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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

AS MAMOAS CASTREJAS

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

REVISTA DA FACULDADE DE LETRAS

 

MAMOAS DO NORTE DE PORTUGAL:


ESTADO DA QUESTÃO EM 1981

 

Por: Vítor Oliveira Jorge

 

Professor Catedrático da Faculdade de Letras da U.P.

 

   O distrito de Viana do Castelo é muito rico em monumentos dolménicos. As concentrações megalíticas iniciam-se aliás junto à fronteira (a respectiva linha passa por alguns monumentos), prolongando para sul as necrópoles da zona meridional da província de Pontevedra.

   No concelho de Melgaço, destaca-se a este respeito a freguesia de Castro Laboreiro, Em finais de 1978, a Unidade Arqueológica da Universidade do Minho realizou o levantamento sistemático das suas mamoas, integrado num trabalho semelhante extensivo a todo o Parque Nacional da Peneda-Gerês, no qual existiriam cerca de 200 monumentos; desses, a maior parte situar-se-ia precisamente no planalto de Castro Laboreiro, a cotas a cerca de 1200 m. Aí teriam sido identificadas  64 mamoas e uma cista. É o que se pode ler num folheto sobre a acção da U.A.U.M. intitulado “ Actividade Arqueológica – 1976 – 1980”, em que se escreve: “ as mamoas formam conjuntos de 3 a 9 unidades, preferencialmente localizados nas chãs do planalto. A maior parte destes conjuntos encontra-se em aparente relação com um monumento isolado no alto do monte mais próximo. São poucas as mamoas que se localizam nas vertentes ou no fundo das corgas. O material usado na construção destes túmulos foi o granito que constitui o substrato de uma larga faixa do planalto de Castro Laboreiro.

   “Grande parte destes monumentos sofreu ao longo de diferentes épocas violação da câmara, verificando-se mesmo, nalguns, o desmantelamento parcelar da mamoa”.

   Todavia, posteriormente, teriam sido identificados mais monumentos (de carácter dolménico e “cistas”) que, no seu conjunto, e segundo uma informação pessoal, atingiriam a cifra de 80.

   Em 1978, e a convite do Parque Nacional, deslocámo-nos a Castro Laboreiro na companhia de diversos arqueólogos, tendo então observado os monumentos seguintes:

   - Mamoas da Corga das Antas (2), nas proximidades do monte chamado da “Paicota”. Trata-se de monumentos de grandes dimensões, muito bem conservados, situados a alguns metros um do outro. Um deles, com 25m de diâmetro, não apresentava sinais de violação, o que é extremamente raro. Segundo o P. Aníbal Rodrigues, no Outeiro da Paicota haveria outra possível mamoa;

   - Mamoa junto da “Pedra Cavalgada”, nas proximidades do marco fronteiriço nº 18. Destaca-se enormemente na paisagem, sendo de grandes dimensões;

   - Mamoas da Pedra Cavalgada (4) – conjunto de quatro monumentos, situados e um e outro lado do caminho;

   - Mamoas da Corga do Porto dos Bois (3);

   - Mamoa do marco geodésico do Giestoso (1337 m de altitude), este marco foi implantado sobre o monumento, que domina inteiramente toda a área visitada;

   - Mamoas a sul do marco fronteiriço nº 25 (2), situadas nas proximidades da “Mota Furada” ou do Alto da Lama da Paz; uma delas contém ainda elementos da estrutura megalítica. Destacam-se nitidamente na paisagem;

   - Dólmen e mamoa da “Mota Furada”- dólmen com corredor (ao que nos informaram, ainda intacto), virado a nascente. A tampa foi partida recentemente em três fragmentos. Laje de cabeceira de grandes dimensões. É notória a forma de alguns esteios da câmara, aparentemente mais largos do que altos.”Mota” é a designação que o povo local dá às mamoas;

   - Mamoa da Cabeça de Meda, nas imediações do marco geodésico do Giestoso;

   - Dólmen de Pio Carneiro (Portos). Com uma mamoa de grandes dimensões. A laje de cobertura foi partida recentemente. Um dos esteios apresenta três concavidades circulares, cuja origem humana é duvidosa.

   Há alguns anos, o Sr. Padre Aníbal Rodrigues publicou uma pequena nótula sobre os Dólmenes de Castro Laboreiro, segundo a qual eles seriam “geralmente constituídos por sete esteios e uma mesa ou chapéu”.

   O conjunto megalítico de Castro Laboreiro é, sem dúvida, um dos mais importantes do Norte do país, impondo-se a publicação do inventário realizado, e a efectivação de escavações cientificas em alguns monumentos. O facto de as mamoas surgirem nuclearizadas, e de algumas assumirem uma posição dominante na paisagem, relativamente às demais, é também de muito interesse, pois, tal como acontece em algumas necrópoles transmontanas, pode representar uma hierarquização tumular em relação com aspectos sociais, cronológicos, ou tão só simbólicos. A presença, ao que parece, de “cistas” nas proximidades de monumentos de maiores proporções, é também um dado que conviria ser investigado.

 

Ler o documento completo em:

 

 

 http://ler.letras.pt/uploads/ficheiros/2095.pdf

 

 

Felizmente o cenário actual é bem diferente, várias foram as mamoas escavadas e estudadas no Alto da Portela do Pau, bem como a mamoa do Batateiro na freguesia da Gave. É de enaltecer o trabalho do Professor Doutor Vítor Oliveira Jorge e das suas equipas que há décadas dirige os trabalhos arqueológicos no Planalto de Castro Laboreiro. E ao grande castrejo Padre Aníbal Rodrigues que nunca esmoreceu com as dificuldades e lutou para que os “seus” monumentos não fossem esquecidos, a minha homenagem – Obrigado Padre Aníbal.

 

O PELOURINHO DE CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

O PELOURINHO DE CASTRO LABOREIRO

 

 

   Numa digressão que fizemos pelo Norte em Julho de 1917, depois de termos regressado do sul de Angola, onde estivemos como expedicionário comandando a 10ª  companhia de infantaria nº 20, tivemos a ocasião de ir a Castro Laboreiro. Logo que ali chegámos, feita a viagem desde Melgaço a cavalo e acompanhado de guia, perguntámos pelo pelourinho.

   Fomos então informado de que estava fazendo parte da chaminé duma casa onde residia um professor primário aposentado. Convidado a entrar na referida casinha, ali se nos deparou um esteio de granito de secção octogonal, com dois metros de comprimento, tendo num dos extremos a inscrição que se vê no desenho (não temos o desenho),  0m,22 abaixo da linha, em que devia assentar um ‘’chapéu’’ de pedra, segundo ouvimos referir a um indivíduo de idade avançada, que havia sido encarregado por um antigo pároco de apear o pelourinho, a fim de empregar o fuste na casa que andava construindo. No outro extremo apresentava vestígios de ter estado metido numa cavidade. Por acaso apareceu uma rapariga castreja, que disse ter ouvido a um dos seus falecidos avós que uma pedra fazendo parte da parede exterior duma outra casa da localidade era do pelourinho.

   Dirigindo-nos à casa indicada, deparou-se-nos uma pedra em forma de pirâmide quadrada truncada, tendo na parte superior uma cavidade, onde devia introduzir-se o extremo inferior do esteio. Numa das suas faces, viam-se dois pequenos sulcos paralelos, que talvez tivessem servido de sinais de referência, pois um dos circunstantes disse recordar-se de ter visto na sua infância as mulheres servirem-se do pelourinho para medirem as meadas de linho. As dimensões do tronco da pirâmide eram as seguintes: altura 0m,70; lado da base 0m,43; distância entre a base e o traço inferior de referência 0m,36 (dois palmos); da mesma base ao traço superior 0m,56 (três palmos e meio); dêste traço à aresta superior 0m,14 (meio palmo).

   O esteio tinha tambêm um traço horizontal de referência, 0m,02 acima do extremo inferior. A espessura do esteio era de 0m,15 e cada face da secção octogonal tinha a largura de 0m,05.

   Segundo informações o ‘’chapéu’’, de secção quadrada, tinha umpequeno friso em volta e na parte superior um chanfrado, no qual entrava a base  duma pirâmide de granito, com 0m,60 d altura aproximadamente, e que rematava o pelourinho. Entre a base da pirâmide e o rebôrdo exterior havia a distância aproximada de 0m,15. O conjunto assentava em três degraus de granito, de 0m,30 de altura cada um, e tendo o inferior 2m,5 de lado. O informador foi Melchior Gonçalves, de 85 anos de idade, têndo sido ele quem em 1860 destruíu o pelourinho, como dissemos, por ordem do pároco da freguesia. É oportuno dizer que aquele informador Já não se lembrava que a pedra que nos foi indicada pela rapariga castreja fizera parte do pelourinho, como devia ter feito, segundo a nossa observação.

   Vê-se, pois, do que fica dito dêste pelourinho, que se levantava em frente de uma pequena casa térrea servindo noutros tempos de câmara municipal, esteve no seu lugar durante três seculos.

 

   Setúbal, Novembro de 1920

 

   Fernando Barreiros

 

Retirado de O Archeologo Português

 

O NOSSO CÃO

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

Castro Laboreiro

 

 

UM CÃO DA NOSSA TERRA

 

   O cavaleiro, que capitaneava estes homens, cavalgava um magnífico e fogoso cavalo murzelo sem mancha, ao lado do qual trotava bizarramente um daqueles gigantescos e valentes cães de Castro Laboreiro, igualmente preto retinto, cuja grandeza faz apavorar os que pela primeira os vêem.

 

   O cavaleiro puxou de uma chave, que trazia consigo, e abriu uma porta falsa, que havia no lado direito do grande portão de ferro. O enorme cão de Castro Laboreiro, que o tinha acompanhado, lançou-se de um salto para dentro.

 

   As nuvens estalejavam em trovões estridentes e prolongados; e os relâmpagos fendiam nelas longos sulcos caprichosos que iluminavam pavorosamente o espaço.

   — Belzebu aqui! – disse então o cavaleiro, em voz surda e dominadora, ao cão, que olhava inteligentemente ora para ele ora para o terraço.

   O gigantesco animal lambeu com humildade e afecto a mão, que imperiosamente apontava para a terra, e, em seguida, deitou-se de barriga e estendeu o focinho sobre as mãos, cravando ao mesmo tempo no amo um olhar cheio de tino e de intrepidez.

 

      Ana Maria dos Santos Matos

 

      O Satanás de Coura

      Memórias do sec. XVII

      Por

      Arnaldo Gama

      (Romance Inédito)

 

      Este cheirinho ao nosso cão de certeza que abriu o apetite ao resto do romance. Vamos viver o que já passou há muito.

http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/18641/3/5252TM02PAnaMariadosSantos

 

UMA EXCURSÃO A CASTRO LABOREIRO II

melgaçodomonteàribeira, 07.03.13

 

Alcobaça - Lamas de Mouro

 

 

   Por fim entrámos na villa, que é como os Crastejos chamam á sua terra, visto que ella o foi algum dia. Ainda que as instituições sociaes mudem, o vulgo, que está afeito á linguagem tradicional, conserva esta longo tempo, em contradicção com os factos.

   Apesar da sua rusticidade, Castro-Laboreiro procura acompanhar o progresso: possue algumas lojas de negócio, uma fonte de cantaria, e um Commendador, que é ao mesmo tempo o Professor primario da freguesia, o Sr. Mathias Lobato, pessoa amável, a quem os forasteiros ficam sempre devendo obsequios.

   Ao longe o castello, posto num alto, provocou logo a minha visita, porquanto esperei encontrar ahi alguns vestígios proto –ou prehistoricos; na sua última fase, é todavia de epoca portuguesa, o que se vê da architectura e de uma inscripção. Nada encontrei no interior. Sem embargo, quem procedesse a excavações, talvez encontrasse qualquer cousa junto d’aquela mole de granito, onde, por causa da inexpugnabilidade do sitio, que fica de mais a mais entre dois regatos, jazeu certamente o primitivo Castro. De lá se goza ampla vista de aldeólas, por exemplo, Corveira, Laceiras, Barreiro, Açoreira, Meijoeiro (quartel permanente da guarda-fiscal), Dorna, Entalada, Pontes, Mareco, solitarias, entre arvoredos e montes. Várias d’ellas servem de inverneiras. Em contraste com ellas ha as brandas, por exemplo, Portos, Seara, Eiras, onde se passa o verão; a palavra branda está, quanto a mim, por ‘’veraada < veranata, e corresponde á hespanhola vernada; cfr. de um lado, o gall. e crastejo gando, e hesp. ganado, e do outro, o hesp. braña  ‘’pasto de verano’’, de veranea.

   No dia da nossa chegada havia na villa feira de gado. Tive por conseguinte ensejo de observar muitos homens juntos: apresentavam-se geralmente de cara rapada, vestiam de çaragoça (jaqueta, calças e collete), traziam chapeu de panno ou carapuça, e varapau. Mulheres, por ser de gado a feira, não andavam lá muitas. O trajo ordinario d’ellas é: camisa; faxa vermelha; collete; jaqueta; saia branca; saiote; saia de côr, quasi sempre preta, feita de foloado ‘’pano de lã de ovelha ou de linho’’, que se fabrica em Castro; mandil; singuidalho, do mesmo ou de outro panno; na cabeça capella, que póde ser substituida por lenço; nas pernas calções e piucas, meias sem pé, que se prendem com uma liga ou baraça; e nos pés chancas. A outras peças de vestuario já acima me referi. No inverno, tanto homens como mulheres se abrigam das neves, chuvas e friagens com o corucho, especie de capuz de burel que se traz na cabeça, e tem uma especie de aba que se prolonga pelas costas abaixo; a palavra corucho provém talvez de corona + suff. –ucho.

   O sr. Abbade de Melgaço é natural da freguesia de Castro, e por isso fácil lhe foi apresentar-me em muitas casas para eu observar os costumes.

   Uma das industrias caseiras mais correntes é a de fiar. Ha grande variedade de rocas no nosso país, e cada uma das peças e componentes d’ellas tem seu nome: assim a parte bojuda, onde se colloca o fiado, chama-se em Castro rocanço, e apresenta tres saliencias; o cone truncado que cobre o fianço chama-se naipo, por ser feito de cartas de jogar (naipe). Fianço é o nome do fiado. Os fusos são de duas especies: de ferro, para linho, e de pau para lã; adquiri alguns mais curiosos, que trouxe para o Museu Ethnologico. Aos pesos de tear (feitos de madeira) ouvi dar o nome de catolcas.

   A cozinha consta de: lareira, borralheira, especie de camara para recolher o borralho, coberta por uma lage que se chama copeira ou pilheira; escanos, postos ao lado da lareira, para se sentarem; almario, simples prateleira para louça; masseira; fumeiro ou ‘’caniço’’, pôsto superiormente á lareira, para ahi se enxugar a roupa; arcaz, caixa para guardar os cereaes.

   Os Crastejos servem-se, mais ou menos, de pratos de madeira, tanto para comerem, como para conservarem a comida. Eu vi d’estes pratos. Tambem se usam cuncas ‘’malgas’’ ou ‘’tigelas’’ da mesma substancia; d’antes todos comiam nellas, hoje porem só as crianças. Consta-me que esta ‘’loiça’’ se fabrica na Galliza, e se exporta de lá para o Alto-Minho. Ha colheres de madeira, que se chamam igualmente cuncas. A fórma masculina cunco applica-se a uma gamella de pau para se bater a massa do pão antes de ir para o forno, ao que se chama patiar o pão (em S. Gregorio dizem afupar o pão.

   Para iluminação das casas, os mais pobres fazem uso de guiços, que são pedaços de urzes secas (gândaros), de queirogas sêcas e de tojos secos, descascados do tempo, e que se accendem á maneira de vela: sustentam-nos na mão, ou espetam-nos num buraco da parede; de vez em quando esmoucam-nos, quebrando no chão a parte carbonizada, para os reaccenderem. Na Galliza acontece o mesmo, e o nome é igual, só se escreve com z. Com os guiços concorrem vantajosamente candeias de lata, suspensas em seu velador, como é geral no Norte e Centro do país; outr’ora havia-as de ferro e alimentavam-nas de sil ou banha de porco.

   Terminarei aqui a parte descritiva, mencionando a cama, palavra que significa propriamente ‘’leito de madeira’’; assim se diz: ‘’o carpinteiro faz uma cama’’. A cama consta de um caixão grande, com quatro banzos ou pernas, que terminam superiormente em pirâmides. Os mais pobres ahi dormem sobre palha, envolvidos numa manta de burel (sem enxergão ou lençoes); de travesseiro serve um farrapo. Num dos banzos da cabeceira enrola-se o rosario em que rezam.

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   No regresso de Castro-Laboreiro trouxemos ate Portellinho o mesmo caminho da ida. Ás alturas de Portellinho desviámo-nos da rota, por montes quasi nus de arvoredo, á vista de Lamas de Mouro, em direcção a Covalhão e Urjaes, d’onde seguimos até ao Peso. Acompanharam-nos constantemente as duas mesmas mulheres, que eram como duas cabras monteses, na rijeza physica e nos modos.

 

   Lisboa, 1904-1916

 

   J. Leite de Vasconcellos

 

UMA EXCURSÃO A CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 07.03.13

 

Castro Laboreiro

 

 

UMA EXCURSÃO A CASTRO-LABOREIRO

(NOTAS NUMA CARTEIRA)

                                                   

I

   Em 1904, estando a veranear nas Agoas do Peso, fiz uma excursão a Castro-Laboreiro em companhia do Rev.º Manoel José Domingues, Abbade de Melgaço. A excursão foi muito breve. Partimos num dia de manhã, e voltamos no dia seguinte depois de almôço. Tomei porém algumas notas ethnográficas e dialectologicas que poderão ter utilidade para os estudiosos; e por isso aqui as publico, pouco mais ou menos na mesma fórma em que as tomei.

   Castro-Laboreiro fica na serra, em uma das regiões portuguesas mais rusticas, por tanto preciosissima para investigações ethnologicas. Ha, de facto, a seu respeito já um ‘’ensaio anthropologico’’ dado a lume por Fonseca Cardoso na Portugália, II, 179 ss., e algumas referencias avulsas publicadas ibd., II, 360, no que toca a trajos, pelo fallecido Rocha Peixoto, que igualmente se refere a Castro-Laboreiro num artigo que escreveu nas Notas sobre Portugal, I, (1908), 73 ss., acêrca das fórmas da vida communalistica no nosso pais. Vid. Também: O Itenerario de Lisboa a Vianna do Minho de Sebastião José Pedroso, Lisboa 1844, pag. 29-30; O Minho Pittoresco de J. A. Vieira; e entre outros tratados de Geographia, o Portugal ant. e moderno de Pinho Leal, II, 205 ss.

   A palavra Castro-Laboreiro está por Castro-do-Laboreiro, pois nos compostos d’esta especie a particula articular, do, reduz-se, a de, que depois cae às vezes: cfr. Ponte de Lima , por do Lima, beira-mar por beira- do-mar. O povo em vez de Castro diz sempre Crasto (e sem Laboreiro). Esta palavra não é mais que o lat. Castrum que no latim da decadência significava ‘’oppidum’’; ella applica-se no nosso pais aos montes em que ha vestigios de fortificações da epoca lusitanica: Castro-Laboreiro deve ter sido na origem um castrum proto-historico.

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   O nome patrio dos habitantes de Laboreiro é Crastejos, que assenta na fórma popular Crasto, já citada.                                              

   Como disse, partimos de Melgaço, o Sr. Abbade e eu, uma manhã às 9 ½, montados em mulas, e acompanhados de duas robustas mocetonas, calçadas de grossos çoques (i.é, çocos ou ‘’socos’’), e com polainas de branqueta. Não pareça descortesia irem dous homens com mulheres por arreeiras; é este o costume local.

   Fomos subindo montes, e atravessando miseros logarejos: Cavalleiros, Cabana, Villa do Conde, Candosa, Ladrunqueira; neste último as nossas companheiras beberam vinho mosto por uma malga, em uma venda.

   Ao passarmos por Fiães, visitámos as ruinas do convento que ahi se vêem entre bons campos, em meio do mysterioso silencio que outr’ora convidava os monges à meditação; a entrada para lá é uma bella alameda de carvalhos. A igreja conserva ainda as suas portas ogivaes. Diz-se que em tempos viera para aqui a imagem de uma santa, que fez que num campo proximo rebentassem agoas milagrosas que encheram um tanque; ha muito que os milagres acabaram, mas a lenda, que já tem o protótypo antigo na de Hippocrene, continúa a occupar a mente do povo, sempre propensas a maravilhas, especialmente por estes lindos sitios do Alto-Minho, onde cada elemento da natureza, fonte, ribeiro, collina, penhasco, arvore, ajuda a conservar os mytos poeticos do passado, e promove a criação de outros novos.

   Em vez de pinheiros, que abundavam até agora, começam a ver-se unicamente vidos ou bidos (i.é, ‘’vidoeiros’’ou ‘’bétulas’’), carvalhos e plantas rasteiras. Continuámos a subir, e chegámos ao sitio do Outeiro da Loba, que na sua denominação dá ideia da fauna local; depois chegámos a uma aldeia chamada A Alcobaça, palavra bastante curiosa, já por ser precedida pelo artigo a, já porque serve para desfazer o êrro dos que suppoem que a villa de Alcobaça, na Estremadura, deve o seu nome aos rios Alcoa e Baça. Vê-se que Alcobaça foi expressão comum e bastante geral: além dos dois citados exemplos, temos Alcobacinha no districto de Santarem , e Alcobaza na Hespanha.

   Na Alcobaça termina propriamente a colheita do milho e principia a do centeio. O milho, como é raro, recolhem-no em canastros de vergas de carvalho, - espécie de sebes de carro, tapadas com cupulas de colmo; peculiaridade esta d’aqui, e de Lamas de Mouro, que fica proximo.

   Pouco depois entrámos na freguesia de Castro-Laboreiro, pelo lugar de Porto de Cavalleiros: casas cobertas de colmo (na Alcobaça já algumas), que, vistas de longe, mal se distinguem, na côr, dos giganteos penedos de granito que as rodeiam. Portellinho, logo em seguida, é povoação da mesma categoria. Contarei uma aventura que me aconteceu aqui. Quando vou a alguma aldeia, costumo examinar os teares, porque ás vezes os pesos d’elles ou tém forma artística, ou são objectos archeologicos, achados casualmente no campo, e applicados para aquelle uso; em Portellinho vi um tear, e pedi á tecedeira, - uma velha, em mangas de camisa, com o collete muito rente ao corpo, e grossas polainas -, me deixasse entrar em casa, no que ella de boa vontade consentiu, pois cuidou que eu era carpinteiro; a breve trecho, porém, como a nossa gente do campo vive sempre debaixo do pesadelo dos tributos, suppôs-me fiscal da fazenda, e toda se affligiu, sendo precisa a conciliadora intervenção do Sr. Abbade para lhe incutir sossêgo, e eu poder sondar em descanso o vetusto apparelho penelopeu, que infelizmente nada tinha especial. – Do nome de uma planta que ha pouco citei como indigena da região vem o do lugar de Vido ou Bido, que também atravessámos, e que não sobrepuja os precedentes. Ao lado fica Varzea Travéssa.

 

NO CRASTO, MELGACUS SONHAVA COM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 05.03.13

 

 

O grupo olhou para o cimo do outeiro sobranceiro ao rio que vinha subindo e, descansando as costas, aguardaram que o druida derrotasse as forças indesejáveis que habitavam o lugar.

Homens rudes, guerreiros experimentados, lobos em campanha a quem nada escapa.

As túnicas brancas justas aos corpos musculados, escudos de peles verdes com os signos da deusa, machados sobre os ombros que encimam braços esculpidos em músculos que as virias adornam.

O cão lobo que seguia Melgacus, chefe da tribo celta, inquieto rosnava. O druida apontou para a rocha que encimava o outeiro e declarou em voz de deus que o lugar sagrado tinha sido encontrado.

Os celtas reunidos no acampamento do clã logo uniram forças para as primeiras saudações à deusa Morgana e o druida cortando um ramo de salgueiro declarou o lugar sagrado e pronto para receber as virgens que iriam regular a vida deste povo.

Guerreiros de rija tempora não demoraram a escorraçar os poucos homens pobres que roídos pela curiosidade dos sons que saíam do grupo se aproximaram. Melgacus acercou-se do solo rochoso onde iria edificar o castro, sonhando já com um castelo roqueiro que deixaria o clã em segurança, enquanto os guerreiros despejados das armas, se agarravam ao arado de rodas e às redes de pesca do salmão, que fumado serviria para alimentar a tribo durante o tempo que demorava a nogueira e macieira, a figueira e o cedro a florescer.

A deusa comandava o tempo da tribo, Morgana reinava em todos os lares.

Morgana reinava com a Dama do Lago nos bosques de carvalho, húmidos de todo o amor que recebiam em troca da paz que os exércitos e os amantes necessitavam.

A macieira, carregada de vermelhos frutos simbolizava o amor da Deusa à mãe Terra.

O cedro fala da confiança na mãe Terra.

Na nogueira encontramos a paixão. Paixão dos lares pela Deusa Modron, a deusa corvo.

A figueira trouxe a sensibilidade.

A Deusa Maeve fez emborcar a Melgacus o Guerreiro o vinho da sabedoria das mulheres.

Os fios de leite que escorre das suas folhas são lágrimas da Mãe Terra fértil, que nunca os deixará dormir com fome.

Quando a rainha Morgana amou Melgacus diante da tribo, todos os seres alados procriaram, as flores desabrocharam e os sapos e rãs redopiaram sobre o musgo mágico à volta do ribeiro.

Rio do Porto chamou-se por aí ter atracado a barca de Artur quando o ritual do Matrimónio Sagrado o uniu a Morgana.

Do castro em construção saiu o grito da canalha miúda, uns agarrados a cabelos e cabeças dos outros. As pedras que se aprontavam para fazer parte das paredes circulares das cabanas não entravam na loita.

A Deusa Macha, Mulher do Sol, filha de Aed o vermelho e de Ernmas a sacerdotisa, velava sobre a guerra e a morte, antes de qualquer mortal pisar terras de Avalon.

Dana trouxe o conhecimento e a escrita e quase derrotou o conto contado nas longas noites de vigília em que a Deusa Flidias, senhora das florestas recebia as graças dos guerreiros e a Deusa Henwen a Porca Branca Velha fugia com seus leitões da espada de Artur e recebia a hospitalidade da Deusa Cerridwen sua irmã no Caldeirão da Inspiração do qual Artur bebeu a força do Santo Graal e Brígida que beijou o escolhido Trovador dos Druidas com o awen, o sopro dos deuses.

Todos coabitavam no castro ora plantado por Melgacus o Guerreiro com o bardo a soprar a gaita e a cantar vivas ao Rei Sol.

O druida, aproximou-se e pensou: “com o tempo aprendes como as palavras ditas num momento de ira podem seguir lastimando a quem feriste, durante toda a vida” e levo comigo a força do javali e a sabedoria do unicórnio.

As crianças corriam sãs e escorreitas prontas para os trabalhos da sementeira e festival de Imbolc que saudava a Deusa Mãe Brigida.

Muitos deuses, muita fartura para que nada falte nas cerimonias conduzidas pelo druida pai e homenageia toda a Mãe Terra, soberana da terra e dos homens, conduzindo-os para a luz e responde às preces das mães do clã.

O fumo que sobe do fogo no interior da casa das noviças, impregnado do cheiro do alecrim e dos maios colhidos na grande orvalhada em honra de Morgana, mãe do todos, afastou os espíritos do druida que chamou Melgacus e lhe impôs as virias de grande guerreiro, chefe da tribo e das tribos que por aí viessem.

Os romanos caíram em emboscadas, foram derrotados e humilhados por aqueles homens guerreiros que com máquinas de guerra, machados, escudos e espadas, esmagaram o panteão de deuses que marchavam sob a águia romana seguindo o destino que as palavras de Cícero elevavam no senado da cidade eterna.

Melgacus deixou o resguardo do castro e estendeu o braço até onde a vista alcança. Estava marcado o território da tribo, o vale do Minho ao Trancoso seria pequeno para os artesãos que iriam contar os feitos de conquista e fundação de Melgaço, terra de Melgacus o Celta, que iria perdurar por séculos afora.

Com a bênção da Deusa e da fada Morgana, deusa libertada do limbo pela graça dos druidas, cantada pelos bardos até ao himno galego.

 

Camborio Refugiado em procura do Santo Graal sob o comando de Artur no reino gaellico onde arribou Lancelot do lago.