais ricos, se previa também a expressão do sector agrário, como aliás já acontecia no foral do Porto…..

 

 

António Matos Reis

Revista da Faculdade de Letras

 

http://ler.letras.up.pt

 

 

MELGAÇO EM ALEXANDRE HERCULANO

melgaçodomonteàribeira, 19.09.15

13 c2 - foral d man ii.jpg

 

 

De uma forte garantia a favor da immunidade doméstica é exemplo singular o que estatue a carta municipal de Melgaço, concelho imperfeito da sexta formula. A residência de qualquer vizinho era coutada  em seis mil soldos, isto é, ficava equiparada ao solar dos mais illustres cavalleiros de linhagem e, afora o coutamento, quem nella entrasse à força tinha de dar a rejiriação de quinhentos soldos ao dono da casa. Vê-se, além disso, que Melgaço é uma terra própria para o tráfico e que se pretende desenvolver alli o génio commercial. Os productos da lavoura dos vizinhos ou os que estes comiirarem, as fazendas e roupas em que mercadejarem, o commercio de gado, todos os objectos, em summa, sobre que fizerem entre si transacções, quer em feira quer fora della, serão absolutamente livres de impostos. A portagem a que ficam sujeitos os mercadores estranhos é moderada; mas se trouxerem pannos ou outros tecidos (traparia) são obrigados a vender por atacado, deixando aos da terra a venda a retalho, e só nos dias de feira lhes é lícito a venderem tanto de um como de outro modo.

 

 

Retirado de:

Historia de Portugal desde o começo da monarchia até ao fim do reinado de D. Afonso III

 

Alexandre Herculano

 

http://www.archive.org/details/historiadeportugal