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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

CONTRABANDO DE RESES PELO CONCELHO DE MELGAÇO (FIM)

melgaçodomonteàribeira, 08.03.13

 

 

A ROTA DO CONTRABANDO

 

 

   Com efeito, depois de sacado às Unidades Colectivas de Produção e Cooperativas agrícolas alentejanas e ribatejanas, quer pela mão do ministério de Vaz de Portugal, quer através de assaltos que grupos de terroristas frequentemente ali desencadeiam, o gado inicia a longa e organizada marcha do contrabando.

   Primeiro, é transportado até à zona centro do País, onde se verifica uma transferência para novos camiões. Daqui, nova viagem até localidades mais próximas da fronteira a atravessar; esta segunda mudança, de acordo com pessoas de ambas as vilas minhotas, tem sido detectada em Valença e Vila Verde.

   Nova mudança de veículos e condutores, para aproximar o gado da extrema com o país vizinho. Agora, os condutores são já indivíduos da zona, experientes no serviço, conhecedores do método a utilizar.

   Vão até junto à linha de fronteira, onde largam o gado muito rapidamente. O camião raspa-se logo e o gado atravessa a raia, a pé, até Espanha, onde estão já espanhóis à espera. Afastam-se uma centena de metros e ali está um novo camião que segue com as centenas de animais contrabandeados.

   Estas diversas metas intermédias, numa viagem que dura alguns dias, visam fugir à fiscalização. Isto, porque legalmente não é permitido transportar camionetas de gado sem possuir guias de circulação. Não as tendo, os camionistas não poderão provar a aquisição legal dos animais.

 

“DESDE O VERÃO PASSADO…”

 

   Foi no verão passado, quando começaram os ataques à  Reforma Agrária, que aumentou muito o contingente de camiões de gado a passar, - afirmou-nos um soldado da Guarda-Fiscal.

   Explicou ainda:

   Nesta zona há bastante contrabando e, mesmo de gado, já não é novo! Porém, nunca se viu passar assim tanto…

   Um amigo de Tangil, enquanto percorríamos a estrada do Brejo, dizia-nos, a esse propósito:

   - Há dias, e noites, em que passam, só nesta estrada, cinco e seis camionetas. Ainda na segunda-feira passada foi um desses dias!

   Um talhante de Melgaço, visivelmente indignado, testemunhou aquilo de que intermediários ligados a este contrabando se gabam:

   - A quase totalidade desse gado vem do Alentejo e é quase dado que eles o trazem. Ora, isto não pode continuar. Ainda se fosse pouca quantidade, e trouxesse algumas divisas para o País, vá que não vá… Mas assim…

   Verifica-se ainda, segundo os testemunhos registados nesta zona fronteiriça, que a maioria do gado a passar é ainda bastante novo.

   - Regra geral são vitelos, entre os 16 e 18 meses. A maioria do gado é de raça, galega ou turina. Nem no Norte nem no Centro se produz para alimentar tamanha quantidade a sair diariamente. É bem de ver que ele vem da zonas onde mais se produzem essas raças… adiantou ainda o elemento da GF com quem dialogámos longamente. Aliás, tal gado, portanto novo e de raça, segue para Espanha já encomendado para grandes quintas que o vão alimentar.

 

 

GUARDA-FISCAL ACÇÃO DIFICULTADA

 

Naturalmente, o acompanhamento diário deste contrabando por parte dos habitantes da região, nomeadamente os agricultores, origina a repulsa destes e mesmo interrogações quanto às facilidades com que os camiões passam.

   São-nos sugeridos nomes de dois irmãos de Segude, o Zé e o Aníbal da Quinta, proprietários de camionetas frequentemente utilizadas para o transporte na última etapa da rota. Ou seja, o gado é comprado por outros e eles encarregam-se de fazer a fase mais arriscada – levá-lo até à fronteira.

   Quanto aos mais responsáveis, várias pessoas repetem-nos os nomes de Augusto Pequeno, de Adedela, Melgaço, que se mete em negócios escuros de toda a ordem e ainda recentemente esteve envolvido na transacção de grande quantidade de pesetas falsificadas; e de um tal Reis de Melgaço.

   Porém, a título de exemplo, foi-nos contado o que ainda recentemente sucedeu quando, a esse tal Reis, foi apreendida uma camioneta carregada do gado pela Guarda-Fiscal. Pouco depois, ele foi ao posto da GF dizendo que eram responsáveis por mais de dois mil contos de gado; que era dele e que exigia que lho devolvessem dentro de 24 horas. Passado umas quatro horas, já lhe telefonavam para ir buscar o gado…

 

   Isto tem a ver, naturalmente, com a falta de condições, quer físicas, quer legais com que a Guarda-Fiscal pode contar na sua actuação diária de repressão a esta actividade profundamente dolosa da economia nacional.

   Por outro lado, diz-nos um soldado, enquanto se verifica que estão a ser gastos grandes quantitativos no reapetrechamento quer da GNR quer da PSP, a Guarda-Fiscal continua exactamente com os mesmos precários meios de acção.

 

   Quanto à legislação em vigor, os contrabandistas de gado, mesmo levados a tribunal, têm todas as possibilidades de não serem condenados, a não ser que sejam apanhados em flagrante, o que é praticamente impossível.

   Acresce a este último problema o facto de terem de ser os soldados da GF que fizeram a autuação quem terá de pagar as custas de transporte do gado para o tribunal, sempre onerosas, caso não se verifique condenação!

 

A finalizar, um outro facto nos dá a ideia, quer da facilidade quer da gravidade do crime. Enquanto passa para Espanha todo este contingente de gado novo e das melhores raças, para Portugal, exactamente pela mesma raia, passa gado velho e doente.

   Com efeito, a mesma rede de contrabando introduz no nosso País significativa quantidade de gado que é adquirida em Espanha, praticamente de graça aos agricultores.

   O interesse disto está ligado, por um lado, à existência na região, nomeadamente em Valença, de matadouros clandestinos que enviam para consumo carne muitas vezes em condições impróprias.

   Por outro, verifica-se ainda que o gado tuberculoso não é subsidiado no País vizinho. Em Portugal, os agricultores que tenham gado que tuberculize são indemnizados quase pelo valor real do animal. Daí que em Espanha se queiram desfazer de tal gado por ‘tuta e meia’. Trazido para Portugal, o animal é entregue a agricultores que o declaram aos serviços respectivos…

 

 

Jornal "O Diário", 14 de Dezembro de 1978

 

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