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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

1861, A FERA EM FIÃES

melgaçodomonteàribeira, 06.10.18

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fonte da madalena, fiães

 

FIÃES

 

 

Em 1861 foram devastadas as povoações gallegas de Padrenda, Monte Redondo e Gazgoa, por uma féra, que uns diziam ser lobo, outros tigre, outros javalis, etc.

D’alli passou a Portugal e encheu de terror as povoações de Castro Laboreiro e immediatas, fazendo muitas victimas.

Só em um dia, matou duas creanças de 11 anos, em Castro Laboreiro, devorando uma e despedaçando outra. Não era raro encontrar aqui um braço, acolá uma perna, além um craneo; principalmente nas freguezias gallegas.

Tudo andava horrorisado. Ninguem sahia de noite; e, mesmo de dia, só bem armado e nunca só.

O povo, sempre propenso ao maravilhoso, ligou varias historias sobrenaturaes a este acontecimento. Segundo uns, era a féra – um filho indigno, amaldiçoado por seus paes. Segundo outros era um Caim que tinha assassinado um seu irmão. Outros pretendiam que era uma alma do outro mundo. Os mais espertos sustentavam que era um lobishomem – e os mais serios, teimavam que era, nem mais nem menos, o diabo em pessoa.

Combinaram-se todos os povos d’estes sitios para fazerem uma grande montaria ao animal feroz, qualquer que fosse a especie a que pertencesse. Reuniu-se grande numero de povo no terreiro da capella d’Alcobaça, limites de Fiães e Castro Laboreiro, e mais de 300 homens investiram com a floresta das Ramalheiras.

Não appareceu a fera, mas achou-se um rapaz, de 14 annos, horrorosamente ferido por ella, e salvo por umas vaccas, que andava guardando, as quaes se atiraram resolutamente ao animal feroz, e o fizeram fugir. O rapaz escapou. Esta féra appareceu n’estes sitios por duas vezes, com intervallo de dois annos, demorando-se de cada uma alguns mezes.

Desappareceu sem se saber como, nem para onde.

Tambem nunca se chegou a saber positivamente que especie de animal era.

Pelos signaes que davam os que tiveram a infelicidade de o ver, suppõe-se ser um grande tigre, fugido da jaula de qualquer domador de féras.

 

PINHO LEAL, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de,

Portugal Antigo e Moderno, Lisboa, Livraria Editora Tavares

Cardoso & Irmão, 2006 (1873), p. Tomo III, p.184

 

Retirado de:

 

CEAO – Centro de Estudos Ataíde Oliveira

 

http://www.lendarium.org/narrative/fiaes/?place=78

 

 

 

O CARTULÁRIO DO MOSTEIRO DE FIÃES

melgaçodomonteàribeira, 31.12.16

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O principal objectivo da publicação de qualquer cartulário medieval ou moderno é sempre proporcionar aos interessados a sua leitura integral e rigorosa, de forma a perspectivar a riqueza do seu conteúdo, por mais variado que ele seja, pelo que, em princípio, seria redundante e verdadeiramente desnecessário iniciar a sua apresentação com uma justificação. Neste caso, porém. Cremos indispensável elucidar os leitores sobre os motivos subjacentes a esta edição, tanto mais que, em 1995, o Moseo Arqueolóxico Provincial de Ourense publicou este códice do Arquivo Distrital de Braga, integrado na Universidade do Minho, com o título de Tumbo de Fiães, atribuindo a responsabilidade e os primórdios da preparação da edição literária a Xesús Ferro Cousedo, então já falecido.

(…)

 

O CARTULÁRIO DO MOSTEIRO DE FIÃES

(ADB, Ms. 1052)

Vol. I – Introdução. Transcrição. Índices

Autor: José Marques

Edição: Câmara Municipal de Melgaço

Agosto 2016

 

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NOTA PRELIMINAR

 

A edição fac-similada do Cartulário do Mosteiro de Fiães, se para nós representa a concretização de um sonho, há muito acalentado, mas que, no contexto económico e social dos últimos anos, não ousávamos propor, tornou-se realidade, mêrce de várias circunstâncias que permitiram podermos depositá-lo, hoje, nas mãos dos leitores, às quais não terá sido estranha a discreta intervenção de S. Bento, aqui venerado, pelo menos, desde a primeira metade do século XII.

 

O Cartulário do Mosteiro de Fiães

Vol. II – Fac-Simile

Autor: José Marques

Edição: Câmara Municipal de Melgaço

Agosto 2016

 

SOBRE O MOSTEIRO DE FIÃES II

melgaçodomonteàribeira, 24.10.15

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os carvalhos de Fiães

 

 

Embora reduzido a 2 monges, o seu património, apesar de todas as vicissitudes, parece não ter sido posto em causa: o couto, que coincide com a área da actual freguesia, e todo o seu património fundiário é desarticulado e integrado no novo esquema social e administrativo implantado no país pelo liberalismo, no caso particular, integrado no concelho de Melgaço.

Em termos organizativos, embora não haja muita documentação, na sua época áurea por certo não deferiria muito dos seus congéneres: um abade, monges, de origem nobre, alguns letrados e sacerdotes, outros não, de túnica branca e escapulário negro com capuz, ditos monges do coro e que vivem em clausura.

Conversos, irmãos leigos ou laicos, de origem campesina ou burguesa, iletrados na esmagadora maioria e que se dedicavam às tarefas económicas, dentro e fora do mosteiro, nas granjas; eram a mão-de-obra, que vestia um hábito um pouco mais escuro e que vivia dentro do mosteiro, mas afastados dos monges.

Nas imediações da Abadia residia a Família: homens e mulheres que se encomendavam ao mosteiro por razões piedosas ou económicas e que em troca da alimentação, roupa e dormida renunciavam ao direito de propriedade, juravam obediência absoluta ao abade e trabalhavam para o mosteiro. O mosteiro também cuidava dos doentes e dos pobres que a ele se dirigiam em aflição e recebia visitantes em instalações próprias.

O abade era o administrador da comunidade cuidando dos bens, controlando as granjas, velando pela conservação dos edifícios e, dentro do couto, era também a fonte donde emanava o poder terreno.

No âmbito do mosteiro era ajudado pelos monges aos quais estavam atribuídos cargos como os de prior, sacristão, tesoureiro, mestres de noviços e de conversos, enfermeiro, escriba, cantor ou porteiro. Eram encarregados de tarefas tão diversas como as do ensino, ofícios litúrgicos, música, manutenção das alfaias litúrgicas, obras, escrita, contabilidade, cuidados médicos, alimentação, da qual estava excluída a carne, acolhimento a viajantes e das relações da clausura com o exterior, etc.

A granja cisterciense era o centro de exploração económica do domínio monástico. Ali trabalhavam e viviam conversos dirigidos pelo mestre da granja e supervisionados semanalmente pelo monge a que era atribuída essa responsabilidade. As granjas eram constituídas por um conjunto de edifícios económicos, caso de celeiros, estábulos, teares, fornos, moinhos etc., conforme o tipo de exploração e outros domésticos como sejam cozinhas, refeitórios, dormitórios e capela tudo disposto à volta de um pátio.

A vida diária dos monges alternava entre a oração (Opus Dei) no coro, quatro horas diárias mais as missas, com leituras espirituais nos claustros (Lectio Divina) e o trabalho manual (Opus Manuum) nas hortas, no scriptorium ou outras dependências do mosteiro, no conjunto, cerca de seis horas no Verão mais o tempo destinado ao descanso.

O silêncio a que eram obrigados só era interrompido pelo canto no coro, na sala capitular, onde se liam as regras, se tomavam as decisões importantes e se fazia a confissão pública de culpa, e quando o prior distribuía as tarefas diárias no locutório, tarefas e urgências eram resolvidas através de uma sinalética própria.

Dentro do couto, terra imune por excelência em que o rei abdicava das sua prerrogativas jurisdicionais e dos direitos materiais a favor do donatário, as suas responsabilidades iam no sentido de organizar o sistema de relações com os seus súbditos e dependentes e articulá-lo com o poder real e as instituições circundantes.

O abade designava os magistrados existentes na Casa da Audiência do mosteiro, como o juiz, procurador, meirinho e porteiro. Os 12 homens-bons que compunham a assembleia deliberativa do couto eram nomeados pelo juiz, pelo procurador e pelo abade, sendo que após as reformas, no séc. XVII, passou a haver representantes de Alcobaça nessa assembleia; em 1671 havia uma coima de 500 réis por cada falta às reuniões. Magistrados e vereadores, encarregues da administração do couto, eram também designados. Entre outras funções contam-se a milícia, aferidores, recebedores e vendedores. Portanto, uma estrutura similar aos concelhos, cuja diferença reside na origem do poder que, nos concelhos, é de cariz popular e no couto é delegado, neste caso pelo abade.

Do antigo convento subsiste a igreja de planta longitudinal, composta por três naves e quatro tramos, cabeceira tripartida com três capelas quadrangulares, a capela-mor tem dois tramos e as laterais um só, abóbada de berço quebrado e altar de talha dourada (séc. XVIII); no absídiolo esquerdo está um retábulo de gosto maneirista (séc. XVII). Existem ainda alguns capitéis geminados provenientes do mosteiro. A capela da cabeceira do lado do evangelho está decorada com medalhões e arcaturas e na fachada e no altar-mor estão representados os três padroeiros celestes: Stª Maria, S. Bento e S. Bernardo. O túmulo existente na nave sul data do séc. XV, de Fernão Eanes de Lima, pai do 1º Visconde de Vila Nova de Cerveira.

De salientar que o corpo actual da igreja data da fase de restauro já no séc. XVII, tal como a fonte da Madalena e a alameda. A igreja manteve a cabeceira, o portal e as paredes das naves. Elevadas as naves, ganhou em grandiosidade e luz, com uma janela na fachada e no alçado norte contrastando com as frestas a sul mas perdeu a proporcionalidade e a elegância austera anteriores, ainda hoje documentada pela cabeceira, alguns capitéis avulsos e pela pureza do pórtico. Os edifícios da clausura, ainda em ruínas há cerca de 50 anos, já não existem hoje. Algumas casas em redor foram construídas sobre muros e arcos do antigo claustro e materiais foram usados para construção.

O espírito da ordem é visível na austeridade da sua arquitectura ma figuração quase inexistente, na ausência de decoração do pórtico (as estátuas da fachada são do séc. XVII). O espaço interno e as arcadas, de planimetria seiscentista alteraram a luminosidade e o ambiente próprio do espaço cisterciense. Os carvalhos, que se erguem no terreiro, foram mandados plantar pelo abade Frei Félix de Cerveira em 1737.

 

Retirado de: www.rotascister.home.sapo.pt

 

SOBRE O MOSTEIRO DE FIÃES I

melgaçodomonteàribeira, 21.10.15

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Mosteiro de Fiães, desenho de José Pereira em O Minho Pitoresco, 1886

 

 

SANTA MARIA DE FIÃES

 

Igreja do mosteiro com o mesmo nome, classificada como Monumento Nacional desde 1913, como em muitos outros casos as brumas do tempo escondem o seu nascimento. A ausência de dados faz com que se aplique um modelo explicativo para as suas raízes: em finais do séc. IX terá sido fundado um ermitério ou um cenóbio de tradição visigótica de S. Frutuoso e com ligações a Dume, sendo que o primeiro documento conhecido data de 1154, havendo um outro de 1157 onde se menciona a regra de S. Bento. A primeira referência explícita a Cister consta de um documento de 1194 onde consta a filiação de Fiães em Tarouca.

É ainda no séc. XII que se constitui o seu património através de doações, legados, compras e escambos onde sobressai em 1157 a constituição do Couto por meio da doação de Afonso Pais (embora falte um documento que confirme as isenções) e o apoio de Afonso Henriques que lhe outorga em 1177 o que possui de bens em reguengos de Melgaço ao termo de Chaviães e de Cátaro ao Rio Minho, erguendo os monges uma granja em terras de Orada e aí erigindo uma capela considerada uma das jóias do românico português. Sancho I revoga a doação da herdade da Senhora de Orada em benefício dos povoadores de Melgaço mas compensa o mosteiro com terras na freguesia de Messegães (Monção).

O primeiro século de existência será o seu período áureo e, como expressão de sua vitalidade, funda Ermelo na sua dependência que constituirá caso único em Portugal; embora não se saiba quantos monges terá podido sustentar, a documentação existente só demonstra a decadência posterior causada quer por mudanças de mentalidades quer pelo desmantelar da organização e apropriação dos rendimentos pelos abades comendatários. Estes aparecem para evitar que as igrejas sofressem os inconvenientes de uma vacatura prolongada, assim, até à nomeação de um novo superior era nomeado um pastor temporário, mas o sistema evolui para uma situação de benefício permanente.

A crise económica, social e também espiritual do séc. XIV com o seu rol de guerras, fome e doenças afectará também os mosteiros influindo na crise de vocações, desorganização e perda de rendimentos. Ainda assim, após as guerras fernandinas e a conquista de Melgaço por D. João I (tendo D. Filipa ficado instalada no mosteiro enquanto decorriam as movimentações militares), em 1392 aquele ainda lhes concederá o “dízimo do pescado miúdo no Rio Minho do termo de Melgaço contra Galiza com excepção das lampreias, sável e eiróses”.

O grande flagelo será, no entanto, a substituição do abade vitalício e eleito na comunidade pelos abades comendatários, absentistas que não conhecem os monges, não estavam a par das regras e usos, não mantinham a disciplina e não faziam cumprir devidamente o ofício divino, promovendo o relaxamento dos costumes. A eles só interessa os rendimentos do mosteiro, bens e rendas eram dissipados e consumidos, as casas não tinham monges suficientes e não eram providas do sustento para as manter, é natural o desleixo na manutenção e conservação dos edifícios. A casa real protege Alcobaça, mas o resto será dissipado.

Em 1532, fruto da intervenção de D. João III, é nomeado comendatário D. João de Cós, antigo prior de Alcobaça, homem enérgico e que vai residir para Fiães na tentativa de recuperar património fundiário, reorganizar a comunidade e realizar obras urgentes.

Quando o abade de Claraval chega a Fiães em Janeiro de 1533, verifica com agrado as obras de restauro começadas por D. João de Cós, nos tectos da sala capitular, na igreja do claustro e nos aposentos do Abade; tudo o resto eram grandiosas ruínas e uma pobreza gritante quanto aos paramentos e alfaias litúrgicas, meia dúzia de manuscritos, alguns muito belos mas antigos e obsoletos face ao avanço da imprensa e apenas o abade, 4 religiosos e 2 conversos. Condições de vida que, no entanto, não diferem substancialmente das da população em geral.

A degradação moral, sinais dos tempos de mudança e de reinvenção da espiritualidade no ocidente; a falta de piedade e o relaxamento dos costumes constituem uma nota pouco edificante em muitos conventos. Em Fiães, o caso da filha do anterior comendatário que na granja de Orada exercia a prostituição conjuntamente com 2 outras jovens, motivou a intervenção enérgica do visitador junto do Juiz de Melgaço, conseguindo expulsar as mulheres que exerciam a prostituição, inclusivamente, na abadia.

Em 1567, com a reforma da Igreja Católica, efectuada pelo Concílio de Trento acaba a sangria. Alcobaça fica como responsável pela Ordem em Portugal, institui-se a figura do Abade trienal e passa a ser exercida uma vigilância a cargo dos capítulos gerais de Alcobaça. Aos poucos foi recuperada a vivência monástica e abre-se uma época de reconstrução e recuperação dos edifícios de que Fiães acabará por beneficiar.

O Marquês de Pombal, na sua política de criação de um Estado centralizado, actua no sentido de submeter a Igreja à autoridade civil; é no âmbito desta problemática que entra o combate aos cistercienses; nomeia um geral da Ordem influenciável e que rodeia de homens da sua inteira confiança os quais promovem a reforma dos estudos monásticos e as pastorais de 1774 que, preparando os monges para futuras extinções possibilita o afastamento dos abades trienais com a desculpa de purificação do ambiente. Assim são extintos Mocambo, Tarouca, Lafões, Seiça, Maceira-Dão e Fiães entre outros, anexando as rendas a outras entidades: as de Fiães foram entregues ao Colégio da Conceição em Coimbra.

Esta primeira extinção foi fatal para muitos mosteiros entre os quais se encontrava Fiães. Apesar da restauração de 1777 levada a cabo por Maria I, a qual corrige a acção contra Alcobaça, a época já não era propícia à recuperação das instituições monásticas: cerceamento à liberdade de ingresso nas ordens religiosas e tomadas de ordens, efeitos da revolução francesa, da expansão do liberalismo e hostilidades durante a revolução liberal causadas pela posição miguelista que foi adoptada pelas instituições religiosas abrem campo ao decreto de extinção das ordens religiosas em 1834, inventariando-se os bens das ordens e integrando-os na Fazenda Real.

 

(continua)

 

OS SERVIÇOS SECRETOS USA E MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

Artur Teixeira

 

 

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, QUINTA-FEIRA, 30 JANEIRO 1997

 

 OURO

 

FIÃES SERIA O TRAMPOLIM PARA ESPANHA

 

Carlos Carvalho

 

    Por Fiães, junto à actual fronteira pedestre de São Gregório, alguns quilómetros acima de Melgaço, terá passado ouro e volfrâmio para Espanha, dali para França e com destino à Alemanha. O assunto é abordado em surdina na vila minhota, mas ninguém quer dar a cara, temendo qualquer tipo de represália das autoridades.

   O minério seria proveniente de algumas minas do Norte do País, chegando a Melgaço, onde contrabandistas engendrariam o esquema de fazer passar a mercadoria para lá da fronteira. O DN sabe que Artur Teixeira, natural de Melgaço e entretanto falecido, seria um dos líderes ou mesmo o cabecilha da quadrilha, confirmando a informação dos serviços secretos norte-americanos, que, em 1945, o referenciavam como membro de uma “sociedade de contrabando”.

   Artur Teixeira é um dos muitos nomes apontados em relatórios de espiões americanos, elaborados em 1945 a partir de Lisboa, como o DN revelou no domingo. Um tema também abordado pela revista Visão na quinta-feira.

   Populares da vila, que pediram anonimato, recordam ter sido essa a forma de Artur Teixeira e seus pares enriquecerem – os americanos falam em 24 mil contos na altura. “Ele emprestava aos mil e dois mil contos, comprou inúmeras propriedades. Tinha muitas posses”, garantem.

   Ao que o DN apurou, o homem conseguiu instalar um posto de abastecimento de combustível – único em Melgaço -, montou uma empresa de camionagem, que servia o concelho e terras vizinhas, e abriu uma agência de câmbios, resultado de “importantes contactos em instituições bancárias do Porto”.

   Por razões desconhecidas, perdeu quase tudo. Às duas filhas, uma delas solteira e ainda ali a viver, não se lhe conhecem grandes valores. Sabe-se, apenas, que o Tribunal de Melgaço nomeou um gestor para a empresa de camionagem, depois de ser declarada falência.

   Apenas por Fiães passaria para a Alemanha ouro e volfrâmio, destinado ao fabrico de armas. O negócio terminaria em finais de 1944 ou 45, pouco depois dos Aliados terem libertado a França do domínio nazi.

   Nunca o rio Minho terá sido utilizado para transferir a mercadoria de um lado para o outro da fronteira. A divisão natural dos dois países serviu, isso sim, para o contrabando de pequenos produtos e géneros alimentares, muito em voga na altura.

 

(continua)

 

SOMOS EMIGRANTES, SIM SENHOR

melgaçodomonteàribeira, 07.03.13

 

Homenagem ao emigrante - Fiães

 

 

  ESTE TEXTO TEM POR BASE DADOS DOS INSTITUTOS DO GOVERNO PORTUGÊS. MELGAÇO É O CONCELHO COM MENOR NÚMERO DE INSCRITOS EM CENTRO DE EMPREGO. É VERDADE, SIM SENHOR; E DESDE CAMÕES FOI POETICAMENTE ESCRITA A NOSSA BOA SORTE.

 

 

"A QUE NOVOS DESASTRES DETERMINAS

DE LEVAR ESTES REINOS E ESTA GENTE

QUE PERIGOS, QUE MORTE LHES DESTINAS

DEBAIXO DALGUM NOME PREMINENTE!

QUE PROMESSAS DE REINOS E DE MINAS

D’OURO, QUE LHE FARÁS TAM FACILMENTE ?

QUE FAMAS LHE PROMETERÁS? QUE HISTÓRIAS ?

QUE TRIUNFOS? QUE PALMAS? QUE VITÓRIAS ?"

 

CAMÕES

 

                                 

"NÃO ME TEMO DE CASTELA

DONDE INDA GUERRA NÃO SOA;

MAS TEMO-ME DE LISBOA,

QUE, AO CHEIRO DESTA CANELA,

O REINO NOS DESPOVOA"

 

SÁ DE MIRANDA

 

 

"VEMOS NO REINO METER

TANTOS ESCRAVOS CRESCER

E IREM-SE OS NATURAIS

QUE, SE ASSIM FOR SERÃO MAIS

ELES QUE NÓS A MEU VER"

 

GARCIA DE RESENDE

 

 

OLHAI, OLHAI, VÃO EM MANADAS

OS EMIGRANTES …

UIVOS DE DÓ PELAS ESTRADAS.

JUNTO DO CAIS, NAS AMURADAS

DAS NAUS DISTANTES …

VELHINHAS, NOIVAS E CRIANÇAS,

SENHOR! SENHOR!

AO VOAR DAS ULTIMAS ESP’RANÇAS

CRISPAM AS MIOS, MORDENDO AS TRANÇAS,

LOUCAS DE DOR!

LÁ VÃO LEVADOS, VÃO LEVADOS

PELO ALTO MAR

…………………………………………….

VOLTARÃO, QUANDO, MAR PROFUNDO ?

JAMAIS! JAMAIS!

 

GUERRA JUNQUEIRO

 

 

"HOMENS QUE TRABALHAIS NA MINHA ALDEIA,

COMO AS ÁRVORES, VÓS SOIS A NATUREZA.

E SE VOS FALTA, UM DIA, O CALDO PARA A CEIA

E TENDES DE EMIGRAR,

TRONCOS DESARREIGADOS PELO VENTO,

LEVAIS TERRA PEGADA AO CORAÇÃO.

E PARTIS A CHORAR.

QUE SOFRIMENTO,

Ó PÁTRIA, VER CRESCER A TUA SOLIDÃO!"

 

T. PASCOAIS

 

 

"…VI MINHA PÁTRIA DERRAMADA

NA GARE DE AUSTERLITZ. ERAM CESTOS

E CESTOS PELO CHÃO.

PEDAÇOS DO MEU PAÍS.

RESTOS.

BRAÇOS.

MINHA PÁTRIA SEM NADA

SEM NADA

DESPEJADA NAS RUAS DE PARIS.

E O TRIGO ?

E O MAR ?"

 

M. ALEGRE

 

 

AI, HÁ QUANTOS ANOS PARTI CHORANDO

DESTE MEU SAUDOSO, CARINHOSO LAR!...

FOI HÁ VINTE ? … HÁ TRINTA ?... NEM EU SEI QUANDO!...

MINHA VELHA AMA, QUE ME ESTÁS FITANDO,

CANTA-ME CANTIGAS PARA EU ME LEMBRAR!...

 

DEI A VOLTA AO MUNDO, DEI A VOLTA À VIDA…

SÓ ACHEI ENGANOS, DECEPÇÕES, PESAR…

OH! A INGÉNUA ALMA TÃO DESILUDIDA!...

MINHA VELHA AMA, COM A VOZ DORIDA,

CANTA-ME CANTIGAS DE ME ADORMENTAR!...

 

GUERRA JUNQUEIRO

 

 

   ESTE TEXTO FOI RETIRADO DE BIBLIOTECA DIGITAL CAMÕES, INSTITUTO DE CULTURA E LINGUA PORTUGUESA. É DA AUTORIA DE JORGE CARVALHO ARROTEIA. DENOMINADO: A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA – SUAS ORIGENS E DISTRIBUIÇÃO.

   UMA HOMENAGEM A TODOS NÓS QUE DEIXAMOS A NOSSA TERRA.

    A TODOS OS MELGACENSES EM FRANÇA, SUIÇA, ANDORRA, GALIZA, ESPANHA, CANADÁ, EUA, BRASIL…

 

FIÃES 1841 II

melgaçodomonteàribeira, 07.03.13

 

Em Fiães

 

 

(conclusão)

 

 

   Quase um mês depois da catástrofe, o pároco fazia um relatório ao Administrador do Concelho, inventariando o desastre de S. João: 15 casas ‘’com todos os seus apparatos’’, 6 pontes, 5 moinhos, 16 cabeças de gado grosso, 200 de gado miúdo, 10 porcos, 30 ‘’carros de pão’’(cereal), canastros de milhos, forão louvados em 16 000 cruzados’’ O total geral é avaliado em 45 000 cruzados. O número de mortos elevou-se a 14 pessoas, afectando 6 família, uma das quais perdeu 6 membros.

   Organizava-se entretanto a ajuda às famílias atingidas. Primeiro é o Administrador Geral do Distrito de Viana do Castelo que propõe uma subscrição nos diferentes concelhos da sua jurisdição, depois a notícia chegou à capital. Em Lisboa, A Revolução de Setembro parece ter sido o primeiro periódico a divulgar o acontecimento, quase um mês depois, mas as providências por parte do Governo tardarão muito mais. Só em Março do ano seguinte, D. Maria II assina um documento encarregando as comissões de recolherem donativos a favor das vítimas de S. João. Em Dezembro de 1842 os donativos chegam ainda a Melgaço.

   S. João não voltou a ser reconstruído. Os sobreviventes, recolhidos nos lugares mais próximos, por aí ficaram refazendo a vida e guardando a memória do que tinha acontecido. Mas, de facto, o que tinha acontecido? E porque tinha acontecido?

 

   Hoje, a catástrofe de 1841 sobrevive na recordação dos mais velhos, que a ouviram contar aos avós: depois de uma grande tempestade com muitos ‘’ raios que caíram no monte’’, deu-se o ‘’terramoto’’ que trouxe muita terra e muitas pedras para baixo, fechando a passagem e formando uma grande ‘’bexiga de água’’ que acabou por rebentar, destruindo tudo pelo caminho.

   A recordação da catástrofe sobreviveu também através da veneração da iamagem de S. João, recolhida na Igreja de Porto Carreiro. Quase século e meio depois, por iniciativa do Padre Manuel Lourenço, pároco do Fiães, foi construída no local do desastre (onde existiam umas ‘’alminhas’’) uma pequena capela para onde foi levado o orago do desaparecido lugar. Lê-se na entrada: ‘’Monumento evocativo aos mortos do terrível desastre de 17 de Novembro de 1841. Fiães 1988’’.

 

   Documento I

 

   ‘’ O nosso correspondente de Villa nova de Cerveira participa-nos com data de 25 do passado o funesto acontecimento, que abaixo transcrevemos.

………………………………

   Um funesto acontecimento soffreram no dia 17 os habitantes do logar de S. João, freguezia de Fiães, o qual não só estimula a nossa filantropia, mas também provoca nossas lágrimas. Naquelle dia á uma hora da tarde desabou uma nuvem de agoa sobre o monte das Anturas, sobranceiro ao logar de Porto-Carreiro, freguezia de Fiães, conselho de Melgaço; e abrindo parte do mesmo monte despediu delle monstruosos penhascos, que vieram rolar sobre o logar de S. João, lançando por terra 15 casas, ficando abaixo das ruínas 14 pessoas. Esta catástrofe além daquele lastimoso estrago reduziu á miséria muitas mais famílias pela perda de gados de todas as classes, fructos colhidos e por colher, que a violencia das agoas e o desabamento da collina entulhou no valle. Esperamos da habitual beneficência dos nossos concidadãos, ver minorada por uma subscripção (já aberta) a pungente miseria a que ficou reduzido aquelle infeliz povo.’’ (27)

  

(27) A Revolução de Setembro, Lisboa, 11.12.1841

  

   O Atleta, Porto, 14.12.1841

 

 

   Documento II

 

   Secretaria de Estado dos Negócios do Reino

 

   Merecendo-me a maior solicitude o desastroso accidente occorrido ha pouco em o districto administrativo de Vianna, no logar de S. João, freguezia de Fiães, concelho de Melgaço, onde, por effeito de huma impetuosa torrente de chuva, que por longo espaço de tempo cahíra sobre o monte denominado Anteira, sobranceiro ao logar de Porto Carreiro, abrindo parte do mesmo monte, vierão a deslocar-se delle enormíssimos penhascos que, despedidos violentamente sobre o dito logar de S. João, o deixarão quasi todo arrasado, ficando demolidas quinze casas, seis pequenas pontes, e cinco moinhos, e sepultadas sob as ruínas quinze pessoas, além da perda de mais de duzentas cabeças de gado ……………………...................

 

   Paço das Necessidades, em 5 de Março de 1842

 

   Este trabalho, está publicado na sua totalidade em www.letras.up.pt ou www.apgeo.pt/files/docs/inforgeo

 

 

Camborio Refugiado

 

FIÃES 1841 I

melgaçodomonteàribeira, 07.03.13

 

Convento de Fiães

 

 

III CONGRESSO DA GEOGRAFIA PORTUGUESA,

PORTO, SETEMBRO 1997

 

O ‘’TERRAMOTO’’ DE S. JOÃO (MELGAÇO) EM 1841:

UM PERCURSO PELA GEOMORFOLOGIA HISTÓRICA.

 

 

Carlos Bateira – Instituto de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade Porto

Laura Soares -                           ‘’                                                ‘’

João Carlos Garcia -                  ‘’                                                ‘’

 

 

 

…………………..

 

A Freguesia de Fiães em meados do século XIX.

 

   No início da conturbada década de 1840, no extremo norte do Alto Minho, a freguesia de Fiães contaria no seu conjunto com quase duas centenas e meia de fogos e perto de 800 habitantes. No quadro do concelho de Melgaço, pode dizer-se que a organização do seu espaço ……a freguesia correspondia ao couto do antigo Mosteiro de Fiães, instituição cisterciense (com existência documentada desde o séc. XII), então há pouco desaparecida no contexto da extinção das ordens religiosas.(2)

(2) Cfr. José Marques – O Mosteiro de Fiães (notas para a sua história), Braga, ed. Autor, 1990. pg 41.

………………………………….

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O ‘’Terramoto’’ de S. João.

 

   Um importante núcleo existia no lugar de S. João, muito próximo de Porto Carreiro, num local a meia vertente onde convergiam vários pequenos ribeiros mas todos com algum caudal. S. João cresceu como um tentáculo de Porto Carreiro, para cima ao longo da vertente, mas encaixado na apertada garganta do pequeno afluente do Trancoso. Uma das suas riquezas era essa força motriz que alimentava as suas azenhas: 5 num aglomerado de apenas cerca de duas dezenas de casas. Mas, uma das fortes razões da sua existência explicará o seu desaparecimento.

   A 17 de Novembro de 1841, depois de dois meses de intenso mau tempo, com muita chuva, um terrível ‘desmoronamento de terras’ destrói em momentos a povoação, morrendo soterrados muitos dos habitantes. Os prejuízos materiais revelam-se catastróficos para a pequena comunidade.

    Logo no dia seguinte, o regedor Manuel do Rego lança um apelo ao Administrador do Concelho, depois de relatar sumariamente o ocorrido. ‘’ Participo a Vª. Exª. Que hontem pela huma ora da tarde reventou uma parte do monte denominado Anteiro e veio ao lugar de S.João/Porto Carreiro e arrazou e levou 9 cazas com muita gente e gado foi uma desgraça muito grande. Ora hé precezo q Vª Sª dê providencias mandando vir gente do Con.º pª ajudar a desenterrar a gente e gados e frutos e aparattos q ficarão debaxo dos rochedos.’’

   A ajuda chegou principalmente dos lugares vizinhos, onde se recolheram os sobreviventes e donde partiram os grupos de homens a desenterrarem os cadáveres e a dar-lhes sepultura junto ao Mosteiro de Fiães. A grande torrente de pedras, terra e lama atingira também Porto Carreiro, chegando mesmo ao leito do Trancoso. Na tradição oral, ao chegar à Igreja de Nossa Senhora da Vista a torrente dividira-se em duas, salvando-se milagrosamente o templo, que ainda hoje se encontra parcialmente soterrado. As consequências foram contudo destruidoras nos campos, que levarão muitos anos a limpar e reconstituir.

 

 

(continua)